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  • Coberturas vacinais estão melhores que em 2021 e 2022, diz SBIm

    Coberturas vacinais estão melhores que em 2021 e 2022, diz SBIm

    Novidades como as vacinas para a dengue e para o vírus sincicial respiratório, além dos obstáculos já conhecidos do Programa Nacional de Imunizações (PNI) como o antivacinismo e a hesitação vacinal serão temas de discussão entre especialistas que vão se reunir de quarta-feira (20) a sábado (23) em Florianópolis,Santa Catarina, na Jornada Nacional de Imunizações.

    Em entrevista à Agência Brasil, a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM), Mônica Levi, diz estar otimista em relação à retomada das coberturas vacinais, cuja queda já começou a ser revertida.

    “É um trabalho bem árduo, porque quando você consegue causar medo e desconfiança, é muito difícil retomar isso. Mas sou uma pessoa otimista, acho que estamos caminhando. As coberturas vacinais já estão melhores que em 2021 e 2022. Acho que vamos conseguir, mas recuperar todo o estrago demora um pouco para voltarmos a ser um exemplo”, avalia.

    19/09/2023, Presidente da SBIm, Mônica Levi. Coberturas vacinais já estão melhores que 2021 e 2022, diz SBIm. Foto: SBIm/Divulgação Presidente da SBIm, Mônica Levi. Coberturas vacinais já estão melhores que 2021 e 2022, diz SBIm. Foto:SBIm/Divulgação

    A sociedade científica é a organizadora da jornada que será realizadano ano em que o PNI completa meio século de vida. Para além de celebrar, o evento vai contar com um fórum especial de saúde pública em que representantes do Ministério da Saúde, Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e secretarias municipais e estaduais de saúde discutirão os próximos passos para a retomada das coberturas vacinais.

    Confira a entrevista completa:

    Agência Brasil: Nos últimos anos, a jornada foi realizada no contexto de queda das coberturas vacinais, pandemia de covid-19, aumento do antivacinismo e, agora, com a vacinação de volta às prioridades do Ministério da Saúde. Esses temas deixaram o evento mais “quente”, com discussões que despertaram maior interesse? Se, sim, como essa expectativa impactou a própria organização?
    Mônica Levi: Eu não tenho essa percepção. Inclusive estamos com um número de inscritos menor que o habitual, mas tem a questão da localização, de ser no Costão do Santinho [em Florianópolis], em um lugar de mais difícil acesso, principalmente para o Norte e Nordeste, e um lugar mais caro. Então, o número de participantes vai ser menor. Agora, para os profissionais da Saúde, esse tema é quente. Nós estamos sempre discutindo e, inclusive, organizando um fórum de saúde pública que é a última atividade do evento, um fórum interativo com PNI, Unicef, Opas, Conass, Conasems, para dar um fechamento na jornada sobre muitos temas. Um fechamento que não é teórico, mas sobre o que podemos nos unir para fazer e que não estamos fazendo até agora. Agora, acho que saturou esse tema na mídia geral. Quando vejo postagem sobre o risco de retorno das doenças controladas no passado pelas baixas coberturas, a minha impressão é de que não tem dado mais ibope na população em geral. Acho que quem se interessa já foi contemplado e já leu, mas a gente ainda não reverteu esse cenário, e o tema tem que continuar sendo falado, tem que continuar vendo os obstáculos. E para os profissionais de saúde interessados o tema é quente, como sempre. As dificuldades na vacinação da covid, a nova variante, o aumento do número de casos. Tudo isso continua sendo assunto atual.

    Agência Brasil: Nesse cenário de desgaste do tema que você menciona, a comunicação fica ainda mais complicada. É preciso discutir uma inovação na comunicação?
    Mônica Levi: Sem dúvida. É preciso inovar para sensibilizar de outra forma, ir a pessoas que não estão se importando e achando que a informação não é com elas. As estratégias todas têm que ser repensadas. Estamos em um momento em que a comunicação tem que ser diferente, não tem como fazer como era antes e dava certo.

    Agência Brasil: A jornada também vai ser um momento de avaliar os obstáculos e os primeiros resultados dessas ações de microplanejamento e multivacinação lideradas pelo Ministério da Saúde?
    Mônica Levi: Tem bastante espaço dentro da jornada para a saúde pública. Nos 50 anos do PNI e nos 25 da SBIm estamos de mãos dadas. Então, essas temáticas vão ser muito discutidas. Esse microplanejamento já vem acontecendo, com ações pontuais em locais pontuais, diferenciados, e entendendo que o Brasil tem diversas realidades e que é necessário o microplanejamento para atender a todas as demandas e obstáculos, que são diferentes de uma região para outra.

    Agência Brasil: Sendo essa a primeira jornada desde a decretação do fim da pandemia de covid-19, já vai ser possível fazer uma avaliação mais conclusiva sobre a pandemia e o papel da vacinação no controle dela?
    Mônica Levi: Não é um tema que eu diria ser o principal. Tem muitas outras coisas, estratégias para a eliminação de meningococos, de HPV e câncer de colo de útero, novas vacinas e novos agentes infecciosos, como o vírus sincicial respiratório, que foi o vírus que causou mais casos de doenças graves e internações de crianças no pós-pandemia. Tem nova vacina de pneumonia, o herpes zoster, que tem vacina no privado, a dengue, com o lançamento de uma nova vacina. Temos novas vacinas incorporadas no calendário da SBIm e no PNI, mudanças de recomendações nos CRIE [Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais]. O programa da jornada está muito completo, com tudo isso incorporado. Não é só covid. Ano passado já tivemos uma jornada presencial, e acho que não mudou muita coisa. O que mudou foi que a OMS decretou o fim da emergência em saúde pública, mas não mudou muita coisa. Mas é claro que vai ter. A primeira mesa já é sobre a covid e o que esperar. A covid não é o foco.

    Agência Brasil: E qual tema você destacaria como um dos focos?
    Mônica Levi: Um assunto muito importante que vai ser tratado é a hesitação. Esse obstáculo que não é novo, mas foi superlativado na pandemia, principalmente quando chegaram as vacinas de covid-19. A gente começou a ter recusa de vacinação e hesitação com essas plataformas novas e tudo o que veio como questão política que interferiu muito e deixou o Brasil super dividido. É um trabalho bem árduo, porque quando você consegue causar medo e desconfiança, é muito difícil retomar isso. Mas sou uma pessoa otimista, acho que estamos caminhando. As coberturas vacinais já estão melhores que em 2021 e 2022. Acho que vamos conseguir, mas recuperar todo o estrago demora um pouco para voltarmos a ser um exemplo.

    Agência Brasil: Esse antivacinismo que chegou contra as vacinas de covid já atingiu outras vacinas do PNI?
    Mônica Levi: Com certeza já respingou. As pessoas começaram a desconfiar de onde vem a matéria-prima, os insumos, desconfiar politicamente. Respingou, sim.

    Agência Brasil: Nestes 50 anos de PNI, o Zé Gotinha é um dos protagonistas e voltou a ser tratado como um símbolo nacional. Como vocês têm visto o resgate desse personagem?
    Mônica Levi: Eu vejo de uma maneira muito positiva, porque ele é um ícone. Todo mundo quer tirar foto com o Zé Gotinha, por mais que de certa forma ele possa ser démodé para uma outra geração. Não sei o quanto um adolescente se sente estimulado a se vacinar contra o HPV com o Zé Gotinha chamando. A gente também tem que pensar nisso, as vacinas não são só de crianças. Temos para todas as faixas etárias, e temos que ter uma maneira de conversar com todas as idades. Mas o Zé Gotinha é um ícone e a presença dele nos eventos é fundamental.

    Agência Brasil: Em relação às novidades, os avanços nas vacinas contra arboviroses como a dengue e a chikungunya estão entre as principais novidades?
    Mônica Levi: Vai haver esse tema, principalmente sobre a dengue, porque a vacina já está aí. Mas também falando de zika e chikungunya. Mas essas não são as principais. Temos a vacina do vírus sincicial respiratório, HPV nonavalente, pneumocócica-15. São temas que serão bastante abordados.

    Agência Brasil: As clínicas privadas estão perto de receber vacinas contra o vírus sincicial respiratório?
    Mônica Levi: Ainda não tem, mas está prestes a chegar. Ela já está sendo liberada pelo FDA [agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos], e alguns países já estão utilizando a vacinação materna para proteger o bebê, a vacinação com anticorpo monoclonal para o bebê, em dose única, e para o idoso. Então, tem coisas novas chegando.

    Agência Brasil: E a SBIm já está discutindo como recomendar essa vacina em seus calendários?
    Mônica Levi: Só quando estiver mais próximo que a gente começa a discutir tecnicamente e definir as nossas posições. Ainda não estamos fazendo isso, estamos lendo e acompanhando o passo a passo. Mas, por exemplo, a pneumo-15 já estava no calendário da SBIm antes de a vacina estar disponível.

    Agência Brasil: O antivacinismo também tem sido percebido nas clínicas privadas? Há menos procura? Mais dúvidas?
    Mônica Levi: Com certeza. As clínicas do Brasil, as que não fecharam, estão com o movimento bastante reduzido comparativamente a antes da pandemia. Muitas clínicas fecharam e outras estão tentando se manter, mas o movimento das clínicas no Brasil inteiro diminuiu muito.

    Agência Brasil: Então, há uma crise nas clínicas privadas de vacinação?
    Mônica Levi: Sim, com certeza.

    *O repórter viajou para Florianópolis a convite da SBIm para cobrir a Jornada Nacional de Imunizações

    Edição: Denise Griesinger
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  • Fake news sobre vacinas buscam gerar medo, dúvidas e lucro

    Fake news sobre vacinas buscam gerar medo, dúvidas e lucro

    Em meio à pandemia de covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que o mundo entrou em uma outra emergência de saúde pública: a infodemia. Com o excesso de informações publicadas por todo tipo de fonte na internet, essa crise torna difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa. A OMS ressaltou, na época, que esse fenômeno é amplificado pelas redes sociais e se alastra mais rapidamente, como um vírus, afetando profundamente todos os aspectos da vida.

    Nesse caldeirão de conteúdo, grande parte do que circula é dito sem respaldo em evidências científicas e com interesses comerciais e políticos, alerta a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Isabela Ballalai. Desde a pandemia de covid-19, o foco dos grupos que disseminam desinformação em saúde tem sido as vacinas, o que impacta os esforços para elevar as coberturas do Programa Nacional de Imunizações(PNI), que completa 50 anos nesta segunda-feira (18).

    Sob censura, surto de meningite foi um dos primeiros desafios do PNI. Isabela Ballalai é diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações. Foto: SBIm

    Isabela Ballalai diz que os médicos têm obrigação de fazer recomendações com base em evidências científicas- SBIm

    “Logo depois de anunciar a pandemia de covid-19, a OMS anunciou a infodemia. Ainda vivemos isso e vai ser difícil sair dela”, lamenta a médica.

    “Por trás disso, existe uma estrutura, é um negócio que gera dinheiro para quem faz. Discordar faz parte, e a ciência precisa de concordâncias e discordâncias. É assim que ela evolui. Mas a ciência precisa se prender a evidências científicas. O médico tem a obrigação de dar sua recomendação baseada em evidências.”

    Quando essa campanha de desinformação é combinada a uma baixa percepção de risco das doenças prevenidas pelas vacinas, a diretora da SBIm explica que a hesitação vacinal ganha força, mesmo entre profissionais de saúde. Médicos e enfermeiros, assim como toda a população, estão sujeitos ao bombardeio de informação na internet, e muitas das doenças prevenidas pelos imunizantes se tornaram raras ou controladas justamente pelo sucesso da vacinação.

    “A maioria que ouve essas informações fica na dúvida. E, na dúvida, prefere não arriscar na recomendação. E o médico muitas vezes está ouvindo de um colega que ele conhece, porque muitas vezes os médicos chamados [para espalhar desinformação] são médicos conhecidos, ou até um médico que foi professor dele. Então, ele acredita.”

    Linguagem apelativa

    A desinformação sobre vacinas muitas vezes é alarmante, descreve a diretora da SBIm, e traz um tom exaltado tanto no conteúdo quanto na forma de apresentá-lo, com letras garrafais e coloridas, por exemplo. Esses conteúdos também se aproveitam de vídeos e fotos de adultos e crianças para inventarem histórias sobre situações que não aconteceram ou não estão relacionadas à vacinação.

    O Distrito Federal começou a vacinar crianças acima de 6 anos contra a COVID-19O Distrito Federal começou a vacinar crianças acima de 6 anos contra a COVID-19

    Vacinação de crianças contra covid-19- Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

    “Toda vez que receber um post nas mídias de um médico renomado, de uma universidade conhecida, que fala coisas como vacina mata, estão escondendo da gente, coisas sempre muito alarmantes, desconfie. Nós, médicos, não falamos assim, não fazemos terrorismo”, descreve ela, que ressalta que, às vezes, é difícil para o público contestar as informações, que são apresentadas de maneira confusa, assustadora e até acompanhadas de supostas evidências. “Infelizmente, para você validar ou não uma comunicação dessa, você pode ter trabalho. Pode ter um artigo científico que conclui uma coisa completamente diferente de tudo que a ciência está dizendo, e você entra nele e está em uma revista. Mas que revista é essa?”

    Ameaça à democracia

    A circulação dessas informações já havia sido detectada pela própria Sociedade Brasileira de Imunizações, em pesquisa divulgada em 2019. Dez afirmações falsas recorrentes sobre vacinas foram apresentadas a mais de 2 mil entrevistados nas cinco regiões do Brasil, e mais de dois terços (67%) deles disseram que ao menos uma das informações era verdadeira. O cenário se agravou muito com a pandemia de covid-19e o uso das redes sociais contra diversas instituições democráticas, como a Justiça, o sistema eleitoral, a imprensa e o próprio PNI.

    Nesse contexto, autoridades como o então presidenteJair Bolsonaro defenderam tratamentos ineficazes contra a covid-19, como o que chamou de kit covid, e atacaram medidas preventivas, como o distanciamento social, além de promover desconfiança em relação às vacinas contra a doença.

    Esses ataques começaram ainda no desenvolvimento das vacinas, como quando o então presidente compartilhou nas redes que a suspensão dos testes da CoronaVac era “mais uma que Jair Bolsonaro ganhava”, após a morte de um dos voluntários. Posteriormente, ficou comprovado que o óbito não teve relação com o imunizante. “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o [ex-governador de São Paulo João] Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, escreveu em resposta a um seguidor, em novembro de 2020.

    Vacinação drive-thru contra a covid-19 no Parque da Cidade, em Brasília.

    Doses da vacina CoronaVac contra covid-19- Marcelo Camargo/Agência Brasil

    O coordenador do PNI, Eder Gatti, conta que o combate à desinformação em saúde tem sido o primeiro passo de uma ação sistemática do governo federal para combater esse problema em todas as áreas. Gatti afirma que o ataque à confiança nas vacinas acontece de forma sistemática e organizada e acaba levando as pessoas a terem medo de se vacinar ou desconfiarem das vacinas.

    “Esse é um mal recente e relativamente pequeno no Brasil, começou agora com a pandemia, mas já causa efeitos sérios nas coberturas vacinais no Brasil e é algo para a gente se preocupar”, alerta.

    “A desinformação é algo que ameaça a nossa democracia, é mais ampla que a saúde, e a ação de combate à desinformação está na saúde de forma piloto, inclusive para agir no ataque à desinformação de forma sistemática. Temos um programa estruturado que tem sido testado no sentido de identificar ações que disseminem informação e também de forma a conter o efeito”.

    Mercado perverso

    Presidente do Instituto Questão de Ciência, a microbiologista e escritora Natalia Pasternak recomenda que o público tenha muito cuidado com postagens, vídeos e notícias que busquem causar medo ou ansiedade, porque essa é uma estratégia usada com frequência na desinformação.

    “A informação falsa é feita para emocionar, para deixar a pessoa com raiva, com medo, com vontade de compartilhar e mostrar para todo mundo. Quando você ver uma notícia dessas, com esse sensacionalismo, que foi construída para gerar medo e aterrorizar, desconfie. Esse tipo de notícia tem grandes chances de ser uma propaganda, uma notícia fabricada para enganar, e existe um mercado perverso que movimenta essas notícias e quer deixar as pessoas com medo, para vender produtos e serviços”, denuncia. “Tem gente vendendo reversão vacinal, produtos que detoxificam das vacinas e produtos associados, como livros, newsletter e estilo de vida para não precisar se vacinar. É um mercado que vende desinformação para empurrar remédios, produtos e serviços desnecessários e até perigosos. São pessoas que já estão acostumadas a operar esse mercado perverso de desinformação em saúde e que mudaram o foco depois da pandemia, porque o foco estava nas vacinas.”

    Vacinação drive-thru contra a covid-19 no Parque da Cidade, em Brasília.Vacinação drive-thru contra a covid-19 no Parque da Cidade, em Brasília.

    Vacinas contra a covid-19 se tornaram alvo de grupos que disseminam fake news – Marcelo Camargo/Agência Brasil

    Além disso, ela alerta que é preciso desconfiar de informações suspeitas sobre saúde mesmo que elas venham de pessoas próximas que demonstrem ter boas intenções e preocupação em alertar sobre elas.

    “Desconfie e acolha. Em vez de apontar para aquele amigo ou familiar e dizer que é um antivacinista, pergunte onde ouviu, quem falou e por que acha isso. Pergunte se checou e se ofereça checar juntos. É preciso lembrar que essas pessoas são vítimas dessa máquina de desinformação. Não são essas pessoas que estão lucrando, elas estão sendo enganadas. É preciso ouvi-las com cuidado e tentar orientar da melhor maneira possível.”

    Interesses políticos

    A ação coordenada dos antivacinistas para prejudicar o Movimento Nacional pela Vacinação lançado em fevereiro pelo Ministério da Saúde foi mapeada pelo Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NetLab/UFRJ). Somente no antigo Twitter, o NetLab conseguiu identificar um grupo de 36 mil perfis que retuitaram mais de 100 mil publicações com conteúdo antivacina após o lançamento. Tal articulação acabou sendo mais intensa que a dos 41 mil perfis que fizeram 79 mil retuítes a favor da vacinação.

    O NetLab explicou à Agência Brasil na época, que, em diversos momentos, a pauta política do país é um gatilho para campanhas de desinformação, e o movimento pela vacinação foi um episódio emblemático. Isso ficou claro quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se vacinou na campanha, e a extrema direita ativou uma articulação muito intensa em que várias narrativas são acionadas em diferentes plataformas, tentando trazer dúvidas sobre o quão seguras as vacinas são.

    Carlos Eduardo Barros é coordenador de projetos e pesquisador assistente no NetLab UFRJ. Foto: Aquivo Pessoal

    Carlos Eduardo Barros diz que a desinformação sobre vacinas tem relação com interesses econômicos e políticos- Aquivo pessoal

    Coordenador de projetos e pesquisador assistente no NetLab UFRJ, Carlos Eduardo Barros contextualiza que a desinformação sobre vacinas nos últimos anos está intimamente relacionada a interesses econômicos e políticos. O pesquisador explica que, quando se fala em desinformação, não se trata de erros que todos estão sujeitos a cometer ao se comunicar, mas de uma estrutura de propaganda que realmente opera com o objetivo de causar engano e confusão, oferecendo uma alternativa que é lucrativa para seus financiadores.

    “Por isso, quando tivemos o auge da covid-19 no Brasil, por exemplo, antes de aumentar o número de pessoas contaminadas, aumentaram os lucros de venda dos supostos tratamentos precoces prometendo curas milagrosas que ‘a mídia estaria escondendo’”, afirma ele, que resgata outro caso emblemático: “A primeira onda de boatos sobre vacinas causarem efeitos absurdos começou em 1998, quando um cientista publicou uma pesquisa associando a tríplice viral com o autismo. Logo descobriam que os dados eram falsos, e ele tinha sido pago por uma empresa farmacêutica que se beneficiou com a queda de vendas daquela vacina. Mas a que custo? Estudos sobre esse caso destacam que o papel da mídia na época, dando espaço para o falso cientista mesmo depois da fraude comprovada, acabou espalhando a ideia de “perigo” das vacinas, e até hoje influencia grupos antivax.”

    Diante de uma máquina profissional de produzir e espalhar mentiras, até mesmo profissionais de saúde podem ser enganados, ressalta o pesquisador, principalmente quando o tema da desinformação não é sua especialidade profissional. Ele aponta que estudos no campo da desinformação sobre ciência mostram que pessoas com alto nível de especialização são igualmente suscetíveis a acreditar em uma informação falsa sobre outra área que elas desconhecem, e podem ser ainda mais difíceis de aceitar que foram enganadas.

    “Além disso, dificilmente um profissional que não seja pesquisador terá tempo para se atualizar na mesma velocidade das descobertas científicas –e a ciência também não é um corpo imóvel de conhecimento, ela muda o tempo todo conforme aprendemos novas coisas”, afirma. “Essa é a importância das instituições como o Ministério da Saúde e a OMS. E por isso também é perigoso quando uma figura de autoridade, seja cientista, jornalista ou político famoso, difunde uma ideia mentirosa. Porque a partir dessa pessoa é provável que muitos, até bem intencionados, sejam influenciados e até reproduzam discursos similares.”

    Edição: Juliana Andrade
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  • Lei define regras para vacinação em estabelecimentos privados

    Lei define regras para vacinação em estabelecimentos privados

    Lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada nesta sexta-feira (15) no Diário Oficial da União define regras para vacinação humana em estabelecimentos privados. O texto prevê que os locais sejam licenciados para a atividade por autoridade sanitária competente e que tenham um responsável técnico obrigatoriamente com formação médica, farmacêutica ou de enfermagem.

    “O serviço de vacinação contará com profissional legalmente habilitado para desenvolver as atividades de vacinação durante todo o período em que o serviço for oferecido”, destacou a publicação. “Os profissionais envolvidos nos processos de vacinação serão periodicamente capacitados para o serviço, na forma do regulamento.”

    Ainda de acordo com o texto, compete obrigatoriamente aos serviços de vacinação gerenciar tecnologias, processos e procedimentos, conforme as normas sanitárias aplicáveis, para preservar a segurança e a saúde do usuário,e adotar procedimentos para manter a qualidade e a integridade das vacinas na rede de frio, inclusive durante o transporte;

    Além disso, os locais em questão devem registrar as seguintes informações no comprovante de vacinação, de forma legível, e nos sistemas de informação definidos pelos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS): identificação do estabelecimento; identificação da pessoa vacinada e do vacinador; dados da vacina: nome, fabricante, número do lote e dose; data da vacinação; e data da próxima dose, quando aplicável.

    Os serviços também devem manter prontuário individual com registro de todas as vacinas aplicadas acessível ao usuário e à autoridade sanitária, respeitadas as normas de confidencialidade; conservar à disposição da autoridade sanitária documentos que comprovem a origem das vacinas utilizadas; notificar a ocorrência de eventos adversos pós-vacinação, inclusive erros de vacinação.

    A lei cita como direitos do usuário de serviços de vacinação acompanhar a retirada do material a ser aplicado do seu local de refrigeração ou armazenamento; conferir o nome e a validade do produto que será aplicado; receber informações relativas a contraindicações; receber orientações relativas à conduta no caso de eventos adversos pós-vacinação; ser esclarecido sobre todos os procedimentos realizados durante a vacinação.

    “O descumprimento das disposições contidas nesta lei constitui infração sanitária nos termos da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo das responsabilidades civil, administrativa e penal cabíveis”, diza publicação. O texto entra em vigor em 90 dias.

    Edição: Graça Adjuto
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  • Só vacinação pode manter febre amarela longe das cidades

    Só vacinação pode manter febre amarela longe das cidades

    Antes que sanitaristas como Vital Brazil e Oswaldo Cruz liderassem mudanças no cenário da saúde pública no Brasil, no final do século 19 e início do século 20, o país tinha uma fama assustadora no exterior: “Túmulo de estrangeiros”. O motivo era a enorme quantidade de doenças infecciosas que incidiam de forma epidêmica sobre sua população, causando milhares de vítimas.

    Entre elas, uma das mais temidas era a febre amarela urbana, arbovirose cuja letalidade ainda hoje pode beirar os 50% em casos graves. Somente na capital federal da época, o Rio de Janeiro, a doença matava mais de mil pessoas por ano no início do século 20.

    Os esforços para combater essa doença incluíram uma caça aos mosquitos e fizeram com que ela fosse eliminada em 1942. O que trouxe maior resultado para manter essa conquista, porém, foi a vacinação, desenvolvida em 1937 e disponível no calendário infantil do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que completa 50 anos em 18 de setembro. A indicação para as aplicações é aos 9 meses e aos 4 anos de idade. Acima dos 5 anos, a recomendação é de apenas uma dose.

    Rio de Janeiro - Secretaria de Saúde abre posto de vacinação contra a febre amarela, no centro do Rio (Tomaz Silva/Agência Brasil)Rio de Janeiro – Secretaria de Saúde abre posto de vacinação contra a febre amarela, no centro do Rio (Tomaz Silva/Agência Brasil)Vacinação contra a febre amarelano Rio de Janeiro – Tomaz Silva/Arquivo/Agência Brasil

    A vacina contra a febre amarela utilizada pela rede pública é produzida pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) e também pela farmacêutica Sanofi Pasteur, que fornece tanto para o PNI quanto para as clínicas privadas. Segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações, as duas têm perfis de segurança e eficácia semelhantes, estimados em mais de 95% para maiores de 2 anos.

    Doença não vai desaparecer

    Apesar do sucesso no caso dafebre amarela urbana, a doença em sua forma silvestre não pode ser erradicada. O vírus causador da febre amarela não depende dos seres humanos para continuar existindo – ele infecta primatas e outros mamíferos em florestas, onde é transmitido pelo mosquito Haemagogus sabethes. Esses mosquitos também picam humanos que entram nas matas, e o risco é que, com o retorno dessas pessoas às cidades, elas sejam picadas por mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, que podem fazer o vírus voltar a circular em áreas urbanas.

    A coordenadora da Assessoria Clínica de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Lurdinha Maia, ressalta que, por esse motivo, é preciso que a cobertura vacinal contra a doença seja mantida em todo o país, uma vez que o ecoturismo, a pesca, o desmatamento e outros fatores têm aumentado o contato entre o ser humano e os mosquitos que transmitem a febre amarela silvestre.

    “O Brasil é um país endêmico. Isso significa que a gente não vai acabar com a febre amarela. Ela está nas matas. Em 1942, a gente acabou com a febre amarela urbana, mas ainda é um risco, principalmente porque hoje há muitas entradas nas matas”, afirma.

    “Anteriormente, o Programa Nacional de Imunizações preconizava a vacinação em vários estados e dizia que não era obrigatório no Nordeste. Mas, o PNI já atualizou o calendário de vacinação e todo o Brasil tem a recomendação de ser vacinado contra a febre amarela.”

    Ser um país endêmico faz com que alguns países só permitam a entrada de viajantes brasileiros que apresentem o Certificado Internacional de Vacinação e Profilaxia (CIVP), com registro de dose aplicada no mínimo dez dias antes da viagem.

    Hemorragias

    O vírus da febre amarela demora de três a seis dias incubado no corpo. Quando a infecção gera sintomas, os mais comuns são febre, dores musculares com dor lombar proeminente, dor de cabeça, perda de apetite, náusea ou vômito. A maioria das pessoas melhora em até quatro dias.

    Uma pequena parte dos pacientes, porém, evolui para um segundo estágio da doença, 24 horas após essa melhora. A febre alta retorna, e a infecção afeta o fígado e os rins. Por isso, um sintoma comum nessa fase é a icterícia (“amarelamento” da pele e dos olhos), urina escura e dores abdominais com vômitos.

    Rio de Janeiro - Câmara de resfriamento onde são armazenadas vacinas no Centro Especial de Vacinação Álvaro Aguiar. (Fernando Frazão/Agência Brasil)Rio de Janeiro – Câmara de resfriamento onde são armazenadas vacinas no Centro Especial de Vacinação Álvaro Aguiar. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

    A letalidade entre esses pacientes é elevada, e metade dos que apresentam essas complicações morre em até dez dias. A doença evolui até causar hemorragias graves, com sangramentos a partir da boca, nariz, olhos ou estômago.

    Uma dificuldade para os serviços de saúde é diagnosticar a febre amarela em seus estágios iniciais. É comum que seja confundida com malária, leptospirose, hepatite viral, ou outras febres hemorrágicas, como a dengue.

    Por todos esses motivos, a infectologista Eliana Bicudo destaca que a doença é uma ameaça de saúde pública grave, e que a vacinação precisa ser objeto de atenção da população.

    “Qualquer pessoa não imunizada está ameaçada pela febre amarela, porque ela tem alta letalidade. Um número bem grande de pacientes vem a óbito.”

    Contraindicações

    A vacina da febre amarela é eficaz e segura, mas utiliza a tecnologia do vírus atenuado, o que significa que restringe seu uso às pessoas com boa capacidade imunológica. O Ministério da Saúde contraindica essa vacina para: crianças menores de 9 meses de idade; mulheres amamentando crianças menores de 6 meses de idade; pessoas com alergia grave ao ovo; pessoas que vivem com HIV e que têm contagem de células CD4 menor que 350; pessoas em tratamento com quimioterapia/ radioterapia; e pessoas submetidas a tratamento com imunossupressores (que diminuem a defesa do corpo).

    Caso essas pessoas vivam ou precisem se deslocar para áreas de maior risco de transmissão, é necessário que profissionais de saúde façam uma avaliação de risco-benefício, uma vez que as complicações ao adoecer podem ser ainda mais graves. Essa avaliação também deve ser feita para a vacinação de pessoas com 60 anos ou mais contra a doença.

    “A vacina de febre amarela é um exemplo clássico de como uma vacina pode controlar uma doença. Esse é um dado histórico. Até 2017, a gente entendia que a febre amarela no Brasil estava restrita a algumas regiões. Mas tivemos alguns surtos relacionados à febre amarela silvestre associados a parques na periferia de São Paulo. Ao entrarem naqueles parques, os homens contraíram a febre amarela”, descreve a infectologista.

    “A partir desse evento, a gente entende que o Brasil é um país endêmico e que a imunização não deve ser só em áreas como o Centro-Oeste ou a região amazônica. O Programa Nacional de Imunizações incluiu para todo o Brasil a vacina da febre amarela no primeiro ano de vida.”

    Além da vacinação, a prevenção da febre amarela deve contar com os esforços para conter outras arboviroses, como a dengue e a zika. Deve-se evitar que água parada fique exposta em lugares públicos, casas e estabelecimentos empresariais, para que os mosquitos vetores desses vírus não a utilizem como criadouro.

    Edição: Juliana Andrade
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  • Riscos dos pneumococos para crianças e adultos vão além de pneumonias

    Riscos dos pneumococos para crianças e adultos vão além de pneumonias

    Meningite pneumocócica? Apesar do nome pneumococo, essa família de bactérias está associada a doenças que vão além dos pulmões, podendo causar infecções graves nessas e em outras partes do corpo, incluindo quadros generalizados e letais. Além da pneumonia, a bactéria causa meningites, otites, sinusites, bronquites e laringites, e pode agravar para um quadro de sepse.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que as doenças pneumocócicas são responsáveis por 15% de todas as mortes de crianças menores de 5 anos em todo o mundo. Elas também são consideradas a maior causa de mortalidade infantil por uma doença prevenível por vacinas e, somente na América Latina e Caribe, causam até 28 mil mortes infantis por ano. A Sociedade Brasileira de Imunizações também ressalta a importância de se proteger contra o pneumococo, que é mais comum no inverno e causa quadros agravados associados ao vírus da gripe.

    A boa notícia é que a infecção por essas bactérias pode ser prevenida por vacinas gratuitas disponibilizadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), que completa 50 anos em 18 de setembro de 2023. A imunização é importante principalmente no início da infância, já que as doenças pneumocócicas são especialmente graves para menores de 5 anos, idosos e pessoas com comorbidades.

    A transmissão dos pneumococos pode ser silenciosa. Essas bactérias são disseminadas por meio de gotículas de saliva ou muco, eliminadas pela tosse ou espirro, por exemplo. As pessoas infectadas podem transmiti-las mesmo sem apresentar sinais ou sintomas da doença, o que torna a vacinação ainda mais importante como estratégia de prevenção.

    A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações Flávia Bravo explica que os não vacinados têm grandes chances de um caso grave de doença pneumocócica porque a bactéria causadora dessa infecção é protegida por uma cápsula de polissacarídeos, uma espécie de armadura capaz de enganar os sistemas de defesa do corpo humano, que têm dificuldade de contê-la.

    Essa capa é o que determina o sorotipo da bactéria, que é sempre a mesma, e também é essa a estrutura que determina se a virulência de cada sorotipo será maior ou menor.

    A proteção dos recém-nascidos contra os pneumococos começa aos 2 meses, com a primeira dose da vacina pneumocócica 10-valente, que recebe esse nome por prevenir contra dez tipos de pneumococo. O esquema de vacinação continua aos 4 meses, com a segunda dose, e, aos 12 meses, há uma dose de reforço.

    Consideradas parte do grupo mais vulnerável, as crianças de povos indígenas devem receber, a partir dos 5 anos, a vacina pneumocócica 23-valente. Essa vacina também é indicada para pessoas com mais de 60 anos que estejam acamadas ou abrigadas em instituições de longa permanência. Apesar de conter mais sorogrupos do pneumococo, a 23-valente tem uma tecnologia menos eficaz que a 10-valente e a 13-valente, o que faz com que sua indicação só traga benefícios para grupos específicos que já estejam vacinados com alguma dessas duas vacinas.

    “Ela tem tipos que não estão na 13-valente que são importantes para o idoso e para o paciente especial. O paciente com pior resposta imune é mais suscetível, e sorotipos que não são importantes para pessoas mais saudáveis aparecem nessa população”, explica Flávia Bravo. “Mas não faz sentido ela fazer parte da rotina infantil nem do adulto.”

    A doença pneumocócica também é considerada grave para idosos. Segundo o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), os pneumococos adoecem 1 milhão de adultos americanos por ano com pneumonia pneumocócica – de 5% a 7% morrem da doença.

    A infectologista Elaine Bicudo explica que a proteção contra diversos sorotipos é importante pela variedade genética da bactéria e os diferentes quadros clínicos que esses tipos causam. A Organização Mundial da Saúde contabiliza mais de 90 tipos de pneumococos, mas apenas uma pequena parte causa quadros graves em seres humanos.

    “O Streptococcus pneumoniae é uma bactéria que tem uma série de variantes. Assim como aprendemos com a covid-19, há uma grande variedade de sorotipos. Há os que podem evoluir mais gravemente, para pneumonias e meningites, há sorotipos mais prevalentes em cada região, e também os que mais causam otites e sinusites, por exemplo.”

    A médica acrescenta que essa característica, inclusive, deve levar gradativamente à substituição da vacina pneumo 10 pela pneumo 13, mais abrangente. Nas clínicas privadas, a previsão é de inclusão da pneumocócica 15-valente.

    arte pneumocócica

    Edição: Juliana Andrade
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  • Vacina da hepatite B foi primeira a prevenir contra um tipo de câncer

    Vacina da hepatite B foi primeira a prevenir contra um tipo de câncer

    O vírus HBV, causador da hepatite B, é um antígeno silencioso, que pode demorar anos até ser notado pelo hospedeiro. Quando isso acontece, entretanto, muitas vezes o estrago provocado já resultou em uma cirrose ou um câncer de fígado. Disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para crianças, adolescentes e adultos, a vacina contra a hepatite B é a principal forma de prevenir essa doença, que pode ser transmitida sexualmente, pelo contato com o sangue e durante a gestação, da mãe para o bebê.

    Infectologista daUniversidade Estadual de Campinas(Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, Raquel Stucchidestaca que a vacina contra a hepatite B foi a primeira vacina contra algum tipo de câncer a ser disponibilizada, porque o vírus da hepatite B é o principal causador de câncer de fígado.

    “A vacinação diminuiu drasticamente os casos de hepatite B e o risco de cirrose e câncer de fígado. Por isso, a vacina é importante. E por que na infância? Primeiro, a adesão na infância é mais fácil. Ela é feita com outras vacinas nos primeiros meses de vida e pode ser feita no berçário, assim que a criança nasce. E a resposta das crianças contra a hepatite B é de 100%, e, com a criança se mantendo saudável depois, essa proteção é para a vida toda.”

    Vacinação desde o nascimento

    A hepatite B é frequentemente lembrada como infecção sexualmente transmissível (IST), mas a vacinação contra a doença após o parto é considerada fundamental para garantir que não haja transmissão do vírus da mãe para o bebê, o que é chamado na medicina de transmissão vertical.

    Integrante do calendário do adulto e da gestante, a vacina contra a hepatite B deve ser administrada também nos bebês logo após o nascimento. O Programa Nacional de Imunizações, que completa 50 anos em 2023, recomenda que os recém-nascidos recebam essa vacina nas primeiras 24 horas de vida, e, preferencialmente, nas primeiras 12 horas, ainda na maternidade.

    O pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que essa agilidade garante que o bebê não seja contaminado pelo vírus da hepatite B, caso sua mãe viva com a infecção.

    “Ao vacinar logo ao nascer, a gente elimina essa possibilidade, e, consequentemente, a de termos no futuro portadores crônicos deste vírus. Essa é a razão de se vacinar ao nascer”, explica Renato Kfouri.

    Ele acrescenta que impedir a formação de um quadro crônico é também contribuir para o bloqueio do vírus.

    O calendário vacinal da criança prevê que a proteção contra a hepatite B também se dá por meio da vacina pentavalente, que deve ser aplicada aos 2 meses, aos 4 meses e aos 6 meses. Além dessa forma de hepatite, a vacina previne contra difteria, tétano, coqueluche, e Haemophilus influenzae B, causador de um tipo de meningite.

    Já a partir dos 7 anos completos, quando não houver comprovação vacinal contra a hepatite B ou quando o esquema vacinal estiver incompleto, a recomendação é completar três doses com a vacina específica da hepatite B, com intervalo de 30 dias da primeirapara a segundadose, e de 6 meses entre a primeirae a terceira. Essa recomendação inclui adolescentes, adultose, especialmente, gestantes.

    Efeitos e eventos adversos

    A Sociedade Brasileira de Imunizações informa que, em 3% a 29% dos vacinados, pode ocorrer dor no local da aplicação. Já endurecimento, inchaço e vermelhidão acometem de 0,2% a 17% das pessoas.

    O pós-vacinação também pode ter febre bem tolerada e autolimitada nas primeiras 24 horas após a aplicação, para de 1% a 6% dos vacinados. Cansaço, tontura, dor de cabeça, irritabilidade e desconforto gastrintestinal são relatados por 1% a 20%.

    Eventos adversos mais graves que isso são considerados raros ou muito raros. Púrpura trombocitopênica idiopática foi registrada em menos de 0,01% dos vacinados, de modo que não foi possível estabelecer se foi coincidência ou de se fato tinha relação com a vacinação.

    A bula da vacina contra a hepatite B também prevê uma frequência muito rara de anafilaxia em adolescentes e adultos vacinados, na proporção de um caso a cada 600 mil. Essa ocorrência é ainda mais rara ainda em crianças.

    São Paulo - Paciente faz teste rápidos para HIV, hepatite B, hepatite C e sífilis no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), em Bom Retiro, na região central (Rovena Rosa/Agência Brasil)

    Teste para diagnóstico de hepatite B -Rovena Rosa/Arquivo/Agência Brasil

    Um quinto das mortes por hepatite

    O Ministério da Saúde mostra que o vírus HBV chega a causar um terço dos casos de hepatite notificados no Brasil e estava relacionado a um quinto das mortes por hepatite entre 2000 e 2017. Na maioria dos casos, a pessoa infectada não apresenta sintomas e é diagnosticada décadas após a infecção, com sinais relacionados a outras doenças do fígado, como cansaço, tontura, enjoo/vômitos, febre, dor abdominal, pele e olhos amarelados.

    A hepatite B ainda é considerada uma doença sem cura, e o tratamento disponibilizado no SUS visa a reduzir o risco de progressão da doença, que pode causar cirrose, câncer hepático e morte. Raquel Stucchi explica que o tratamento, com antivirais, se estende por toda a vida.

    “Se não fizer o teste, a pessoa só vai descobrir que tem o vírus quando já tem uma cirrose avançada ou quando desenvolve o câncer de fígado. O diagnóstico é feito facilmente, até em testes rápidos”, afirma.

    “Até o momento, não temos medicação que elimine o vírus da hepatite B. Hoje, podemos dizer que não tem cura, mas a vacina impede esse adoecimento e a necessidade de fazer tratamento para o resto da vida.”

    Após a infecção, a doença pode se desenvolver de duas formas, a aguda e a crônica. A aguda se dá quando a infecção tem curta duração, e a forma é crônica quando a doença dura mais de seis meses. O risco de a doença tornar-se crônica depende da idade na qual ocorre a infecção, e os bebês estão mais sujeitos a ter uma hepatite crônica no futuro.

    As formas mais importantes de transmissão da hepatite B são o contato com o sangue e o contato sexual sem preservativo. A infectologista explica que contato com o sangue inclui a realização de procedimentos e compartilhamento de utensílios sem a higiene necessária.

    “Na transfusão de sangue esse risco praticamente não existe mais, pela triagem que é feita nos doadores, mas o contato com o sangue inclui procedimentos médicos, odontológicos ou estéticos sem a higienização adequada. E também manicures, alicates de unha sem esterilização, tatuagens, piercings.”

    arte hepatite b

    Edição: Juliana Andrade
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  • Substituição da gotinha na prevenção à pólio aumentará proteção

    Substituição da gotinha na prevenção à pólio aumentará proteção

    As gotinhas que entraram para a história da imunização ao eliminarem a poliomielite no Brasil ganharam uma previsão de aposentadoria, e a substituição da vacina oral contra a doença pela aplicação intramuscular significará uma proteção ainda maior para os brasileiros.

    No último dia 7 de julho, o Ministério da Saúde anunciou que vai substituir gradualmente a vacina oral poliomielite (VOP) pela versão inativada (VIP) do imunizante a partir de 2024. A decisão foi recomendada pela Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), que considerou as novas evidências científicas que indicam a maior segurança e eficácia da VIP.

    Apesar da novidade, o Ministério da Saúde fez questão de destacar que o Zé Gotinha, símbolo histórico da importância da vacinação no Brasil, vai continuar na missão de sensibilizar as crianças, os pais e responsáveis, participando das ações de imunização e campanhas do governo.

    A poliomielite é uma doença grave e mais conhecida como paralisia infantil, por deixar quadros permanentes de paralisia em pernas e braços, forçando parte dos que se recuperam a usar cadeiras de rodas e outros suportes para locomoção. A enfermidade também pode levar à morte por asfixia, com a paralisia dos músculos torácicos responsáveis pela respiração. Durante os períodos mais agudos em que a doença circulou, crianças e adultos com casos graves chegavam a ser internados nos chamados “pulmões de aço”, respiradores mecânicos da época, dos quais, muitas vezes, não podiam mais ser retirados.

    A partir dos 2 meses

    A vacinação contra a poliomielite no Brasil é realizada atualmente com três doses da VIP, aos 2, 4 e 6 meses de idade, e duas doses de reforço da VOP, aos 15 meses e aos 4 anos de idade.

    A partir do primeiro semestre de 2024, o governo federal começará a orientar uma mudança nesse esquema, que deixará de incluir duas doses de reforço da vacina oral, substituindo-as por apenas uma dose de reforço da vacina inativada, aos 15 meses de idade. O esquema completo contra a poliomielite passará, então, a incluir quatro doses, aos 2, 4, 6 e 15 meses de idade.

    Crianças são imunizadas na tenda de vacinação instalada na Quinta da Boa Vista para a campanha contra a poliomielite e o sarampo, prorrogada até o dia 22/09 no estado do Rio de Janeiro.

    Países de todo o mundo estão substituindo a vacina oral contra a pólio pela inativada – Fernando Frazão/Agência Brasil

    A facilidade de aplicação e o baixo custo contribuíram para que as gotinhas tivessem sido a ferramenta para o Brasil e outros países vencerem a poliomielite, explica a presidente da Comissão de Certificação da Erradicação da Pólio no Brasil, Luíza Helena Falleiros Arlant. A comissão é uma entidade que existe no Programa Nacional de Imunizações (PNI) junto à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Em 2023, o programa completa 50 anos.

    “Em 1988, havia mais de 350 mil casos de pólio no mundo. Crianças e adultos paralisados. Naquela época, o que era preciso fazer? Pegar uma vacina oral que pudesse vacinar milhões de pessoas em um prazo curto para acabar com aquele surto epidêmico. Eram muitos casos no mundo todo, uma tragédia”, contextualiza Luíza Helena.

    Ciência evoluiu

    O sucesso obtido com a vacina oral fez com que a pólio fosse eliminada da maior parte dos continentes, mas pesquisas mais recentes, realizadas a partir dos anos 2000, mostraram que a VOP era menos eficaz e segura que a vacina intramuscular. Em casos considerados extremamente raros, a vacina oral, que contém o poliovírus enfraquecido, pode levar a quadros de pólio vacinal, com sintomas semelhantes aos provocados pelo vírus selvagem.

    “Crianças com desnutrição, com verminoses ou doenças intestinais podem ter interferências na resposta à vacina oral. Já a vacina inativada, não. Ela protege muito mais, sua resposta imunogênica é muito mais segura, eficaz e duradoura. Há uma série de vantagens sobre a vacina oral. Tudo isso não foi descoberto em uma semana, foram estudos publicados que se intensificaram a partir de 2000.”

    Desde então, países de todo o mundo vêm substituindo gradativamente a vacina oral pela inativada, o que já foi feito por ao menos 14 países na América Latina. A meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a vacina inativada substitua a oral em todo o mundo até 2030.

    A presidente da Comissão de Certificação da Erradicação da Pólio no Brasil acrescenta que a vacina inativada produz menos eventos adversos que a oral, e também traz maior segurança para a pessoa vacinada e para a coletividade.

    Para compreender essa diferença, é preciso conhecer melhor o funcionamento dessas duas vacinas. A oral contém o poliovírus atenuado, isto é, ainda “vivo”, porém enfraquecido, de modo que não cause mais a doença. Já a vacina inativada recebe esse nome porque o vírus já foi inativado, “morto”, e não há mais chances de que possa sofrer mutações ou e se reverter em uma forma virulenta.

    Estudos sobre o tema têm se intensificado a partir dos anos 2000, conta Luiza Helena, e constatou-se que o poliovírus atenuado que entra no organismo com a imunização pode sofrer mutações e voltar a uma forma neurovirulenta ao ser excretado no meio ambiente com as fezes. Já se tinha conhecimento dessa possibilidade, pondera a pesquisadora, mas hoje se sabe que ela é mais frequente do que se acreditava.

    “Hoje a gente sabe que o vírus mutante eliminado pelo intestino pode acometer quem está do lado, e, se essa pessoa não estiver devidamente vacinada, ela pode ter pólio”, afirma ela, que acrescenta que alguns fatores contribuem para elevar esse risco, como as baixas coberturas vacinais contra a poliomielite nos últimos anos e a existência de populações sem saneamento básico, o que pode provocar o contato com esgoto ou água contaminada por fezes que contêm poliovírus selvagens ou mutantes.

    Segundo a pesquisadora, é importante ressaltar que, enquantohouver poliomielite no mundo, todas as pessoas estão sob risco deadquirir a doença.

    “Os vírus da pólio circulam e podem acometer qualquer pessoa. Se essaspessoas, especialmente crianças, não estiverem devidamentevacinadas com uma vacina eficaz, preferencialmente inativada, nãoestarão imunes e podem ter a doença.Mesmo que haja um contato com o vírus, vacinados não desenvolvem adoença.”

    Baixas coberturas

    Segundo o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), as doses previstas para a vacina inativada contra a pólio atingiram a meta pela última vez em 2015, quando a cobertura foi de 98,29% das crianças nascidas naquele ano.

    Depois de 2016, a cobertura entrou em uma trajetória de piora que chegou a 71% em 2021. Em 2022, a cobertura subiu para 77%, mas continua longe da meta de 95% das crianças protegidas.

    O percentual a que se refere a cobertura vacinal mostra qual parte das crianças nascidas naquele ano foi imunizada. Isso significa que não atingir a meta em sucessivos anos vai criando um contingente cada vez maior de não vacinados. Ou seja, se considerarmos os últimos dois anos, 29% das crianças nascidas em 2021 e 23% das nascidas em 2022 estavam desprotegidas. Como mais de 1,5 milhão de bebês nascem por ano no Brasil, somente nesses dois anos foram mais de 780 mil crianças vulneráveis a mais no país.

    As coberturas nacionais também escondem desigualdades regionais e locais. Enquanto o Brasil vacinou 77% dos bebês nascidos em 2022, a cidade de Belém vacinou apenas 52%, e o estado do Rio de Janeiro, somente 58%.

    Área livre da pólio

    O Brasil não detecta casos de poliomielite desde 1989 e, em 1994, recebeu da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) a certificação de área livre de circulação do poliovírus selvagem, em conjunto com todo o continente americano.

    A vitória global sobre a doença com a vacinação fez com que o número de casos em todo o mundo fosse reduzido de 350 mil, em 1988, para 29, em 2018, segundo a OMS. O poliovírus selvagem circula hoje de forma endêmica apenas em áreas restritas da Ásia Central, enquanto, em 1988, havia uma crise sanitária internacional com 125 países endêmicos.

    Sequelas

    Com a eliminação da doença, é cada vez mais raro conhecer alguém que viva com as sequelas da pólio, mas essa já foi uma realidade muito mais frequente no Brasil. O ator e músico Paulinho Dias, de 46 anos, conta que teve a doença menos de duas semanas após seus primeiros passos, com 11 meses de idade.

    “A pólio afetou meus membros inferiores. Da cintura para baixo, afetou ambas pernas, porém, a maior sequela foi na perna direita, em que fiz mais de dez cirurgias, entre elas de tendão, de nervo que foi atrofiando e de alongamento ósseo, porque a perna começou a ficar curta, porque não acompanhou o crescimento da outra. Antes dessa cirurgia, quase não encostava o pé no chão.”

    Paulinho se lembrade relatos da mãe de que inúmeras crianças no entorno também tiveram pólio. A falta de informação na época, em 1977, fazia com que muitas famílias buscassem benzedeiras na ausência de outros recursos, dando ainda mais tempo para agravamento dos casos e disseminação do vírus.

    “Eu sempre fui a favor das vacinas, mas confesso que nunca fui panfletário em relação a elas até a pandemia de covid-19, que a gente viveu. E também, em pleno século 21, com o risco de a pólio voltar e o risco de outras doenças preveníveis por vacinas voltarem por conta da desinformação, movimentos antivacinistas, medos bobos. Sempre que eu posso, falo para as pessoas se vacinarem, porque é um ato de amor. Vacinem seus filhos, poupem de sofrimento.”

    Edição: Juliana Andrade
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  • Rotatividade de profissionais da vacinação impacta coberturas

    Rotatividade de profissionais da vacinação impacta coberturas

    O pediatra Juarez Cunha entrou na rede pública de saúde de Porto Alegre em 1985 e participou dos esforços finais da eliminação da poliomielite no Brasil, doença que teve oúltimo caso registrado em 1989 no país. Durante 15 anos atuando na ponta, em uma unidade de saúde pequena na periferia, ele conta que tinha uma equipe unida e engajada na imunização.

    Rio de Janeiro (RJ) - Juarez Cunha para a matéria sobre rotatividade de profissionais na vacinação impacta coberturas Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
    Juarez Cunha conta que o sistema de vacinação foi ficando mais complexo com o aumento do número de imunizantes- Arquivo pessoal/Divulgação

    “Era um grupo de concursados, todos funcionários públicos do município, que construíam suas carreiras ali. Fiquei durante muito tempo em unidade de saúde, depois fui trabalhar em programas de vigilância, e depois com mortalidade infantil”, lembra o médico, que se aposentou na carreira de servidor público e atua como consultor e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “As vacinas me acompanharam em todos os 43 anos de profissão”.

    A presença de trabalhadores experientes, entretanto, não é mais a regra nas salas de vacina no Brasil. A alta rotatividade de profissionais nesses postos de trabalho está entre os problemas apontados por especialistas que avaliam as causas da queda nas coberturas vacinais. As dificuldades se agravam com a complexidade cada vez maior do calendário vacinal, que chega a ter 20 vacinas atualmente, e com a crescente insegurança espalhada pelos grupos de pessoas que são contra vacinas, os antivacinistas,nas redes sociais.

    “A sala de vacinação ficou uma área da unidade de saúde que tem uma demanda muito grande de formação, de rotinas. Se você tem uma alta rotatividade, isso atrapalha muito a performance desse local”, avalia Cunha.

    “Quando a gente inicia com o PNI na década de 1970, a gente tinha BCG, pólio oral, tríplice bacteriana e sarampo. Eram quatro vacinas. E o registro era manual. Atualmente a gente tem uma quantidade muito grande de vacinas ofertadas e tem que alimentar os sistemas do Ministério da Saúde. E tem que ter toda a responsabilidade pela rede de frios, para que as vacinas sejam adequadamente conservadas. É um trabalho que se tornou bastante complexo”.

    Lidar com toda essa logística e com as rotinas corretamente requer uma capacitação sólida, que é prejudicada quando ocorre a troca constante dos profissionais responsáveis pela vacinação. “A alta rotatividade tem diversos motivos, inclusive desvalorização dos profissionais, terceirização. A gente acaba tendo uma alta rotatividade, o que é péssimo. Quando as pessoas estão capacitadas ou seguras do que estão fazendo são deslocadas para outros locais e atividades. Isso interfere na performance das coberturas vacinais”.

    Carreiras

    Integrante da coordenação de epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Maria Rita Donalisio diz acreditar que esse é um problema sério a ser enfrentado para a retomada das altas coberturas vacinais.

    “Com tanto investimento na produção de insumos nacionais, com o ministério garantindo a continuidade dos fluxos, garantindo a cadeia de frios, maschega na ponta, a gente não garante a qualidade”.

    Rio de Janeiro (RJ) - Rita Donalisio para a matéria sobre rotatividade de profissionais na vacinação impacta coberturas Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
    Rio de Janeiro (RJ) – Rita Donalisio para a matéria sobre rotatividade de profissionais na vacinação impacta coberturas Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

    A médica defende que é com o fortalecimento da atenção primária que é possível garantir a melhora desse serviço e a integralidade do cuidado. Em vez disso, ela vê uma priorização a atendimentos eventuais de casos agudos, como em unidades de pronto atendimento, onde as possibilidades de conferência da caderneta de vacinação, por exemplo, são muito menores.

    “É preciso investimento em carreira, estabilidade, concurso público, para que esses profissionais possam ser treinados e cada vez mais adquirirem experiência e serem referência na vacinação. Investir nos profissionais, por meio de concursos e carreiras, por meio de remuneração justa, é investir no SUS e no PNI”, afirma.

    “Não é fácil conferir uma caderneta de vacinação. É uma tarefa complexa e que precisa de treinamento”, conclui.

    Insegurança

    A enfermeira e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Mayra Moura trabalha com a capacitação de profissionais da ponta, incluindo os da sala de vacina. Além da dificuldade de gerir o trabalho em si, ela acrescenta que profissionais pouco experientes ou mal capacitados também não transmitem segurança à população, que cada vez mais busca os postos de saúde com dúvidas espalhadas na internet.

    “Se você não responder às perguntas das pessoas, e se você não acredita ou não tem segurança do que você está falando, a gente perde a oportunidade, deixa aquela pessoa ir embora e reduz a adesão da população”, afirma. “Essa rotatividade [de profissionais] é um problema crônico. O tema vacina é um tema complexo. Não que seja difícil, mas exige estudo, exige dedicação, exige tempo. E a formação desses profissionais dedica um tempo pequeno perto do que é preciso. A grande maioria sai de um curso técnico ou de uma faculdade com um conhecimento raso e básico. E quando vai trabalhar na sala de vacina precisa se capacitar. Leva tempo até ele ter prática suficiente para bater o olho em uma caderneta de vacinação e saber o que tem que fazer. Com a rotatividade, ele não tem esse tempo”.

    Mayra Moura afirma que a necessidade dessa capacitação mais aprofundada também acaba afastando profissionais como técnicos de enfermagem, que muitas vezes precisam ter mais de um emprego e não dispõem de tempo para estudar o suficiente. A valorização dessas carreiras, portanto, é um caminho para melhorar a qualidade do serviço nas salas de vacina.

    Rio de Janeiro (RJ) - Mayra Moura para a matéria sobre rotatividade de profissionais na vacinação impacta coberturas Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
    Mayra Moura ressalta que profissionais pouco experientes ou mal capacitados não transmitem segurança à população e podem afastar oportunidade de prevenção – Arquivo pessoal/Divulgação

    “Essa já é uma luta principalmente da enfermagem, com o piso salarial, que já é tentado há mais de 20 anos. Para que a gente consiga ter uma dedicação melhor ao trabalho dele e não precise ter dois ou três empregos para se sustentar. E, com isso, teria tempo para se dedicar. E a valorização não é salarial. A valorização passa por capacitação também. Passa por enxergar que o profissional precisa de uma capacitação, de uma supervisão, que precisa de atualização. Não adianta capacitar e cinco anos depois a pessoa ainda não ter uma atualização”.​

    Desafio

    A fixação de profissionais na atenção básica é uma necessidade que está no radar do Ministério da Saúde, que tem entre suas linhas de ação o próprio programa Mais Médicos. Em entrevista à Rádio Nacional da EBC, a ministra Nísia Trindade classifica como fundamental o papel dos profissionais da ponta, que são aqueles que fazem a vacinação acontecer.

    “Isso só é possível com profissionais qualificados. Sabemos que, em muitas áreas, essa rotatividade é maior, o que aumenta a nossa responsabilidade para ter planos de fixação dos trabalhadores no Sistema Único de Saúde, apoiar municípios nessa iniciativa. Temos feito isso, mas sabemos que o desafio realmente é enorme. E, principalmente, trabalhar com plano focado em educação em campo, em formação em campo.

    Além da sala de vacina, a ministra sublinha também a necessidade de capacitação dos agentes comunitários de saúde e agentes de endemias, que vão a campo aumentando a capilaridade do Programa Nacional de Imunizações e do Sistema Único de Saúde.

    “Nós apoiamos a formação de agentes comunitários de saúde e agentes de endemias, e agora já vamos apoiar uma segunda turma pelo Ministério da Saúde. A lei que os considera profissionais de saúde foi sancionada pelo presidente Lula no início da gestão. E, com isso, nós esperamos envolver não só esses profissionais, mas os profissionais da enfermagem, que são centrais nesse processo de avançar nessas ações de prevenção e promoção da saúde”.

    Edição: Aline Leal
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  • BCG previne riscos imediatos; crianças devem ser vacinadas ao nascer

    BCG previne riscos imediatos; crianças devem ser vacinadas ao nascer

    O direito à imunização dos bebês começa antes mesmo do nascimento, com o calendário vacinal das gestantes, que protege mãe e filho contra difteria, tétano, coqueluche e hepatite B. Ao nascer, essa proteção deve receber um reforço imediato, que inclui uma das vacinas mais conhecidas pelos brasileiros: a BCG.

    A indicação do Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que completa 50 anos em 2023, é que a BCG seja aplicada nas primeiras 12 horas após o nascimento, ainda na maternidade, em bebês de pelo menos 2 quilos. Os menores que isso devem esperar atingir esse peso até receber a vacinação. Quando a vacina não é administrada na maternidade, ela deve ser aplicada na primeira visita ao serviço de saúde.

    O pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Foto: SBIm/Divulgação
    Pediatra Renato Kfouri diz que pais devem ficar de olho no prazo de aplicação da BCG – SBIm/Divulgação

    O pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que a recomendação de vacinar as crianças com a BCG ao nascer tem um motivo técnico, porque os riscos de adoecer são imediatos, e esse prazo não deve ser perdido pelos responsáveis.

    “As vacinas são organizadas dentro de um calendário em função de riscos. Não colocamos uma vacina no calendário da criança contra uma doença que acomete adolescentes ou idosos. Você organiza o calendário de maneira a cobrir a fase de maior risco de adoecimento. É justamente no primeiro ano de vida, quando a criança tem imaturidade do sistema imune, em que essas doenças são mais frequentes e mais graves, como pneumonia, coqueluche, difteria, paralisia infantil, tétano, meningite. Essas vacinas incluídas nas primeiras doses são para oferecer à criança maior proteção logo após o nascimento.”

    Tuberculose grave

    A vacina previne contra formas graves da tuberculose, especialmente a tuberculose disseminada e a meningite tuberculosa. A doença é transmitida pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, mais conhecida como bacilo de Koch, em referência ao cientista alemão que a descobriu no século 19. A tuberculose é uma das mais antigas ameaças de saúde pública identificadas pela ciência, já tendo sido chamada de tísica, temida como a peste branca e até romantizada como causa da morte de poetas, como Castro Alves e Noel Rosa, no caso do Brasil.

    Apesar de a vacinação ter reduzido a letalidade da tuberculose, a doença permanece presente no contexto nacional, com 78 mil casos confirmados em 2022. Por isso, bebês não vacinados estão em risco de se contaminar e desenvolver formas graves da doença.

    “Infelizmente, a tuberculose ainda é endêmica no Brasil, e precisamos oferecer uma vacina para as crianças o quanto antes, antes de se expor ao bacilo da tuberculose. Por isso, devem ser vacinadas imediatamente”, reforça Kfouri.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a BCG previna mais de 40 mil casos anuais de meningite tuberculosa. Mesmo quando a vacina não consegue impedir que a criança tenha tuberculose, os casos registrados são mais brandos. Em 2022, o Brasil contabilizou 2,7 mil casos de tuberculose em menores de 15 anos, sendo que crianças de até 4 anos respondem por 37% dessas notificações.

    Marquinha da BCG

    Entre outros motivos, a vacina ficou famosa por causar a “marquinha da BCG”, que antigamente indicava que ela fez efeito. Essa recomendação mudou, e a vacinação não precisa ser refeita caso não ocorra a formação da cicatriz vacinal.

    A Sociedade Brasileira de Imunizações explica que a formação dessa cicatriz demora cerca de três meses (12 semanas), podendo se prolongar por até seis meses (24 semanas). O processo começa com uma mancha vermelha elevada no local da aplicação, evolui para pequena úlcera, que produz secreção e cicatriza.

    Eventos adversos considerados normais após a vacinação com BCG são úlceras com mais de 1 centímetro ou que demoram muito a cicatrizar, gânglios ou abscessos na pele e nas axilas, que chegam a 10% dos vacinados.

    Rio de Janeiro (RJ) - BCG previne riscos imediatos e precisa ser dada ao nascer Foto: Prefeitura de Manaus/Divulgação
    Vacina BCG protege contra formas graves da tuberculose- Prefeitura de Manaus/Divulgação

    Cobertura baixa

    A meta de cobertura da BCG é a menor do Programa Nacional de Imunizações. Enquanto as dosescontra a febre amarela devem chegar a 100% do público-alvo, e as demais, a 95%, a vacina contra as formas graves da tuberculose tem meta de 90% de cobertura nas crianças nascidas em cada ano.

    Mesmo assim, essa cobertura não foi atingida nos anos de 2019, 2020 e 2021, o que pode ter criado um contingente de crianças desprotegidas contra as formas graves da tuberculose.

    Em 2022, a cobertura voltou a subir e chegou à meta de 90%, mas o resultado nacional não foi homogêneo. Acre (80%), Roraima (85%), Pará (83%), Maranhão (83%), Bahia (86%), Espírito Santo (63%), Rio de Janeiro (76%), São Paulo (82%), Santa Catarina (85%), Mato Grosso do Sul (84%) e Goiás (79%) não atingiram a meta.

    História de mais de um século

    A vacina BCG (Bacilo Calmette-Guérin) começou a ser desenvolvida em 1906, no Instituto Pasteur, em Paris, por Léon Charles Albert Calmette (1863–1933) e Jean-Marie Camille Guérin (1872–1961). A comprovação de que a vacina funcionava em humanos se deu apenas em 1921, 15 anos depois.

    A chegada do imunizante ao Brasil foi em 1927, quando uma cepa da bactéria atenuada, a cepa Moreau, foi enviada pelo Pasteur. Aqui, a BCG começou a ser produzida pela Liga Brasileira contra a Tuberculose. Somente em 1941, porém, o recém-criado Serviço Nacional de Tuberculose (SNT) passou a recomendar a BCG a todos os governos estaduais.

    Na época, a forma de imunização ainda era oral, por meio de gotinhas, e só em 1968 a vacina começou a ser substituída pela forma intradérmica, aplicada com seringa.

    Presente no Brasil desde antes de o PNI ter sido criado, a BCG fez parte do primeiro calendário de vacinação infantil do país, definido em 1978. Além dela, estavam incluídas nessa primeira esquematização a proteção contra a varíolae as vacinas do primeiro ano de vida: poliomielite; sarampo; e difteria, tétano e coqueluche.

    De lá para cá, houve mudanças no esquema vacinal da BCG, que alternou entre dose única e duas doses em diferentes períodos. A última mudança foi o retorno à dose única, em 2006.

    Fabricação da vacina

    A vacina BCG é um imunizante de vírus vivo atenuado: isso significa que ela contém a própria bactéria causadora da tuberculose, porém bem enfraquecida, de modo que não possa causar a doença.

    Herdeira da Liga Brasileira contra a Tuberculose, a Fundação Ataulfo de Paiva (FAP) é a única instituição que produz a vacina BCG no Brasil, desde que a amostra do bacilo atenuado chegou da França, há quase um século.

    Entretanto, a fábrica da FAP, no bairro de São Cristóvão, na zona norte do Rio, segue parada há mais de um ano após interdição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em consequência disso, o Ministério da Saúdevem importando o imunizante por meio do Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

    Uma fábrica em Xerém, na cidade fluminense de Duque de Caxias, chegou a ser planejada, mas a obra nunca foi concluída. Sem a previsão de fábrica nova ou de liberação da planta antiga, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) assinou um termo de manutenção com a FAP, para que ela possa recuperar a capacidade e as condições de operação para a produção nacional da vacina BCG.

    Com esse acordo, o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) vão atuar em curto e médio prazo para adequar a fábrica antiga e concluir a nova. O IBMP também se tornará mantenedor da Fundação Ataulfo de Paiva (FAP), assumindo a responsabilidade por validar a composição da diretoria e dos conselhos deliberativo e fiscal.

    Para garantir a oferta da vacina, a Fiocruz negocia com uma fábrica na cidade de Vigo, na Espanha, que teria condições imediatas para operar a produção da vacina BCG da FAP. A BCG produzida na FAP, ainda descendente da cepa vinda da França, é chamada de BCG Moreau Rio de Janeiro, com certificação da OMS e da Anvisa. Por meio do acordo, essa fábrica espanhola produziria essa mesma cepa, já certificada. Mesmo assim, será necessário que a Anvisa realize a inspeção do novo local de fabricação com vistas à obtenção da certificação de boas práticas. Caso todos os prazos e objetivos se concretizem, a expectativa seria poder voltar a entregar vacinas a partir do segundo semestre de 2024.

    arte BCG

    Edição: Juliana Andrade
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  • Sob censura, surto de meningite foi um dos primeiros desafios do PNI

    Sob censura, surto de meningite foi um dos primeiros desafios do PNI

    A organização do Programa Nacional de Imunizações (PNI) dava seus primeiros passos após sua criação, em 1973, quando o Brasil enfrentou uma de suas mais graves crises de saúde pública do século 20, a epidemia de meningite meningocócica, com 67 mil casos entre 1971 e 1976, sendo 40 mil apenas no estado de São Paulo. Doença grave e imunoprevenível, a meningite bacteriana pode causar infecções generalizadas, as meningococcemias, que têm alta letalidade e deixam sequelas permanentes como amputações de membros.

    Hoje integrante da Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações do Estado de São Paulo, Guido Levi já era médico na época e lembra que a doença provocou cenas difíceis de esquecer.

    04/09/2023, Guido Levi é integrante da Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações do Estado de São Paulo e da Sociedade Brasileira de Imunizações. Doenças eliminadas por vacinas matavam mais que guerras mundiais. Foto: Divulgação/SBIm
    Médico Guido Levi conta queditadura militar tentou ocultar gravidade da epidemia de meningite – Divulgação/SBIM

    “Foi uma época terrível. O Hospital Emílio Ribas, que era o principal hospital de isolamento em São Paulo, chegou a ter crianças internadas no pátio. Um hospital que normalmente tinha 180, 200 leitos ocupados, chegou a ter mais de mil crianças. Como não cabiam mais nas enfermarias, ficaram no estacionamento, no pátio. Felizmente, isso foi controlado. Hoje, temos um controle dessa doença com a vacinação.”

    A situação se agravou com a censura da ditadura militar, que tentou abafar a gravidade da epidemia e só começou a agir quando não havia mais como controlá-la.

    “Em determinado momento não deu mais para ocultar, porque a coisa foi explosiva. Mas se tentou ocultar. Isso ocorreu historicamente com muitas doenças, desde a antiguidade. Hoje, felizmente, a população está informada da existência da vacina e o número de casos caiu demais”, conta Levi.

    Autoritarismo criminoso

    Pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz e presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), o historiador Carlos Fidelis Ponte classifica como autoritária, criminosa e burra a tentativa de censura por parte da ditadura militar a uma doença que precisava ser contida por medidas preventivas.

    “Era uma época em que se falava do Brasil grande, Brasil potência, do Brasil do futuro, desenvolvido. E o Geisel ainda tinha força, não estava na mesma crise que o Figueiredo. Então, eles procuraram censurar a existência de uma epidemia em São Paulo. Essa foi a coisa mais burra que existiu, porque, quando você censura, você censura inclusive para a máquina estatal. A máquina que deveria combater também não sabe da existência. E a população não se prepara. Isso faz com que a doença tenha campo livre, aumente o número de casos e o raio de ação. Foi uma tentativa autoritária, burra e criminosa, porque fez com que a doença se expandisse mais rapidamente e atingisse um número maior de pessoas.”

    Naquela época, o Brasil não produzia a vacina contra a doença, e, quando não foi possível mais esconder a epidemia, foi preciso comprar às pressas não um número de doses para conter a expansão de casos em São Paulo, mas uma quantidade que pudesse enfrentar um surto já de proporções nacionais.

    “O Brasil precisou importar uma quantidade de vacinas que não existia em produção no mundo. Os franceses precisaram construir uma nova fábrica para atender à demanda do Brasil.”

    O economista Vinícius da Fonseca, na época na Secretaria de Planejamento (Seplan), conseguiu nessa negociação com o Instituto Pasteur, na França, a inclusão da transferência de tecnologia da vacina contra o meningococo. Foi a partir disso que, em 1976, foi criado o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), com Fonseca na presidência da Fiocruz, para incorporar e nacionalizar tecnologias existentes no mundo em prol do PNI e, futuramente, do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2023, oPrograma Nacional de Imunizações completa 50 anos.

    “Ele é o primeiro a usar o poder de compra do Estado para gerar emprego, desenvolvimento científico e reduzir a dependência. Isso inaugurou uma estratégia política que alimentou Bio-Manguinhos durante anos e alimenta até hoje”, destaca o historiador.

    A produção nacional começou a chegar aos brasileiros em 1977, ano em que os casos se normalizaram, em parte pela vacinação e em parte pelo grande número de infectados pela bactéria. Hoje, a meningite meningocócica é considerada uma doença controlada pela vacinação.

    Para crianças e adolescentes

    Disponível no PNI, a vacina meningocócica C conjugada deve ser administrada com duas doses, aos 3 e aos 5 meses de idade, e requer ainda uma dose de reforço aos 12 meses. O Sistema Único de Saúde oferece ainda a vacina meningocócica ACWY a adolescentes de 11 a 14 anos de idade.

    O Brasil teve uma queda expressiva no número de casos da doença desde que adotou a vacina no SUS, em 2010. A queda da cobertura nos últimos anos, porém, traz um alerta, porque a doença não parou de circular.

    A meningite é uma doença causada pela inflamação das meninges, membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal, o que se dá por meio da infecção causada principalmente por vírus ou bactérias.

    Ao todo, o SUS oferece sete vacinas contra a meningite, que é considerada uma doença endêmica no país. Isso significa que são esperados casos ao longo de todo o ano, com a ocorrência de surtos e epidemias ocasionais. Segundo o Ministério da Saúde, a ocorrência das meningites bacterianas é mais comum no outono e no inverno, e a das virais, na primavera e no verão.

    vacinação contra meningitevacinação contra meningite

    SUS oferece sete vacinas contra a meningite – Geovana Albuquerque/Agência Saúde DF

    Bactéria agressiva

    A bactéria meningococo C é considerada agressiva e pode levar à morte em menos de 24 horas, mesmo quando diagnosticada e tratada. Nesses casos mais agudos, a infecção pode ir para o sangue e se tornar generalizada, causando a chamada meningococcemia.

    Sob censura, surto de meningite foi um dos primeiros desafios do PNI. Isabela Ballalai é diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações. Foto: SBIm

    Isabela Ballalai destaca importância da vacinação de bebês contra meningite – SBIm

    A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabela Ballalai, explica que a meningite meningocócica está entre as mais graves, por ser uma doença que chega a causar a morte de 20% dos pacientes e a deixar um em cada cinco com sequelas importantes, como amputações de braços e pernas e danos neurológicos irreversíveis.

    “As meningites por bactérias são as mais graves, e as duas bactérias que mais causam são o meningococo e o pneumococo. A meningocócica é a mais comum no país, mas, nesse um ano após a pior fase da pandemia, a gente está vendo aumentar a pneumocócica”, alertou. “É uma doença muito grave, que, quando não mata, pode deixar sequelas para o resto da vida.”

    Isabela Ballalai ressalta que a vacinação de bebês contra a meningite não pode ser deixada para depois, porque a imunização é programada para o primeiro ano de vida justamente por ser o momento de maior vulnerabilidade.

    “A doença meningocócica acontece em qualquer idade, mas a incidência em crianças menores de 2 anos é muito mais alta que em adultos. E, proporcionalmente, há mais casos em crianças menores de 1 ano”, alerta ela. “As pessoas não deixam de se vacinar porque receberam fake news, elas deixam de se vacinar porque não perceberam o risco da doença. Elas acabam protelando, e isso leva a baixas coberturas.”

    Prevenção

    A vacinação contra a meningite deve começar ao nascer, com a vacina BCG, que protege contra formas graves da tuberculose, o que inclui a meningite tuberculosa.

    A vacina pentavalente, prescrita para 2, 4 e 6 meses de idade, previne contra a meningite causada pelo Haemophilus influenzae sorotipo B, além de difteria, tétano, coqueluche e hepatite B.

    Aos 2 meses de idade, os bebês também devem tomar a primeira dose da pneumocócica 10-valente, que requer ainda uma dose aos 4 meses de idade e um reforço ao completar o primeiro ano de vida. Essa vacina protege contra a meningite pneumocócica e contra pneumonias.

    A vacina meningocócica C conjugada, que protege contra o sorotipo C do meningococo, deve ser aplicada aos 3, 5 e 12 meses idade. Nesse caso, a prevenção é contra a meningite meningocócica.

    Já a meningocócica ACWY, contra o mesmo tipo de meningite, protege contra os sorotipos A, C, W e Y, e é recomendada para adolescentes de 11 a 14 anos de idade. A vacinação com a ACWY no país está em situação ainda pior que a da meningocócica C, com cobertura de apenas 57% em 2022, segundo o Ministério da Saúde.

    A vacina pneumocócica 23-valente não faz parte do calendário infantil e é recomendada pelo Ministério da Saúde para toda a população indígena acima de 5 anos de idade e para a população com mais de 60 anos de idade abrigada em instituições de acolhimento.

    A vacina pneumocócica 13-valente é aplicada apenas nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs), e seu uso é recomendado para indivíduos com ao menos 5 anos de idade que vivem com HIV, pacientes oncológicos, transplantados de órgãos sólidos e transplantados de medula óssea.

    vacina meningocócica vacina meningocócica

    *ColaborouTâmara Freire, repórter da Rádio Nacional

    Edição: Juliana Andrade
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