Tag: trabalho análogo à escravidão

  • Brasil resgatou 3,1 mil trabalhadores escravizados em 2023

    Brasil resgatou 3,1 mil trabalhadores escravizados em 2023

    O Brasil resgatou, em 2023, 3.151 trabalhadores em condições análogas à escravidão. O número é o maior desde 2009, quando 3.765 pessoas foram resgatadas. Apesar dessa alta, o dado mostra como o país regrediu no período recente porque o número de auditores fiscais do trabalho está no menor nível em 30 anos.

    Com esses dados, subiu para 63,4 mil o número de trabalhadores flagrados em situação análoga à escravidão desde que foram criados os grupos de fiscalização móvel, em 1995.

    O trabalho no campo ainda lidera o número de resgates. A atividade com maior número de trabalhadores libertados foi o cultivo de café (300 pessoas), seguida pelo plantio de cana-de-açúcar (258 pessoas). Entre os estados, Goiás teve o maior número de resgatados (735), seguido por Minas Gerais (643), São Paulo (387) e Rio Grande do Sul (333).

    Por trás das estatísticas, restam histórias de abuso nos campos e nas cidades que mostram como o trabalho análogo à escravidão ainda é recorrente no Brasil. Em fábricas improvisadas, em casas de alto padrão, nas plantações, crimes continuam a ser cometidos.

    “Foram 30 anos sem ganhar salário. Até chegou um ponto de ela não querer deixar mais que eu comesse, que eu tomasse café. Eu só podia ir para meu quarto tarde da noite, não podia conversar mais com ninguém”, contou uma trabalhadora idosa resgatada, entrevistada pela TV Brasil em março do ano passado. Ela acabou morrendo de uma parada cardiorrespiratória antes de receber qualquer indenização da Justiça.

    “Acordava de manhã e só ia dormir quase meia-noite. Sem contar que eles me xingavam muito, ficavam falando palavrão. Ficavam xingando minha raça, me chamando de negra e aquelas coisas todas. Quando foi um belo dia, apareceu a Polícia Federal e aí ocorreu tudo”, conta outra trabalhadora entrevistada pela TV Brasil, que ainda aguarda indenização. Essas duas mulheres foram resgatadas do trabalho doméstico.

    Problemas

    Um dos desafios para que o resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão continue crescendo é a falta de auditores fiscais.

    “Era esperado até [esse problema] porque, nos últimos quatro ou cinco anos, não tivemos ações diretas de combate ao trabalho escravo. Então, foram represando muitos pedidos de ajuda por parte de trabalhadores que estavam em situação análoga à de trabalho escravo. Por isso, a gente não vê como surpresa, mas sim, vê ainda como uma carência. Porque temos poucos auditores do Ministério do Trabalho fazendo as fiscalizações”, diz Roque Renato Pattussi, coordenador de projetos no Centro de Apoio Pastoral do Migrante.

    O Ministério do Trabalho e Emprego reconhece a falta de pessoal. Ele, no entanto, afirma que o governo conseguiu aumentar o número de resgates mesmo com o número de auditores fiscais do trabalho no menor nível da história.

    “É uma prioridade da Secretaria de Inspeção do Trabalho fiscalizar, num sentido amplo, o trabalho doméstico e, especificamente, casos de trabalho escravo doméstico. Temos menos de 2 mil auditores fiscais do trabalho na ativa. Esse é o menor número desde a criação da carreira, em 1994. Mesmo assim, conseguimos entregar, em 2023, o maior número de ações fiscais”, destaca.

    * com informações de Ana Graziela Aguiar, repórter da TV Brasil

    Edição: Marcelo Brandão
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  • Mandante da Chacina de Unaí entrega-se à PF 19 anos após crime

    Mandante da Chacina de Unaí entrega-se à PF 19 anos após crime

    Condenado como mandante da Chacina de Unaí, em Minas Gerais, em que auditores fiscais do trabalho foram assassinados em 2004, o fazendeiro Antério Mânica, prefeito da cidade mineira de 2007 a 2012, entregou-se na manhã deste sábado (16) à Polícia Federal em Brasília. O irmão dele, Norberto Mânica, é considerado foragido.

    Na última quarta-feira (13), o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em Belo Horizonte, determinou a prisão imediata dos irmãos Mânica e de dois condenados por intermediarem a chacina. Na quinta-feira (14), José Alberto de Castro, condenado por contratar os pistoleiros para o crime, havia sido preso em Minas Gerais, mas o quarto condenado, Hugo Alves Pimenta, também está foragido.

    O TRF-6 atendeu a pedido do Ministério Público Federal de prisão imediata dos dois mandantes da chacina por poderem usar o poder político e econômico para atrapalhar o processo. Na terça-feira (12), a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tinha autorizado a prisão de três condenados pelo crime, Norberto Mânica, Castro e Pimenta.

    O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) emitiu nota após a prisão de Antério Mânica. “Toda a luta do Sinait e dos familiares das vítimas ao longo dos últimos quase 20 anos não foi em vão, e certamente, sem esse trabalho, não teríamos chegado a esse desfecho, pois os envolvidos são pessoas de alto poder econômico, com os melhores advogados de defesa”, destacou o comunicado.

    Em 28 de janeiro de 2004, os auditores fiscais do Trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram mortos à queima-roupa em uma emboscada na zona rural de Unaí. Eles investigavam denúncias de trabalho análogo à escravidão. As investigações apontaram os irmãos Mânica como mandantes do crime.

    Em 2015, Antério e Norberto foram condenados a 100 anos de prisão, mas recorreram em liberdade por serem réus primários. O ex-prefeito teve a condenação anulada após o irmão confessar ser o único mandante, mas, em maio do ano passado, Antério foi novamente julgado pela Justiça Federal e condenado a 64 anos de prisão. Os dois irmãos recorreram da condenação e aguardavam o julgamento dos recursos em liberdade.

    Condenados por terem contratados os atiradores, José Alberto de Castro e Hugo Pimenta também aguardavam o resultado dos recursos em liberdade. Os únicos que cumpriam pena até agora eram os três pistoleiros, Erinaldo Vasconcelos, Rogério Allan e William Miranda. Presos desde 2004, eles foram condenados em 2013.

    Edição: Nádia Franco
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  • Juristas pedem expropriação de terras de quem explora trabalho escravo

    Juristas pedem expropriação de terras de quem explora trabalho escravo

    Após o resgate de mais de 200 trabalhadores em situação semelhante à escravidão em vinícolas do Sul do país, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia quer a expropriação dessas terras e o confisco dos bens das empresas, como prevê o Artigo 243 da Constituição Federal. O entendimento é o de que, além de sofrer no bolso, os responsáveis – diretos ou indiretos – devem responder criminalmente por isso.

    Um manifesto público foi divulgado e conta, até o momento, com centenas de assinaturas. Para Ney Strozake, da Associação de Juristas pela Democracia, é preciso que a Salton, a Aurora e a Garibaldi assumam a responsabilidade por terem contratado uma empresa terceirizada para a colheita das uvas.

    “Não dá para dizer que a empresa que contratava a empresa terceirizada não sabia. Como não sabia? Quem controla a sua propriedade, quem determina como será feita a colheita são as empresas Santon, Garibaldi e Aurora. Como assim não sabia? Afinal de contas estava prestando serviço para você.”

    A ideia é levar as assinaturas para o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. O Ministério Público do Trabalho propôs um acordo, que deve ser assinado nos próximos dias. A três empresas disseram que estão colaborando com as autoridades. Mesmo assim, para Ney Strozake, o debate precisa ser ampliado para toda a sociedade.

    “A terceirização só aumenta a possibilidade de existência de várias situações de trabalho análogo à escravidão. E o caso de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, é apenas a ponta do iceberg“, avaliou.

    O assunto também foi parar no Congresso Nacional. Pelo menos sete projetos foram protocolados na Câmara desde o final de fevereiro, quando o caso veio à tona. Um deles pede, justamente, a expropriação dessas terras e o confisco dos bens e a destinação deles para associações não governamentais de combate ao trabalho escravo. Mas existem propostas também pedindo a proibição de concessão de empréstimos para as empresas que contratarem trabalhadores em condições análogas às de escravo e até o que pede o compartilhamento de responsabilidade no caso de contratação de empresas terceirizadas.

    Mas, essa é uma discussão que pode se arrastar no Congresso. Para se ter uma ideia, algumas propostas sobre o assunto tramitam na casa há mais de 20 anos. Uma das mais antigas, de 2003, tramita em conjunto com outras propostas semelhantes e aguarda andamento na Câmara dos Deputados.

    Edição: Juliana Andrade