Tag: tortura

  • Jovem amarrado com arame é encontrado morto em construção

    Jovem amarrado com arame é encontrado morto em construção

    Um jovem de 18 anos foi descoberto sem vida na manhã de sábado (6) nos arredores de um posto de saúde em Mirassol D’Oeste.

    O corpo da vítima apresentava sinais evidentes de tortura, com suspeitos ainda não localizados. Segundo informações da Polícia Militar, por volta das 8h do dia anterior, uma equipe foi chamada para uma ocorrência no Bairro Parque Morumbi, onde um corpo foi encontrado em uma construção nos fundos do posto de saúde.

    Os policiais encontraram o jovem já sem vida, com sinais claros de tortura e amarrado com arame. Populares relataram que o rapaz estava desaparecido desde a noite anterior.

    Os familiares iniciaram a busca pela manhã e seu irmão mais novo o encontrou na construção, enquanto o veículo de Alberto foi localizado nas proximidades. A PM isolou a área até a chegada da Polícia Civil e da Politec.

    O celular da vítima foi levado pelos suspeitos, e os dados do aparelho foram fornecidos à polícia pela família. O caso está sob investigação da Delegacia de Polícia Civil local.

  • Tentativa de homicídio após sequestro e tortura mobiliza equipe da PM em Tangará da Serra

    Tentativa de homicídio após sequestro e tortura mobiliza equipe da PM em Tangará da Serra

    Uma equipe da Polícia Militar de Tangará da Serra (MT) prendeu quatro homens e procura por um quinto suspeito de tentativa de homicídio após um caso de sequestro e tortura na tarde dessa terça-feira (12). A vítima foi espancada com murros, chutes e pauladas em um matagal no Jardim Goiás.

    Após receber uma denúncia anônima de gritos de socorro vindos da mata ciliar ao lado do Córrego na Rua 20, a equipe da PM adentrou o local e encontrou a vítima, que relatou ter sido sequestrada pelos cinco indivíduos.

    Os agressores fugiram pelo matagal quando perceberam a presença da polícia, mas a vítima os reconheceu e indicou os locais onde eles poderiam estar escondidos.

    Em uma quitinete na Rua Cuiabá, próximo à Rua Décio Burali, os policiais capturaram quatro dos suspeitos. Um quinto indivíduo conseguiu fugir.

    A vítima foi socorrida pelo SAMU e encaminhada à UPA para receber cuidados médicos.

  • Técnica de tortura de fraturar dedos de presos é usada em 5 estados

    Técnica de tortura de fraturar dedos de presos é usada em 5 estados

    Uma técnica de tortura em que os dedos das mãos de pessoas encarceradas são fraturados já foi identificada em cinco estados pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Segundo o órgão, a prática foi encontrada a partir da atuação da Força Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), ligada ao Ministério da Justiça. 

    Coordenadora do MNPCT, a advogada Carolina Barreto Lemos revelou que o órgão começou a perceber a disseminação dessas ocorrências em locais de incursões realizadas pela FTIP, como Rio Grande do Norte e Ceará. Há registros, ainda, de presos com dedos quebrados em Roraima, Amazonas e Pará.

    “Por óbvio, isso é uma forma completamente ilícita, não é algo que possa se justificar a partir de nenhum viés, não há nenhuma justificativa legal, isso se configura muito claramente enquanto um crime. Um crime de tortura porque é uma forma de castigar, de impor um castigo ilegítimo, injustificado, para além do castigo que é a própria privação de liberdade”, avalia a advogada. Acrescenta que a prática de se fraturar dedos está completamente fora dos padrões de uso proporcional da força.

    Liderada por policiais penais federais, que coordenam os policiais penais mobilizados, a FTIP foi criada para ser empregada na resolução de crises, motins e rebeliões, no controle de distúrbios e no reestabelecimento da ordem e da disciplina nos sistemas prisionais. A força-tarefa foi empregada pela primeira vez no país em 2017, na Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, diante de uma crise que resultou na morte de 26 presos.

    A advogada lembra da declaração de Mauro Albuquerque, apontado por ela como um dos mentores da técnica de quebrar dedos. Ele defendeu a ação durante audiência pública na Câmara Municipal de Natal (RN), em 12 de setembro de 2017, após denúncias de maus-tratos contra presidiários no estado, quando era secretário estadual de Justiça e da Cidadania, conforme consta em relatório produzido pelo MNPCT, em 2019.

    Albuquerque afirmou, durante a audiência, que “quando se bate nos dedos – falo isso não é porque não deixa marca nos dedos não… porque deixa marca – é para ele não ter mais força para pegar uma faca e empurrar num agente [policial], é para não ter mais força para jogar pedra”, aponta o relatório.

    A FTIC não só fazia as intervenções nos momentos específicos de crises, mas realizou também treinamento de policiais penais nos estados, o que levou a uma repetição das ocorrências para além da atuação da própria força, ressalta a coordenadora do Mecanismo.

    “E, com isso, dissemina-se as técnicas para além da sua atuação, a própria técnica de quebrar os dedos. Tanto é que, no fim do ano passado, em novembro, o órgão vai ao Rio Grande do Norte, que era o local que teve treinamento pela FTIP, apesar de a força não estar lá mais naquele momento, e identifica novamente [essa técnica] sendo usada”, relatou Lemos.

    Tortura

    Segundo a coordenadora do MNPCT, o uso dessa forma de tortura ainda não foi superado, inclusive porque a força-tarefa continua existindo e atuando, no entanto, com outro nome.

    “A equipe não deixou de existir, ela mudou de nome, atualmente está sendo chamada de Focopen, que é Força de Cooperação Penitenciária. Se não me engano, mas completamente ela continua atuando, e, até onde a gente saiba, partindo dos mesmos os parâmetros anteriores”, diz.

    A presidenta do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT) do Ceará, Marina Araújo, confirma que a ação de fraturar os dedos das pessoas no cárcere não se trata de ocorrência pontual no estado e que a prática de tortura nas unidades prisionais cearenses é um fato identificado há alguns anos como padrão sistemático.

    “Tanto quebra-dedos como posições de tortura são identificados, inclusive, como práticas que estão institucionalizadas, como sanções disciplinares que as pessoas internas hoje têm sido submetidas pela Administração Penitenciária a cumprir como procedimento disciplinar”, afirma.

    Em ofício enviado na última quinta-feira (6) ao governo do estado do Ceará, a CEPCT – junto a outras entidades contra a tortura – denuncia 33 casos de tortura no período de um ano (julho de 2022 a junho de 2023), recebidos pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução de Medidas Socioeducativas do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

    “O contexto de tortura foi identificado por diversos órgãos locais e familiares, tem sido denunciado exaustivamente, cotidianamente, e esse cenário já foi documentado e comprovado em diversos relatórios de órgãos inclusive nacionais. Como exemplo, a gente tem um relatório de 2019 do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura que identificou uma série de práticas de tortura e tratamento cruel dentro das unidades prisionais. Este mesmo cenário foi constatado pelo relatório de inspeções do Conselho Nacional de Justiça no ano de 2021”, revela Marina.

    As denúncias do ofício incluem ainda 26 mortes de internos nas unidades prisionais cearenses entre 2019 e 2021, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); e cinco suicídios de agentes penais cearenses somente no ano de 2021, conforme aponta o relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do estado.

    Os dados do CNJ – que apontaram as 26 mortes no sistema prisional do estado – são divergentes do que foi divulgado pelo governo, o que demonstra problemas em relação à transparência, segundo Marina.

    “Foram identificadas pela Secretaria de Segurança Pública somente quatro mortes no mesmo período analisado pelo CNJ. Então, tem um ponto que é sobre a transparência de dados e sobre acesso à informação de casos de tortura e de mortes nas unidades prisionais que precisa também ser pontuado”, alerta.

    Combate

    A coordenadora do MNPCT, Carolina Lemos, salienta que técnicas de tortura de modo geral são muito disseminadas pelo Brasil e que estão estruturalmente presentes na atuação das forças dentro do sistema prisional.

    “Elas se repetem, ainda que não tenha tido um intercâmbio direto entre os estados. Então, às vezes o que a gente vê em Minas Gerais vai ter algo parecido com o Amazonas ou Paraná, porque tem uma disseminação dessas técnicas históricas”, analisa.

    Em relação ao combate e prevenção de tortura no país, Carolina aponta que é necessário um controle externo para atingir o objetivo. “É fundamental um trabalho sistemático e qualificado de prevenção dessas práticas por meio da ação fiscalizatória, que é você fazer as visitas não anunciadas, chegar de surpresa nas unidades para ver o que está acontecendo de fato”, salienta.

    Além do controle por meio das Defensorias Públicas e dos Ministério Públicos, ela destaca a importância dos Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura estaduais, além do nacional, que tem a função exclusiva de fazer visitas regulares, produzir relatórios e recomendações para as autoridades.

    Segundo a advogada, a ideia dos mecanismos é que as visitas regulares a espaços de privação de liberdade contribuam para uma mudança na medida em que esses espaços que estão longe dos olhos do público vão ser sujeitos a um olhar externo regular.

    “A natureza preventiva se dá justamente com essa possibilidade de estar sempre sujeito a um olhar externo. É claro que o Brasil é um país de tamanhos continentais, então, mesmo um órgão nacional, ele sozinho não dá conta disso porque não consegue estar tão sistematicamente em 27 unidades da federação”, diz. Acrescenta que é fundamental também que os estados tenham seus mecanismos estaduais, que existem hoje em apenas seis unidades da federação.

    De acordo com essa medida, o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT) do Ceará tem trabalhado pela aprovação de projeto de lei sobre o tema, para criar um Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, um órgão autônomo com peritos especializados para garantir as visitas e a prevenção à tortura em unidades de privação de liberdade no estado. A minuta do projeto está desde 2018 nas mãos do Poder Executivo para que apresente à Assembleia Legislativa, informa o comitê.

    “Outro ponto também fundamental é destacar que somente a instalação de câmeras nos fardamentos de policiais penais não vai resolver o problema. A gente acredita que as condições de apuração e investigação, e também de reparação das vítimas e das suas famílias, bem como a responsabilização, são pontos principais para se garantir”, assegura a presidenta do comitê Marina Araújo.

    Para ela, é importante fortalecer as estruturas de órgãos de fiscalização da atividade policial como a controladoria geral de disciplina, a delegacia de assuntos internos, e essas estruturas precisam estar fortalecidas pelo Poder Executivo, preconiza.

    Governo estaadual

    A Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização do Ceará (SAP) informou, em nota, que considera as acusações infundadas e que “repudia a tentativa de ataque coordenado contra as políticas de ressocialização em larga escala da população privada de liberdade do Ceará”. Segundo a secretaria, o sistema recebe visitas regulares de instituições fiscalizadoras, como Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, além de entidades de controle social, e mantém uma Ouvidoria própria, vinculada à Ouvidoria do governo estadual.

    “O sistema prisional do Ceará virou um modelo de referência nacional em vários aspectos, com destaque para a ressocialização e a segurança física e emocional da sua população privada de liberdade. Entre os anos de 2009 até 2019, os presídios cearenses tiveram 210 presos assassinados. Desde que a SAP foi criada em 2019, esse número caiu para duas vidas perdidas de forma violenta, justamente nos primeiros meses de criação da pasta quando houve reação do crime perante a reorganização do sistema penitenciário cearense e assim permanece até hoje”, diz a nota.

    Segundo a SAP, o estado realizou, nos últimos quatro anos, em parceria com a Defensoria Pública do Ceará, mais de 125 mil revisões processuais entre os internos do sistema penitenciário do estado, o que contribuiu para a redução de 30 para 21 mil pessoas em regime fechado. A Secretaria da Administração Penitenciária  diz que foi a maior redução realizada no país.

    Governo federal

    A Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) informou que apura as denúncias de tortura recebidas por meio da Corregedoria-Geral, que tem como função principal apurar irregularidades, abusos ou conduta indevida por parte dos servidores, além de implementar as diretrizes para as ações de correição.

    “Sobre o procedimento aberto à época do recebimento das denúncias de tortura, restam ainda sem confirmação de tortura. Em relação aos servidores mobilizados (servidores estaduais), foram instaurados PACs – Procedimento de Apuração de Conduta, que coleta informações preliminares e o processo instruído é enviado ao estado para julgamento. Não havendo indícios de tortura”, disse a pasta em nota.

    Segundo a secretaria, em 2023, a FTIP passou por uma reformulação no seu escopo de atuação passando a ser denominada Força de Cooperação Penitenciária (Focopen). “O novo modelo reflete a necessidade de reforço aos entes federados em 4 eixos: a) Apoio à Gestão Prisional, b) Gerenciamento de Crises no ambiente prisional, c) Treinamento e Capacitação dos servidores, d) Atendimento e Classificação dos presos”, informou.

    A Senappen informou que realiza Ações de Escuta com objetivo de realizar diagnósticos situacionais e identificação de demandas, na perspectiva das pessoas privadas de liberdade e dos servidores da execução penal, a fim de qualificar os serviços penais.

    Ampliada às 11h para inclusão dos quatro últimos parágrafos.

    Edição: Kleber Sampaio

  • Tortura é prática disseminada pelo Estado, dizem especialistas

    Tortura é prática disseminada pelo Estado, dizem especialistas

    Um homem morto asfixiado com gás no porta malas de uma viatura policial, dedos de pessoas presas fraturados por agentes penitenciários, policiais carregando um rapaz com mãos e pés amarrados com cordas e um ajudante de pedreiro desaparecido há dez anos após abordagem policial. Os casos parecem saídos do período da ditadura militar no país, mas estão no passado recente da democracia brasileira. 

    Neste Dia de Apoio às Vítimas da Tortura – 26 de junho – especialistas ouvidos pela Agência Brasil afirmam que a tortura é uma prática estrutural no país e que não aparece apenas em casos isolados.

    “Eu entendo essas práticas como tortura e maus tratos. Sem dúvida nenhuma, o que a gente testemunha no Brasil, enquanto tortura e maus tratos, tem relação direta com o nosso passado ditatorial. E eu iria até mais longe, tem relação direta com o nosso passado escravista”, disse Gabrielle Abreu, coordenadora executiva de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog.

    Para ela, há uma linha de continuidade no que diz respeito à tortura e maus tratos que remonta à escravidão, aos séculos passados, e perpassa pelo século 20, tendo a ditadura como uma oportunidade que a tortura teve no Brasil de se aprimorar, se alastrar e se tornar praticamente um código de conduta não explícito dos agentes das forças de segurança pública no Brasil.

    “Esse episódio em que o homem foi amarrado, suspenso, pelas mãos e pelos pés, me remeteu ao pau de arara, que era um instrumento de tortura muito utilizado pela ditadura e foi muito usado também na escravidão contra homens e mulheres, negros e negras, que foram escravizados”, acrescentou. Segundo a historiadora, tem um fio de continuidade que é preciso romper o quanto antes. “Senão, a história do Brasil vai se tornar uma história de tortura, de maus tratos, de violência e, acima de tudo, uma história de impunidade”, enfatizou.

    Divulgado em abril deste ano pelo Instituto Vladimir Herzog, o monitoramento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) revelou que o item que recomenda ao estado brasileiro a criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura apresentou retrocesso. A CNV investigou violações de direitos humanos cometidas na ditadura militar.

    “Em relação à tortura e maus tratos, o retrocesso é completo. O estado atual é de muita negligência desses instrumentos [de combate e prevenção à tortura], a gente encontrou quase um terreno de terra arrasada mesmo e está num estado da coisa pior do que quando a CNV concluiu seus trabalhos”, revelou Gabrielle.

    Do total de 29 recomendações da CNV, apenas duas foram realizadas (7%) e seis parcialmente realizadas (21%), totalizando aproximadamente 28%. As não efetivadas e retrocedidas conformam a maioria de cerca de 72%, sendo 14 não realizadas (48%) e sete retrocedidas (24%), o que revela uma situação preocupante, segundo o Instituto Vladimir Herzog.

    Prevenção

    Um dos itens considerado realizado é o que diz respeito à introdução da audiência de custódia para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal. Apesar da implantação dessas audiências, entidades de direitos humanos ouvidas pela Agência Brasil apontaram ineficiência do mecanismo no combate a violações do estado.

    De acordo com o relatório, a ausência de responsabilização dos agentes públicos que cometeram graves violações de direitos humanos na ditadura é um dos pilares da contínua impunidade que impera no país em relação aos que atentam contra os direitos humanos e a democracia.

    “A gente passa pela ditadura, não responsabiliza, sequer identifica os torturadores, os agentes públicos da ditadura, não se faz qualquer investigação e a gente chega nesse presente onde a tortura é totalmente naturalizada no Brasil. É difícil chocar as pessoas, independente das práticas cometidas serem bárbaras e cruéis, não há grande sensibilização pública porque a gente já entrou no modo de naturalização muito nocivo dessas práticas”, disse Gabrielle.

    Caso recente em que um suspeito foi amarrado pelos pés e mãos com corda por policiais militares durante sua prisão por furto já teve desdobramento na justiça paulista que o tornou réu. Já os policiais, que estão afastados das atividades operacionais, seguem ainda em investigação para apurar “eventuais excessos”, segundo informou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP).

    Vídeos da abordagem mostram Robson Rodrigo Francisco com as mãos amarradas aos pés, de forma que não permitia que ele ficasse em pé, nem sentado. As imagens mostram que ele é arrastado pelo chão dentro de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e depois carregado por dois policiais militares, segurando-o pela corda e pela camiseta. Ainda amarrado, ele é colocado no porta-malas de uma viatura.

    “O caso do Robson é um exemplo de muitos outros que acontecem no estado de São Paulo e em outros lugares do país, em que a ausência de uma política institucional que objetive a mudança de cultura dentro das corporações policiais e, ao mesmo tempo, mecanismos que permitam a fiscalização dos estabelecimentos, a detecção e a apuração dessas práticas [faz com] que [situações assim] continuem se repetindo na nossa história, nos momentos atuais, como ocorreram durante a ditadura”, disse a coordenadora auxiliar do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, Surraily Youssef.

    Problema estrutural

    O Brasil tem ainda uma justiça de transição inacabada. Muitos dos relatos de tortura e violência que aconteceram na ditadura militar ainda não foram apurados, apesar da existência da Comissão da Verdade, avaliou Youssef. “O cenário hoje é que a tortura ainda é uma realidade no país. E por que ela é ainda uma realidade? Porque a gente precisa fortalecer os mecanismos institucionais de apuração e de detecção da tortura”, disse. Para ela, a prática de tortura no país ainda é estrutural e é preciso uma mudança de cultura dos agentes estatais de segurança e de sua maneira de atuação.

    Para Youssef, dados das audiências de custódia, nas quais a Defensoria Pública atua na defesa de pessoas presas em flagrante, demonstram que em muitos casos há relatos de violência policial, prática de tortura e outros maus tratos. Informação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra ainda que o órgão recebeu, desde 2005, mais de 85 mil denúncias de tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante nas audiências de custódia.

    “Muitas vezes há uma desconsideração da prática da tortura que não é física, que é psicológica também, que é marcada por uma série de mobilização de estereótipos, de ameaças, de xingamentos e que isso também pode provocar o sofrimento intenso e que pode ser qualificado como tortura”, acrescentou.

    O relatório Pontos Cegos da Tortura – elaborado pela Defensoria durante a pandemia de covid-19, quando as audiências de custódia foram suspensas no estado de São Paulo – concluiu que a grande maioria dos autos de prisão em flagrante não tinha juntado o exame de corpo de delito, o que contrariava recomendação do CNJ.

    Após análise de 602 autos de prisão em flagrante de março de 2021 – realizados na Baixada Santista e na capital – a Defensoria concluiu que em menos de 2% dos casos foi realizado o exame de corpo de delito, juntado o laudo ou feito registro fotográfico, que são documentos essenciais para averiguação da prática de violência e tortura.

    “Apesar da resolução do CNJ determinar que, mesmo que a audiência de custódia tivesse suspensa, deveria existir uma análise do laudo pericial de todas as pessoas presas em flagrante, acompanhada da fotografia dessas pessoas, para que houvesse uma mínima identificação de prática de violência ou tortura, a gente percebeu que isso não foi feito pelo judiciário paulista”, disse a defensora. Segundo ela, esse resultado aponta que não houve uma preocupação clara em entender esse mecanismo institucional como essencial para averiguar as práticas de violência.

    A compreensão da tortura como estrutural também abrange as condições a que os presos são submetidos nas unidades penitenciárias, como ausência de acesso à alimentação, a bens materiais e superlotação, o que é realidade no país.

    Vítima

    O combate à tortura deve ser feito por uma série de mecanismos que possam funcionar de forma articulada, mas que tenham como centralidade a ampliação da narrativa daquela pessoa que é vítima de tortura, de acordo com Youssef.

    “Não é à toa que o dia 26 é chamado de Dia de Apoio às Vítimas de Tortura, porque é só a partir do momento que a gente dá centralidade para narrativa dessas vítimas que é possível se pensar [em] mecanismos de apuração, de reparação e apoio psicológico a essas vítimas. Esse é um fator muito importante de ser pensado quando a gente pensa nos mecanismos institucionais”, disse.

    Entre os mecanismos citados pela defensora estão as audiências de custódia, sua institucionalização e ampliação dos espaços de escuta das vítimas; o fortalecimento das perícias e dos fluxos de investigação das denúncias, principalmente tendo em vista que hoje essa investigação é feita pelo próprio batalhão, no caso das polícias militares; e o fortalecimento de mecanismos tanto de controle social, quanto o mecanismos institucionais de inspeções e supervisão dos estabelecimentos de privação de liberdade.

    “Além disso, obviamente, pensar em outra cultura dentro das corporações policiais, e isso passa por organização de cursos de formação para esses policiais, e que exista a participação, inclusive, de pessoas que já foram vítimas de violência e que possam trazer essa perspectiva, curso de direitos humanos, cursos práticos para esses profissionais”, apontou.

    Ela acrescentou que o combate a violações passa ainda por corregedorias fortalecidas e institucionalização do uso das câmeras corporais, não só na Polícia Militar, mas na Polícia Civil. Segundo ela, o uso das câmeras por policiais, que ainda não é disseminado pelo país, ajuda a compreender que muitas das abordagens policiais são acompanhadas de práticas de tortura e de violência.

    Reparação e memória

    Pensar na apuração de tortura também é pensar em mecanismos de memória, segundo a defensora pública, como desculpas públicas e indenizações. “Não é só quando há uma responsabilização criminal do agente que se pensa em mecanismo de reparação de prática de tortura. É preciso repensar também a própria maneira como o Estado repara, de reconhecer a prática, de realizar pedidos de desculpas públicas, de construir espaços onde essas pessoas possam ter apoio psicológico, porque a violência de tortura é para sempre, ela vai deixar marcas”.

    “O Estado reconhecer a violência é o primeiro passo para a gente começar a transformar essa realidade estrutural que, desde antes da ditadura militar, a gente vive e que afeta determinadas pessoas que são mais vulneráveis: pessoas negras, pobres, periféricas, mulheres”, acrescentou.

    A coordenadora do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a advogada Carolina Barreto Lemos, avalia que a não responsabilização por violações de direitos humanos é algo que marca a história do país.

    “É uma história de muitas anistias. A não responsabilização passa o recado é de que está tudo bem, de que não é algo pelo que as instâncias e as autoridades precisam responder e que as pessoas não precisam ser responsabilizadas por isso”, disse.

    Para ela, esse contexto contribui de maneira enorme para naturalização de atos de tortura e maus tratos, no entanto, não houve nenhuma reparação simbólica no país em relação ao período da ditadura militar. “Seria uma forma de romper com essa prática que ficou tão visibilizada na ditadura. A responsabilização teria sido uma forma de simbolicamente dizer ‘nós não aceitamos a prática de tortura no Brasil’ e, no entanto, mesmo nesse caso, houve uma anistia que novamente vem naturalizar isso como algo que não tem problema torturar pessoas presas”, acrescentou.

    A advogada avalia que não houve ruptura pós ditadura militar em relação à violência nas situações de privação de liberdade. “A tortura continua tão disseminada quanto [antes], mas menos visibilizada porque agora ela volta a atingir aquele sujeito que historicamente foi atingido e que sofre com uma forma de desumanização e naturalização da periclitação de suas vidas”, disse, referindo-se à população negra e pobre.

    “Tem algo bem anterior, inclusive à própria ditadura, que é aquilo que marca essa política criminal de encarceramento em massa: o racismo estrutural. A desumanização de pessoas pobres e negras é algo que naturalizou historicamente as práticas de tortura no Brasil desde a escravidão”, disse a advogada.

    Controle externo

    Em relação aos mecanismos de prevenção e tortura no país, ela avalia que o controle externo é fundamental para alcançar tal objetivo. “Sem controle externo, não tem como combater ou prevenir. Porque, se existe a ideia de que aquele local está longe do olhar do público, que ele não está sujeito a um controle externo nem à fiscalização, você cria todas as condições para que a tortura aconteça e para que não haja responsabilização, porque inclusive não será sequer denunciada, nem conhecida”, finaliza.

    Ela ressalta a importância da atuação dos órgãos que estão previstos por lei para a fiscalização da execução da pena, que são a Defensoria Pública, o Ministério Público e poder judiciário. “É fundamental um trabalho sistemático e qualificado de prevenção dessas práticas por meio da ação fiscalizatória, que é você fazer as visitas não anunciadas, chegar de surpresa das unidades para ver o que está acontecendo de fato”, citou.

    Lembrando do Robson, que foi amarrado por cordas, do Genivaldo, que foi morto após asfixiamento no porta malas de uma viatura policial, das pessoas presas que tiveram seus dedos quebrados, Lemos ressalta que é fundamental que os poderes deem uma resposta à sociedade. “No caso do rapaz que foi acorrentado pelas mãos e pés e carregado, já teve uma resposta muito ruim por parte das autoridades, inclusive dizer que aquilo não é tortura, então isso já traz uma preocupação.”

    “A gente tem que pensar em ações de não repetição. As polícias precisam ter protocolos, e também responsabilizarem seus agentes administrativamente a partir desses protocolos. Porque, se existe um protocolo em uma polícia de que é permitido acorrentar e carregar o sujeito daquela forma, esse protocolo precisa ser revisto. E, se não existe, então precisa apurar e responsabilizar [os agentes]”, disse.

    Além disso, a advogada avalia a necessidade de rever a forma que esses agentes estão sendo formados “porque eles não estão fazendo isso a partir do nada, tem alguma coisa institucionalmente que está sendo colocada para eles para atuarem dessa maneira”.

    Edição: Kleber Sampaio

  • Polícia Civil prende acusado de torturar suspeito de ter praticado furto em Lucas do Rio Verde

    Polícia Civil prende acusado de torturar suspeito de ter praticado furto em Lucas do Rio Verde

    A Polícia Civil de Lucas do Rio Verde prendeu nesta segunda-feira (07) uma pessoa acusada de tortura. Investigação feita pelos policiais indica que o suspeito pode fazer parte de uma associação criminosa.

    Ainda conforme apuração feita pelos investigadores, o suspeito detido teria aplicado um corretivo, conhecido por ‘salve’, na pessoa que foi acusada de ter praticado um furto em um estabelecimento na cidade.

    As investigações apontam ainda que o detido não estava sozinho quando houve a correção da vítima. Outras pessoas teriam golpeado a vítima nas costas usando pedaços de fios.

    Além das ‘fiozadas’, a vítima foi obrigada a juntar as mãos, momento em que dispararam um tiro em seus membros, vindo a causar diversas lesões em seu corpo.

    Com o suspeito, por ocasião de sua prisão, foram localizadas também porções de entorpecentes, juntamente com dinheiro e valores em moeda nacional.

    O detido foi autuado pelos crimes de tortura, tráfico de drogas, associação para o tráfico de drogas e associação criminosa armada.