Tag: racismo

  • Graça Machel defende uso da tecnologia na luta contra o racismo

    Graça Machel defende uso da tecnologia na luta contra o racismo

    “Eu não sou uma pessoa excepcional, mas um exemplo de possibilidades e oportunidades”. A fala é de Graça Machel, que aos 77 anos pode ostentar na biografia experiências como ativista, política, professora, militante na luta pela independência de Moçambique do domínio colonial português, ex-primeira-dama da África do Sul e viúva de Nelson Mandela. Ela participou nesta sexta-feira (6) de uma palestra na Rio Innovation Week, no Rio de Janeiro, e usou o próprio exemplo para falar sobre a necessidade de combate ao racismo e outras desigualdades sociais.

    Machel disse que por ser mulher, negra e de origem pobre conhece bem problemas que são comuns no Brasil. E que se solidariza na luta para superá-los.

    “O racismo no Brasil é estrutural: foi entrincheirado na economia, na psicologia e na consciência social devido ao fator da escravidão. Ao tocar nessa ferida, estou a aceitar a responsabilidade que também há na África, de onde venho e sou parte. Nós participamos na escravidão, partilhamos responsabilidades e vamos aceitar e confrontar o nosso passado comum”, disse a ativista.

    Rio de Janeiro (RJ), 06/10/2023 - A ativista moçambicana Graça Machel, ex-primeira-dama da África do Sul e viúva de Nelson Mandela, palestra no Rio Innovation Week. Foto: Fernando Frazão/Agência BrasilRio de Janeiro (RJ), 06/10/2023 – A ativista moçambicana Graça Machel, ex-primeira-dama da África do Sul e viúva de Nelson Mandela, palestra no Rio Innovation Week. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

    A ativista moçambicana Graça Machel, ex-primeira-dama da África do Sul e viúva de Nelson Mandela, em palestra na Rio Innovation Week – Fernando Frazão/Agência Brasil

    Na palestra, ela defendeu a valorização da diversidade do país como um dos principais passos para a transformação da realidade atual. As novas tecnologias podem ser aliadas nessa busca para ampliar a inclusão dos diferentes grupos sociais, e todos os setores podem ser beneficiados quando se tem um país mais igualitário.

    “Falar de ciência, tecnologia e inovação significa pensar em instrumentos aceleradores da transformação econômica, cultural e da consciência social”, destacou Machel. “A inclusão racial e de gênero, a inserção dos pobres no centro, tudo isso vai expandir o mercado para qualquer empresa. Esse não é apenas um problema moral e de justiça social, mas algo que atrai mais clientes, mais criatividade e mais talentos.”

    A ativista moçambicana disse que, para as mudanças realmente acontecerem, é fundamental ir além do discurso e da retórica. Segundo ela, só pela força das leis, dos órgãos de fiscalização e de mobilização constante será possível vencer grupos que resistem aos avanços sociais.

    “As forças retrógradas podem ter se reorganizado e estarem um pouco mais fortes. É preciso que nós tenhamos clareza sobre os avanços e como levá-los mais à frente, estabelecer formas de luta para desmantelar os que tentam nos puxar para trás. E não pensar que os avanços vão continuar por si próprios. Mas é preciso entender que eles estão se organizando porque se sentem vulneráveis. E por isso devemos aproveitar para cair em cima por meio de instrumentos legais e da organização da sociedade, para que eles se sintam cada vez mais restritos, não tenham capacidade de se levantar e evitar essa nova ordem que os nossos avanços têm estabelecido.”

    Edição: Juliana Andrade
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  • Anielle Franco aciona MJ contra ataques recebidos em redes sociais

    Anielle Franco aciona MJ contra ataques recebidos em redes sociais

    A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, elaborou um dossiê sobre os ataques e xingamentos, ameaças e racismo que sofreu nas redes sociais desde o início da semana. O material foi encaminhado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) nesta quinta-feira (28) para a apuração da prática de crimes, em razão das graves ameaças à sua integridade física e aos ataques de ódio recebidos.

    Os crimes ocorreram por meio das redes sociais Instagram eX (antes conhecido como twitter) e através do e-mail institucional. Os textos dos ataques foram reunidos com os perfis, dias e horas dos envios/postagens, para que municiem a investigação e posterior responsabilização dos autores.

    Os ataques começaram no último domingo (24), com a repercussão da agenda de enfrentamento ao racismo nos esportes. A ministra compareceu à final da Copa do Brasil, em São Paulo, para a assinatura de um acordo entre o Ministério da Igualdade Racial, o Ministério do Esporte e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Anielle foi criticada por usar um voo da Força Aérea Brasileira para comparecer ao evento, uma agenda de trabalho.

    Segundo o Ministério, a final da Copa do Brasil foi escolhida para a realização da ação de divulgação pelo alto número de pessoas presentes no estádio e pela grande audiência, típica de uma final de campeonato. Segundo a pasta, a utilização do voo da FAB para uma missão institucional é praxe em deslocamentos para ações ministeriais e de governo.

    Edição: Marcelo Brandão
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  • Pesquisa revela graves problemas na aplicação da Lei de Drogas

    Pesquisa revela graves problemas na aplicação da Lei de Drogas

    Racismo institucional, falta de informações em processos, pouca investigação e ilegalidade em abordagens policiais foram alguns dos problemas apontados em relação a aplicação da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), por uma pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os dados divulgados nesta sexta-feira (22) são baseados em mais de 5 mil processos de sentenciados por tráfico de drogas, em 2019.

    O secretário nacional de Acesso à Justiça, do MJSP, Marivaldo Pereira, destacou a importância de o governo começar a aplicar políticas públicas com base em dados científicos, para que as leis possam ser efetivadas de forma eficaz. “Sob nenhuma perspectiva, hoje, a forma como a Lei de Drogas é implementada é boa para sociedade. Ela não reduz a violência, ela não protege a saúde pública, ela não resolve absolutamente nada. A gente está tirando recurso público do contribuinte para piorar a sociedade”.

    Brasília (DF) 03/08/2023 - Secretário de Acesso à Justiça do MJ, Marivaldo Pereira, na apresentação do relatório do grupo de trabalho (GT) de combate ao racismo no esporte. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil.
    Secretário de Acesso à Justiça do MJSP, Marivaldo Pereira – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

    Racismo

    Dados revelados pela pesquisa apontam que o tratamento dado à população em geral é diferente, dependendo de quem comete o crime de tráfico de drogas, sendo mais preso, julgado e sentenciado, o jovem não branco e de baixa escolaridade. Além disso, há uma diferença entre a forma como o sistema de justiça criminal e o sistema de segurança pública atuam.

    A pesquisa apontou que o perfil dos processados, em sua maioria, é de jovens abaixo de 30 anos de idade, que representam 73,6% desse universo nas justiças estaduais e 42,5% na Justiça Federal. Quando observado o nível de escolaridade, a maioria têm, no máximo, o ensino fundamental, sendo 68,4% na esfera estadual e 42,5% na Justiça Federal, e 68,7% são não brancos nos processos estaduais e 68,1% têm esse perfil racial na esfera federal.

    “Um jovem negro com 50 gramas de maconha é preso por tráfico, mas um povo branco com um helicóptero com 480 quilos de pasta base de cocaína não é preso”, destaca Maria Tereza Santos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade.

    A quantidade de drogas apreendidas com os processados também evidencia a diferença de atuação dos sistemas nas esferas de governo. Enquantonos processos estaduais a média apreendida é de 85 gramas de cannabis e 25 gramas de cocaína, quando as forças e de segurança federal atuam, essa média sobe vertiginosamente para 14,5 quilos e 6,6 quilos, respectivamente.

    Usuários

    05/06/2023 - Brasília-DF - A secretária nacional de políticas sobre drogas e gestão de ativos, Marta Machado, durante lançamento do Edital de Financiamento
    Secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Marta Machado – Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

    “Vemos que a Justiça estadual foca em pessoas mais vulnerabilizadas e apreensões de baixa quantidade. Os dados apontam para um perfil de pequeno varejo nessa instância, ou até mesmo em usuários classificados como traficantes, de forma equivocada”, analisa Marta Machado, secretária nacional de Políticas sobre Drogas.

    De forma geral, 49% dos réus processados afirmam ser usuário ou dependentes de drogas e 30% alegam que a droga apreendida se destinava ao uso pessoal.

    Marta ainda chama a atenção para a lacuna de informações nos processos, já que a pesquisa enfrentou a ausência de informações sobre cor, raça e escolaridade dos processados, que levam os pesquisadores a entender que o resultado desse estudo ainda pode ser subestimado.

    Investigação

    Brasília - Parte das drogas e dinheiro apreendidos pela Polícia Civil do DF na operação “Delivery”, contra o tráfico de drogas durante o carnaval no Distrito Federal. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
    Brasília – Parte das drogas e dinheiro apreendidos pela Polícia Civil do DF na operação “Delivery”, contra o tráfico de drogas durante o carnaval no Distrito Federal. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

    O alto número de processos resultantes de prisões em flagrante também chama a atenção para a pouca investigação. Esse tipo de abordagem representou 76% das prisões feitas por policiais militares e 19,1% da atuação da polícia civil nos casos de tráfico de droga. Quase sempre são flagrantes motivados por “comportamento suspeito”, segundo 32,5% dos relatos policiais. Denúncias anônimas motivaram 30,9% das abordagens.

    Inconstitucionalidade

    Os pesquisadores apontaram ainda que nessas abordagens 49% resultam de entradas em domicílio, das quais apenas 15% com mandado judicial. A busca domiciliar sem mandado de Justiça representou cerca de 41% dos processos.

    Segundo Marta Machado, esses dados apontam ilegalidade nessas abordagens, já que fere a própria Constituição Federal no seu artigo 5º, que trata da inviolabilidade da vida privada.

    De acordo com os pesquisadores, esses dados fortalecem a necessidade de um aprofundamento na revisão das políticas públicas para o setor. “É premente discutirmos a garantia dos direitos fundamentais a todas pessoas que estão envolvidas nesses casos, de modo que elas sejam tratadas com equidade, independentemente da sua cor ou raça, da sua origem social, e há urgência também em discutirmos esse encarceramento em massa de pessoas jovens, em geral de cor preta, periférica, de baixa escolaridade, enquanto o narcotráfico se fortalece como crime organizado”, alerta Luseni Aquino, diretora do Ipea.

    Edição: Fernando Fraga
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  • Niterói celebra igualdade feminina e combate à violência contra mulher

    Niterói celebra igualdade feminina e combate à violência contra mulher

    Começa nesta quinta-feira, às 15h, o evento Raízes que nos Sustentam em celebração ao Agosto Lilás, mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher, e o Dia Internacional da Igualdade Feminina, comemorado anualmente em 26 de agosto, próximo sábado.

    O evento no Teatro Popular Oscar Niemeyer, situado na região central de Niterói, terá debates, música e oficinas. Na área externa do teatro, das 18h às 21h, o público poderá curtir a roda de samba do Terreiro da Vovó, com entrada gratuita.

    A vereadora Benny Briolly, presidente da Comissão da Mulher e Direitos Humanos da Câmara de Niterói, organizadora do encontro, disse à Agência Brasil que a ausência de mulheres nos espaços de poder político no município fragiliza a construção de políticas públicas voltadas para as mulheres. Benny é a única vereadora mulher em exercício na atual legislatura da Câmara Municipal da cidade, dos 21 parlamentares que compõem a casa.

    Dentre as ações já aprovadas estão o Maio Furta-cor, dedicado a ações de conscientização, incentivo ao cuidado e promoção da saúde mental materna; e a criação da Frente Parlamentar de Violência Obstétrica. “Estamos nos debruçando sobre a saúde das mulheres no município de Niterói, pensando a perspectiva da educação através das questões de gênero”, disse Benny.

    Homenagens

    A vereadora salientou que o encontro Raízes que nos Sustentam homenageia “as mulheres históricas, da cultura, as mulheres trabalhadoras, mulheres da educação, mulheres que sustentam os eixos e pilares políticos da nossa cidade e estarão

    A mesa de abertura terá como tema O que a Luta das Mulheres tem a nos Dizer”. Serão homenageadas figuras representativas do combate ao racismo, lideranças quilombolas, negras, indígenas e pessoas com deficiência.

    Dentre as homenageadas, destaque para Marinete Franco, mãe da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018; a atriz Sol Miranda; escritora Conceição Evaristo; a deputada estadual Dani Monteiro; a deputada federal Talíria Petrone; a pesquisadora indígena Martinha Guajajara; a socióloga e professora Flávia Rios; a enfermeira e especialista em gênero, sexualidade e direitos humanos Fátima Maria dos Santos; a pró-reitora de Assuntos Estudantis da Universidade Federal Fluminense (UFF) Alessandra Barreto; a professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) Jaqueline de Jesus; a ialorixá de Obaluayê Mãe Marcia Marçal; e as doutoras em educação Sara Wagner York e Alice Akemi Yamasaki.

    Haverá também oficinas de serigrafia, argila, expressão corporal, além de uma feira de artesanato feito por mulheres. Na área externa do Teatro Popular, das 18h às 21h, o público poderá conferir a roda de samba do grupo Terreiro da Vovó e apresentações musicais de Dany Black, Helena Kimmer, Monica Mac, Anna Brandão, Adriana Dutra e Tia Neusa. Tudo com entrada franca.

    Racismo

    O combate ao racismo também será pauta do encontro. “A nossa perspectiva é a vida das mulheres, que é um horizonte do nosso mandato feminismo e interseccional, que é o feminismo que pensa as questões de raça, entendendo a vida das mulheres negras e de todas as mulheres. A gente entende a crucialidade das mulheres negras a partir da nossa luta”, disse Benny.

    Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021 salienta que a violência contra as mulheres continua generalizada. Ao longo da vida, uma em cada três mulheres (cerca de 736 milhões de pessoas), é submetida à violência física ou sexual por parte de seu parceiro ou violência sexual por parte de um não parceiro. A violência começa cedo: uma em cada quatro mulheres jovens (de 15 a 24 anos) que estiveram em um relacionamento já terá sofrido violência de seus parceiros por volta dos 20 anos.

    De acordo com a pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicada em março de 2023, as principais vítimas da violência no país são mulheres negras, de baixa escolaridade, com filhos e divorciadas.

    Edição: Denise Griesinger

  • Pais que lutam: eles combatem racismo e se multiplicam em amor

    Pais que lutam: eles combatem racismo e se multiplicam em amor

    “Do Leme ao Pontal, não há nada igual…”. Foi à beira do mar, no Leme, na zona sul do Rio de Janeiro, cantada pelos versos de Tim Maia, que a história de uma família recomeça. Foi lá, há cerca de 10 anos, que Juliano Almeida expressou para o marido, Roberto Jardim, sobre o maior sonho: ser pai. Um grande amigo de longa data, Ricardo Souza, que é solteiro, também se sensibilizou com as palavras de Juliano, e resolveu ajudar intensamente na procura e nos trâmites da adoção de um menino. O sonho na beira da praia responde hoje como uma realidade. Pedro tem oito anos, é negro e chama os três homens de “pai”. Uma história de proteção multiplicada e, como todo amor, não há igual…

    Aliás, desde cedo, o menino ouviu em casa que ninguém é igual. “Alguém comentou na escola que ele era adotado e ele veio perguntar para a gente. Ele lida de uma forma muito tranquila porque a criança entende como natural”, afirma Juliano, de 50 anos, que é produtor cultural. Para os adultos, uma transformação em andamento.

    “Ser pai é uma oportunidade que a pessoa tem para se tornar um melhor ser humano”, entende o marido Roberto, que trabalha como contador. “É uma mistura de sensações. Ao mesmo tempo que é um amor que não tem como medir, é uma preocupação diária que dividimos”, avalia o amigo, Ricardo, de 49, estilista, que está morando na cidade de Cabo Frio, a 200 km da capital fluminense.

    Juliano recorda que foi despertado também para ser pai ao observar e sofrer diante das injustiças como a fome e abandono nas ruas. Ele, o marido e o amigo multiplicam-se também entre eles para equilibrar amor e limites no processo de educação. Os três buscam, na medida do possível, agendar eventos e até viagens para os quatro estarem juntos. Um compromisso deles na criação do menino é tratar a diversidade de forma natural e ser contra toda forma de preconceito. “Ele ainda não passou por episódio de racismo. A gente traz para ele a naturalidade da pluralidade de cor de pele, de sexo e de religiões”.

    “Ele me procurou para falar de racismo”

    Nesse caminho, o sociólogo Helton Souto, presidente do Instituto Dacor (Ong de combate ao racismo), entende que é possível tratar de temas como o preconceito racial de uma forma natural com a criança, a fim de que ela se sinta empoderada para perguntar o que quiser. Como pai de Augusto, de 7 anos, um menino negro, como ele, Souto entende que falar de racismo é desafiador a qualquer momento, mas necessário. Ele, a mãe, que é branca, e o filho vivem em São Paulo (SP).

    “A valorização da identidade e da autoestima é bastante Importante. Às vezes, uma criança negra vai ter que lidar com manifestação de racismo de uma forma muito crua”. O pesquisador lida com esse tema em casa. “É preciso fortalecer essa identidade e a oportunidade de falar sobre isso. Meu filho viveu uma situação racista na escola. Falaram do cabelo dele. Ele chegou em casa sem entender. Ele puxou esse assunto e conversei com ele”. Desde então, o garoto encontra no pai um ouvido atento para eventuais surpresas e dúvidas sobre tudo o que é incompreensível.

    A experiência fez com que os pais do menino procurassem a escola para conversar, o que foi uma oportunidade de uma aproximação contra o racismo. A forma natural de falar sobre preconceito acaba sendo tratada até quando vão jogar videogame e não encontrarem um personagem de pele e cabelo semelhante aos do pai e filho. “Eu não vou dar aula sobre identidade racial para meu filho. A vivência é o melhor caminho”. O pai fica orgulhoso do filho, que mesmo tão cedo questiona por que ainda tem tanta gente em situação de rua.

    Conversa enquanto brinca

    Pai de uma menina de cinco anos de idade, Liah, o professor de educação física Anderson Rosa, de 36, morador de Brasília, tem a parceria da esposa, Lélia Charliane, que é professora de história.  “A gente divide todas as tarefas. Não existe essa coisa de tarefa de homem e tarefa de mulher. Com a minha filha, a gente brinca de tudo. A gente sempre está conversando”.

    O pai pergunta como é que foi o dia dela. E cada dia tem uma novidade. Um dos temas é a conversa sobre a diversidade da cor de pele. “A gente procura falar para ela o tempo todo essa questão de ela ser negra. Criamos ela para ser empoderada mesmo”.

    Foi a esposa, diretamente, e a filha, pela presença, que o professor entendeu que é necessário se defender dos preconceitos. “A gente tem conversado com ela desde pequena. Conseguimos mostrar para ela de uma forma natural”.

    Inspirações

    12/08/2023, Hugo Teles, pai de Camila e João, afirma que adoção e racismo não são tabus dentro de casa. Foto: Arquivo Pessoal

    Por falar em experiência forte, a história de paternidade do advogado Hugo Teles, de 44 anos, é inspiradora. Pai de João, de 13 anos, e de Camila, de 12, ele se preparou para a paternidade, a grande experiência de sua vida. Ele e a esposa, Karina, adotaram os amores da vida quando eram bebês. Tudo foi tão transformador para ele que se tornou voluntário em um grupo de apoio à adoção.

    Quando criança, ele teve um câncer linfático e, depois, descobriu que era estéril. “Optamos pelo caminho da adoção. Nessa caminhada, eu construí a minha a minha ideia do que seria um pai antes dos meninos chegarem”. Ele e a esposa começaram a frequentar grupos de apoio e discussão de paternidade e maternidade por adoção. “Foi tão inspirador que passamos a ajudar as pessoas que estavam na nossa situação anterior”.

    Nesses grupos, puderam compreender mais sobre preconceitos, estigmas e desafios. Os pais brancos e os filhos negros conversam sobre racismo mesmo entendendo que, no caso da família deles, não houve até hoje algo explícito. “Depois que eu me tornei pai por adoção, comecei a perceber de uma forma diferente o racismo estrutural que existe no Brasil”.

    Para conversar sobre adoção e diversidade, o pai encontrou no cinema, e em histórias de heróis como Super-Homem e Homem Aranha, entre outros, um caminho. “Muitos super-heróis são filhos por adoção, por exemplo”. Além do cinema, o pai é parceiro do futebol de João e aprendeu pratos diferentes porque a filha gosta de cozinhar. O paizão não para nunca. Pula na piscina, anda de bicicleta, leva para escola. E volta para o grupo de adoção para ajudar outros pais a desfrutar da alegria, da aventura mais desafiadora e do amor incondicional que certa vez imaginou não ser possível.

    Edição: Marcelo Brandão

  • Mulheres negras fazem marcha contra racismo no dia 30, no Rio

    Mulheres negras fazem marcha contra racismo no dia 30, no Rio

    A Marcha das Mulheres Negras 2023, que acontece no próximo dia 30, na Praia de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, tem como tema Mulheres negras unidas contra o racismo, contra todas as opressões, violências, e pelo bem viver. Será a nona edição do ato, que também encerrará as comemorações pelo Dia das Mulheres Negras, instituído por força de lei estadual o 25 de julho.

    O evento traz na edição deste ano algumas reivindicações. Entre elas, a criação de estratégias para sobreviver ao racismo do qual “o povo preto, nos últimos quatro anos, se tornou alvo, de todas as formas”, disse à Agência Brasil Clatia Vieira, uma das organizadoras da marcha. “O crescimento e o fortalecimento do racismo foram uma coisa muito assustadora e aconteceram porque racistas tiveram amparo na gestão do governo federal”.

    Serão também marcantes na marcha a questão da fome, a violência e a juventude negra, que, segundo Clatia, está muito vulnerável. O evento vai abordar ainda questões de moradia, trabalho e saúde mental. “Vamos falar de um governo que olhe para a população negra, não como uma população de coitados e coitadas, mas como parte da sociedade brasileira, e que precisa ser tratada como cidadã”.

    Para isso, Clatia ressalta a necessidade de fazer valer a Constituição Federal e a dignidade do povo preto.

    Bem viver

    No que se refere ao bem viver, Clatia explicou que se trata da construção cotidiana, “que é o bem viver como um conceito de condições de dignidade humana de vida. Porque a população negra está exposta e é violentada todos os dias, não por sermos mulheres ou jovens, mas por sermos negros”.

    Para Clatia Vieira, trata-se de uma ideologia racista que tomou forma e corpo e tem afetado a vida da população negra, de forma drástica. “Não que já tivesse sido resolvido, mas a gente tinha um equilíbrio nessa questão. A gente perdeu. Esse gap [lacuna] de cinco anos deu muita força para as políticas racistas. Eu posso dizer que [o racismo] foi normalizado, e isso dá força para as pessoas seguirem se comportando dessa forma, como a gente tem acompanhado”.

    O cenário político atual, com a mudança do governo federal, permite à população negra respirar, acredita Clatia Vieira. “Porque a gente tinha muito medo de sair às ruas, porque as pessoas eram atacadas por serem pretas, por terem o cabelo black”.

    Ela lembrou também das perseguições aos terreiros de umbanda, que configuram racismo religioso. “Estávamos vivendo um processo que a democracia não valia”, denuncia.

    Clatia disse que os quatro anos do governo anterior não serão resolvidos em uma única gestão do governo atual, “porque as políticas antidemocráticas tomaram muito corpo”. Embora o ex-presidente da República tenha se tornado inelegível, deixou políticas antidemocráticas, racistas, disse.

    “E isso afeta muito a população negra e, em especial, as mulheres negras”.

    Agora, Clatia vê a necessidade de ir para a rua reivindicar, a partir da democracia, que esta seja minimamente respeitada.


    O Fórum Estadual de Mulheres Negras do <a href=

    Marcha das MulhNegras, na orla de Copacabana – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

    Autonomia

    A reivindicação para que o Congresso Nacional não negocie com a vida da população negra e que os entes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sejam autônomos e se relacionem entre si com respeito, também são tema da marcha.

    “A gente não vê isso no Legislativo que, para o duelo com o governo, coloca pautas relacionadas com a população mais empobrecida, que é a população negra”. A instabilidade política é uma questão que as mulheres negras pretendem reverberar dentro da marcha.

    Outra questão que será levantada, segundo Clatia, é que a democracia não é relativa. “Há consciência de que a democracia para o povo negro ainda está longe de se viabilizar, até porque é uma democracia feita pelo povo branco. Mas ainda é uma democracia que te dá o direito de se expressar, de você dialogar, propor. E a gente quer garantir essa democracia”.

    Na pauta da visibilidade das mulheres negras, Clatia destacou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu a dar essa visibilidade. “Uma das coisas que nós vamos cobrar é a nossa vaga no Supremo Tribunal Federal. Porque não dá para dizer que é todo mundo igual e, na hora do poder, a gente ficar de fora”.

    Durante a marcha, as mulheres negras levantarão não só questões nacionais, mas também regionais, trazidas por mulheres negras de cada município fluminense.

    Homenagens

    A Marcha das Mulheres Negras, o Fórum de Mulheres Negras Cristãs e a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e radialista aposentada pela Rádio MEC do Rio de Janeiro Helena Theodoro serão homenageados neste sábado (22) pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio) do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJMRJ).

    Clatia Vieira recebeu com satisfação a homenagem. “Se não tivessem existido jornalistas como vocês, que muito contribuíram, não sei se a gente fazia essa travessia”.

    Ela admite também que a imprensa pode atrapalhar, como foi o caso de mídias digitais que propagaram questões ideológicas contrárias, que inventaram para justificar atos antidemocráticos e violentos.

    Na sua avaliação, a homenagem prestada pela Cojira-RJ significa o fortalecimento da luta das mulheres negras, salientando a importância de uma imprensa responsável, que também sofreu violências, mas que seguiu com seu compromisso profissional. Para Clatia, o poder da imprensa afeta diretamente a formação e a construção da política.

    Sandra Martins, cofundadora e membro da Cojira-RJ, disse à Agência Brasil que as três personagens que serão homenageadas este ano estão envolvidas com os trabalhos da comissão há longo tempo. Tanto o Fórum das Mulheres Negras e a Marcha das Mulheres Negras “sempre apoiaram as nossas reivindicações de fazer com que a comunicação também se responsabilize no combate contra o racismo”.

    Sandra destacou que a jornalista Helena Theodoro “também está nessa estrada conosco há muito tempo”. Lembrou que a radialista da Rádio MEC teve vários programas radiofônicos na emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), entre os quais o Origens, para o qual convidava ativistas do movimento negro e de outros grupos de movimentos sociais, como foi o caso do Grupo de Trabalhos André Rebouças (GTAR), primeiro grupo de movimento negro dentro de uma universidade, no caso a Universidade Federal Fluminense (UFF). “Existe uma trajetória bastante expressiva de intersecções com esses três homenageados”, disse Sandra Martins.

    Edição: Fernando Fraga

  • Registros de racismo e homofobia disparam no país em 2022

    Registros de racismo e homofobia disparam no país em 2022

    Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados hoje (20), mostram que o número de registros dos crimes de injúria racial, racismo e homofobia ou transfobia dispararam em 2022 no país na comparação com o ano anterio.

    Os registros de racismo saltaram de 1.464 casos em 2021, para 2.458, em 2022. A taxa nacional em 2022 ficou em 1,66 casos a cada 100 mil habitantes, uma alta de 67% em relação ao ano anterior. Os estados com as maiores taxas, de acordo com o anuário, foram: Rondônia (5,8 casos a cada 100 mil habitantes), Amapá (5,2), Sergipe (4,8), Acre (3,3), e Espírito Santo (3,1).

    Os registros de injúria racial também cresceram. Em 2021 foram 10.814 casos e, em 2022, 10.990. A taxa em 2022 ficou em 7,63 a cada 100 habitantes, 32,3% superior à do ano anterior (5,77). As unidades da federação com as maiores taxas foram Distrito Federal (22,5 casos a cada 100 mil habitantes), Santa Catarina (20,3), e Mato Grosso do Sul (17).

    Já o crime de racismo por homofobia ou transfobia teve 488 casos registrados em 2022 no país, ante 326, em 2021. A taxa nacional por 100 mil habitantes em 2022 ficou em 0,44 – 53,6% superior ao ano anterior. Os estados com as maiores taxas foram: Distrito Federal (2,4), Rio Grande do Sul (1,1), e Goiás (0,9).

    “Observamos grandes aumentos das taxas de injúria racial (que cresceu 32,3%) e racismo (que cresceu 67%), denotando aumento da demanda por acesso ao direito à não-discriminação”, destaca o texto do anuário.

    O FBSP criticou a falta de dados, que deveriam ser fornecidos pelos órgãos oficiais, referentes ao número de pessoas do grupo LGBTQIA+ vítimas de lesão corporal, homicídio e estupro.

    “Quanto aos dados referentes a LGBTQIA+ vítimas de lesão corporal, homicídio e estupro, seguimos com a altíssima subnotificação. Como de costume, o Estado demonstra-se não incapaz, porque possui capacidade administrativa e recursos humanos para tanto, mas desinteressado em endereçar e solucionar”, diz o texto.

    De acordo com o FBSP, para a quantificação desses crimes é necessário contar com dados produzidos pela sociedade civil, como os da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e do Grupo Gay da Bahia (GGB).

    De acordo com o anuário, a ANTRA contabilizou, em 2022, 131 vítimas trans e travestis de homicídio. Já o GGB registrou 256 vítimas LGBTQIA+ do mesmo crime em 2022. “O Estado deu conta de contar 163, 63% do que contabilizou a organização da sociedade civil, demonstrando que as estatísticas oficiais pouco informam da realidade da violência contra LGBTQIA+ no país”.

    “Se bases de dados são instrumentos primários de transformação social, o que a produção de dados oficiais desinformativos diz sobre o destino para o qual caminhamos no enfrentamento aos crimes de ódio no Brasil?”, questionou o texto do anuário.

    Edição: Denise Griesinger

  • População negra encarcerada atinge maior patamar da série histórica

    População negra encarcerada atinge maior patamar da série histórica

    A população negra encarcerada no sistema penitenciário brasileiro atingiu o maior patamar da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), iniciado em 2005. De acordo com o anuário da entidade, divulgado hoje (20), em 2022, havia 442.033 negros encarcerados no país, ou 68,2% do total das pessoas presas – o maior percentual já registrado.

    Em 2021, essa proporção era de 67,5%. Há 18 anos, em 2005, quando a série histórica do FBSP teve início, os negros representavam 58,4% das pessoas presas no país. Já os brancos, no sistema prisional, eram 197.084 em 2022, ou 30,4% do total. Em 2005, eram 39,8% do sistema prisional.

    “O sistema prisional brasileiro escancara o racismo estrutural. Se de 2005 a 2022 houve crescimento de 215% da população branca encarcerada, houve crescimento de 381,3% da população negra. Em 2005, 58,4% do total da população prisional era negra, em 2022, esse percentual foi de 68,2%, o maior da série histórica disponível. Em outras palavras, o sistema penitenciário deixa evidente o racismo brasileiro de forma cada vez mais preponderante. A seletividade penal tem cor”, destaca o texto do anuário do FBSP.

    No total, a quantidade de pessoas presas no sistema carcerário brasileiro aumentou de 815.165 em 2021 para 826.740, em 2022. A razão de detentos por vaga também aumentou, de 1,3 (2021) para 1,4 (2022), ou seja, o sistema está operando ainda mais acima de sua capacidade. Segundo o anuário, há 230.578 pessoas privadas de liberdade a mais do que o sistema comporta.

    “Persistem, portanto, as condições de superlotação e insalubridade. A integridade física e moral das pessoas em privação de liberdade é banalizada. Vai se assentando uma “cultura do encarceramento”, com a sobrerrepresentação negra naturalizada. Na medida em que o Estado se mantém inerte, legaliza a desigualdade e corrobora as irradiações do racismo estrutural”, destaca o texto o anuário.

    Presos sem condenação

    O documento do FBSP mostra ainda que houve diminuição proporcional dos presos provisórios – pessoas detidas sem condenação – no sistema prisional. Em 2020, eram 30,2% do total; em 2021, 28,5%; e agora, em 2022, 25,3%.

    “Podemos estar diante dos impactos da implementação cada vez mais consistente das audiências de custódia, cujo marco inaugural data de 2015. Mesmo com a diminuição a comemorar, ainda estamos falando de 210.687 pessoas privadas de liberdade sem que tenham sido condenadas”, diz o texto do anuário.

    Monitoramento eletrônico

    O anuário chama a atenção para o aumento do número de detentos como monitoramento eletrônico. Em 2019, eram 16.821 presos com monitoramento eletrônico (2,2% do total); em 2022, esse número foi para 51.897 (11% do total dos presos).

    De acordo com o documento, a mudança ocorreu principalmente em razão da Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2020, que recomendou adoção de medidas preventivas à propagação de covid-19 no sistema prisional.

    “O monitoramento eletrônico tem sido propalado como uma alternativa ao encarceramento. Tanto que é apresentado pelo CNJ como resposta hábil a lidar com os problemas estruturais do sistema carcerário. Contudo, a se considerar, que ao mesmo tempo em que esse expediente eletrônico preserva da privação de liberdade degradante, essa modalidade de cárcere impõe uma rotina de sobrevivência que impacta diretamente na autonomia, trazendo marcas simbólicas que estigmatizam a condição da pessoa encarcerada”, diz o texto do anuário.

    Edição: Valéria Aguiar

  • Preparador físico uruguaio é preso por racismo em jogo do Corinthians

    Preparador físico uruguaio é preso por racismo em jogo do Corinthians

    O preparador físico uruguaio Sebastian Avellino Vargas, do clube de futebol peruano Universitário, foi preso em flagrante na noite da última terça-feira (11). O profissional de 43 anos foi detido sob acusação de racismo contra torcedores do Corinthians durante a partida entre os times pela Copa Sul-Americana, na Neo Química Arena, zona leste da capital paulista. Os brasileiros venceram por 1 a 0.

    Conforme a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, o preparador físico fez gestos racistas, imitando um macaco, em direção à torcida do Timão. A ação, segundo a nota, chamou atenção de policiais militares que faziam a segurança no estádio e testemunhas teriam confirmado o ato do uruguaio.

    Vargas foi conduzido ao 65º Distrito Policial (DP), em Artur Alvim, também zona leste paulistana, onde o homem prestou depoimento, com auxílio de um tradutor. De acordo com a SSP, o caso foi registrado no 24º DP, na Ponte Rasa, zona leste, como preconceito de raça e cor.

    A audiência de custódia do uruguaio foi marcada para a tarde desta quarta-feira (12), no Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Segundo o Tribunal de Justiça, ainda não há previsão de horário para a sessão, que definirá se Vargas continuará detido ou será solto.

    Em maio do ano passado, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) aumentou o valor da multa ao clube que estiver envolvido em caso de racismo em competições organizadas pela entidade. O valor passou de US$ 30 mil para US$ 100 mil (cerca de R$ 480 mil, na cotação atual).

    Em janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.532, que tipifica a injúria racial como crime de racismo – que já era considerado delito no país pela Lei 7.716, de 1989. Com a sanção, a penalidade foi aumentada de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão.

    * Matéria atualizada às 13h45 para corrigir, no terceiro parágrafo, o Distrito Policial (DP) ao qual o preparador físico foi conduzido, inicialmente foi informado o 24º DP.

    Edição: Cláudia Soares Rodrigues

  • “Mesmo com vice negra, somos oprimidas”, diz escritora colombiana

    “Mesmo com vice negra, somos oprimidas”, diz escritora colombiana

    A escritora e jornalista colombiana Edna Liliana Valencia, de 37 anos de idade, apresentou, no último fim de semana, no Festival Latinidades, em Brasília, o seu recém-lançado livro “El Racismo Y Yo” (“O racismo e eu”). 

    Além de escritora, Edna atua como responsável pelo setor de imprensa da vice-presidência da Colômbia. Inclusive, a vice-presidente é uma mulher negra, Francia Márquez.

    “Temos uma vice-presidente rural, negra e mulher (…). Mesmo estando no poder ou tendo nele uma representação histórica, continuamos sendo violentadas, oprimidas, discriminadas, excluídas, marginalizadas e assassinadas impunemente”, denuncia.

    Vivências

    O “eu” do título do livro de Edna tem relação com o fato que ela mergulhou em vivências discriminatórias que enfrentou ao longo da vida, mas também busca esmiuçar impactos do racismo (que é diário) na vida  de outras mulheres negras. Edna foi reconhecida na Colômbia como âncora do canal France 24.

    Em relação a sua vivência, a escritora explica que desde criança verificou que seria necessário desconstruir padrões estéticos que recebia em que o conceito de beleza seria associado à imagem de pessoas brancas que os colombianos recebiam da Europa.

    Depois, como jornalista, entendeu que sua missão deveria ser de conscientizar colegas, pessoas entrevistadas e também o público sobre violências explícitas e sutis. “O racismo acaba se manifestando por meio até de sutil condescendência, subordinação, estereótipos e falta de empatia”, afirma em entrevista à Agência Brasil.

    Legislação evoluiu, mas…

    A jornalista considera que a legislação na Colômbia e no restante da América Latina tem evoluído para reduzir a vulnerabilidade de mulheres negras, mas que ainda não tem sido o suficiente.

    “Da mesma forma, existem ferramentas institucionais e organizacionais que contribuem para a luta, mas ainda estamos longe de garantir direitos para a maioria de nós”, enfatiza.

    Ela diz que o racismo no ambiente jornalístico é tão comum como em qualquer outro espaço profissional. um retrato do racismo estrutural marcante das Américas.

    A escritora entende que o sistema racista é dominante nas sociedades atuais. “Os sistemas racista e patriarcal são globais”, assinala.

    Para ela, o papel da mídia é o de denunciar e educar diariamente e ser efetivamente antirracista. “A mídia deve nos ensinar a desaprender os paradigmas de discriminação que aprendemos com a educação tradicional”, garante.

    Entrevista

    Confira abaixo trechos da entrevista que a escritora concedeu à Agência Brasil.

    Agência Brasil – Gostaria de saber o quão autobiográfico e jornalístico é o seu livro. Esses elementos são misturados?

    Edna Liliana Valencia – De fato, meu livro Racismo e Eu traz uma mistura entre elementos autobiográficos, periódicos, narrativos e poéticos. Devo dizer que não é uma biografia propriamente dita porque não se trata de contar detalhes da minha vida.

    Ao contrário, trata-se de relatar episódios específicos da minha vida com o objetivo de lançar luz sobre os impactos do racismo na vida das mulheres negras sob diferentes pontos de vista.

    Quanto à parte jornalística, inclui artigos, entrevistas e referências históricas que sustentam a narrativa e aportam diferentes vozes ao texto. E os poemas que se intercalam com os diferentes capítulos são o toque artístico deste livro que é muito informativo e muito fácil de ler.

    Agência Brasil – Como jornalista, você já enfrentou racismo em sua carreira? Com colegas ou com fontes?

    Edna Liliana Valencia – Diariamente. O racismo está presente no exercício jornalístico tanto quanto em qualquer outra área do conhecimento. Meus colegas jornalistas muitas vezes, consciente ou inconscientemente, deixam escapar expressões racistas. Inclusive, reproduzem essas expressões nas reportagens que colocam no ar ou nas redações. Ainda mais quando normalmente tenho sido a única ou uma das poucas jornalistas afro nas mídias em que atuei, o que também demonstra um racismo estrutural ainda mais denso do que o racismo cotidiano. O mesmo vale para fontes e audiências. Mesmo na atribuição de tópicos e funções. O racismo acaba se manifestando por meio até de sutil condescendência, subordinação, estereótipos e falta de empatia.

    Agência Brasil – Qual é a situação atual das mulheres negras em Bogotá e na Colômbia em geral? Elas são mais vulneráveis ​​do que as mulheres brancas?

    Edna Liliana Valencia – Claro, as mulheres afro-colombianas continuam vulneráveis ​​em comparação com as mulheres brancas e qualquer outro sujeito sociopolítico. É uma realidade impossível de mudar hoje onde nossas vidas continuam sendo impactadas por um sistema racista que domina tudo. Temos hoje uma vice-presidente rural, negra e mulher e vários ministros afro-colombianos e outras irmãs no congresso da República, o país está demonstrando com força o quão racista e violento pode ser. Mesmo estando no poder ou tendo nele uma representação histórica, continuamos sendo violentados, oprimidos, discriminados, excluídos, marginalizados e assassinados impunemente.

    Agência Brasil -. A legislação na Colômbia evoluiu para proteger as mulheres negras?

    Edna Liliana Valencia – Não podemos negar que, hoje, temos ferramentas que antes não tínhamos. Existe a lei antidiscriminação (número 1482 do ano de 2011) que deveria nos proteger tanto pelo fator racial quanto pelo fator patriarcal. Existem também outras leis contra feminicídio e maus-tratos. Da mesma forma, existem ferramentas institucionais e organizacionais que contribuem para a luta, mas ainda estamos longe de garantir direitos para a maioria de nós.

    Agência Brasil –  Como foi o processo de escrita do seu livro? Quanto tempo levou?

    Edna Liliana Valencia – Foi um processo muito eclético, aconteceu em partes às vezes e como um todo em outras. A primeira coisa que ficou pronta e registrada do livro foram os poemas. No entanto, eles não são todos da mesma época. Algumas poesias foram escritas há muitos anos, quando tinha 14 anos ou outras quando tinha 25. Outras escrevi especificamente para o livro e até houve algumas que ficaram de fora e isso me deixa muito triste. Espero publicá-los em livros futuros.

    Agência Brasil – Você entende que os desafios das mulheres negras na Colômbia, no Brasil e na América Latina são semelhantes?

    Edna Liliana Valencia – Sem dúvida são semelhantes, mesmo em diferentes países africanos e em contextos diaspóricos do norte global, as mulheres interseccionais vivenciam realidades muito semelhantes. E é óbvio porque o sistema racista e o sistema patriarcal são globais. No entanto, também existem condições particulares em cada país e em cada região. Tampouco seria saudável homogeneizar e perder de vista as histórias nacionais passadas e presentes (de cada país).

    Agência Brasil – Qual é o papel dos jornalistas e da mídia na luta contra o racismo?

    Edna Liliana Valencia – Tornar visível, representar, denunciar, educar, relacionar. Ser a memória viva do movimento antirracista interseccional afrofeminista. Nosso papel é essencial para o desenvolvimento dessa transformação tão necessária da sociedade global. A mídia deve nos ensinar a desaprender os paradigmas de discriminação que aprendemos com a educação tradicional. No entanto, devo dizer que estamos longe dessa realidade. Embora existam cada vez mais meios de comunicação feministas, a mídia tradicional ainda é mais nossa inimiga do que nossa amiga. Eles ainda não têm consciência (diretores e funcionários) do importante papel que têm nesse momento histórico, por isso, conscientizar também faz parte da nossa missão.

    Edição: Kleber Sampaio