Tag: racismo

  • Racismo influencia abordagem policial e processo por tráfico de droga

    Racismo influencia abordagem policial e processo por tráfico de droga

    As pessoas acusadas por tráfico de drogas em São Paulo são jovens, negras, pobres e moradoras das periferias. Essa população constitui o alvo da guerra às drogas por parte da segurança pública e da justiça criminal, segundo o relatório Liberdade Negra Sob Suspeita: o pacto da guerra às drogas em São Paulo, que avaliou 114 processos penais acompanhados pela Defensoria Pública, desde o inquérito até a execução da pena.

    O documento, divulgado nesta quinta-feira (23), foi produzido pela Iniciativa Negra, Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas e apoio do Núcleo Especializado de Situação Carcerária (Nesc) da Defensoria Pública do Estado.

    “Esse desequilíbrio em uma atuação a partir de um estereótipo, do racismo institucional ou estrutural, é uma questão que vai perpassando vários momentos do processo e da acusação dessa pessoa. A partir dessa abordagem policial, que diversos movimentos e pesquisadores têm questionado há muito tempo, [haverá] um perfilamento que vai ser racializado e definir o público alvo prioritário de abordagem policial. E vai ter como resultado também o desequilíbrio de representação racial no judiciário brasileiro”, disse Juliana Borges, coordenadora de articulação e incidência política da Iniciativa Negra.

    Pessoas negras correm mais risco de serem presas durante patrulhamento (56%) ou por investigação de denúncia anônima (52%) por crimes relacionados à Lei de Drogas, enquanto a maioria dos brancos é presa durante operações policiais (63%), o que demonstra tratamento diferente por parte de policiais a pessoas negras e pessoas brancas durante abordagens no estado de São Paulo.

    Tal diferença é relevante já que, para iniciar uma operação policial, deve haver investigação prévia, levantamento de informações sobre o acusado, possível acionamento da Polícia Civil, testemunhas, indícios e provas. O patrulhamento, no entanto, pode considerar definições não objetivas sobre o que seria uma atitude suspeita e ocorre em locais marcados como pontos de comércio de drogas.

    “O que percebemos é que a maioria das pessoas que estão sendo presas estavam com uma quantidade ínfima de substância [ilegal]. E essas pessoas não são grandes traficantes. Se a ideia do Estado é combater tráfico, essas ações policiais precisam estar mais baseadas em investigação, inteligência, produção de dados, evidências”, disse Borges.

    No entanto, ela afirma que o que se tem visto hoje é que as ações policiais estão ligadas ao uso de patrulhamento ostensivo, que é baseado na leitura dos policiais do que é ou não uma atitude suspeita. Segundo a pesquisa, resultam muitas prisões arbitrárias de pessoas negras.

    Polícia Militar

    A Polícia Militar do estado é apontada em 80% dos processos por agressões no momento da prisão; 66% dos relatos são de pessoas negras, ou seja, o dobro dos 33% informados por brancos. “As ações policiais são em sua maioria, arbitrárias, violadoras de direitos e violentas, levando a altos índices de letalidade entre as populações negras e os agentes de segurança pública, também em sua maioria, pessoas negras”, diz o documento.

    Segundo a pesquisa, há uma estrutura judicial e um sistema penal historicamente construído a partir de estatutos coloniais e escravocratas desde a abolição inconclusa no Brasil.

    O sistema de justiça criminal, por sua vez, legitima e perpetua uma lógica de encarceramento em massa que fortalece o crime organizado, impondo pessoas em conflito com a justiça criminal a um processo de desumanização através do cárcere, gerando consequências deletérias às famílias e comunidades negras e aos territórios periféricos”, acrescenta o relatório.

    Além disso, a pesquisa apontou que justificativas consideradas frágeis dadas pelas autoridades policiais durante a abertura do inquérito policial foram reforçadas e corroboradas por juízes no momento da análise dos casos e execução da pena. Em apenas 15 ocorrências foi confirmada a presença de testemunhas civis, enquanto em 99 ocorrências, ou seja, em 87% dos casos, a única testemunha do processo criminal é a própria autoridade responsável pela prisão.

    No estudo, foi observado um padrão de severidade adotado pelo judiciário nas penas relacionadas à Lei de Drogas no estado, explicitado pela maioria de condenações por tráfico privilegiado, que não é considerado crime hediondo pelo Código Penal Brasileiro, mas que aparece em 33% dos processos equiparadas à crimes de maior gravidade para justificar as penas em regime fechado e uma multa cumulada de um a 200 dias multas, o que pode chegar a R$ 7.272,00.

    O relatório ressalta que, embora a Lei de Drogas não prevê a pena de prisão para o usuário de substâncias consideradas ilícitas, a falta de critérios objetivos para a distinção entre usuário e traficante, levou ao longo dos anos a um aumento exponencial no encarceramento em massa no país.

    Perfil

    Os dados apontam ainda que 54% das pessoas presas nos processos analisados eram negras. A maior parte dos presos é jovem, sendo 58% com idade entre 18 e 21 anos, e não tem antecedentes criminais – 51% são réus primários.

    Além disso, 54% dos presos estavam desempregados no momento da prisão; 40% alegou ter uma ocupação profissional e, destes, 65% realizavam serviços gerais ou atuavam como técnicos de manutenção.

    Sobre a renda das pessoas encarceradas que declararam ter alguma ocupação remunerada, 28% tinham rendimentos acima de R$ 1.500, contra um total de 66% de pessoas que não conseguiam chegar a este rendimento por mês. Cerca de 7% dos processos não continham informações sobre a renda.

    Quando se compara o grau de escolaridade dos acusados, a vantagem é dos brancos, já que 62% deles cursaram todo o ensino médio, enquanto só 39% dos negros completaram essa etapa do ensino. A maioria das pessoas negras acusadas pela Lei de Drogas no estado não chegou a completar o ensino fundamental — o equivalente a 71% dos casos.

    Edição: Valéria Aguiar
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  • Fiocruz projeta frases antirracistas em castelo sede da fundação

    Fiocruz projeta frases antirracistas em castelo sede da fundação

    Já acostumado a receber iluminação com cores especiais em datas temáticas, o Castelo Mourisco, ícone arquitetônico no Rio de Janeiro e sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), recebe nesta segunda-feira (20), Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, projeção de frases antirracistas.

    “Desta vez, nós resolvemos inovar e projetar frases que têm o objetivo de fomentar e provocar reflexões na sociedade com relação às questões que envolvem o racismo”, explica Hilda Gomes, da Coordenação de Equidade, Diversidade, Inclusão e Políticas Afirmativas (Cedipa/Fiocruz), criada em março deste ano.

    As frases Ações afirmativas já, Racismo é crime, Fiocruz antirracista, Pela saúde da população negra, Ancestralidade e Resistência podem ser vistas por quem passa pela Avenida Brasil, principal via que liga a região central do Rio de Janeiro às zonas norte e oeste da cidade.

    “Uma oportunidade importante para dar visibilidade às pautas do movimento negro e mostrar o compromisso da Fiocruz com as práticas antirracistas. Vidas negras importam!”, disse Roseli Rocha, representante da Cedipa.

    Roseli lembra que a população negra tem os piores índices em questões relacionadas à violência, mercado de trabalho e saúde.

    “Há uma quantidade imensa de mulheres negras que sofrem violência obstétrica e elas também têm altos índices de mortalidade materna, entre tantos dados que revelam o racismo estrutural”, exemplifica.

    “A gente sabe que tem que combater e enfrentar as violências o ano todo. Estamos tentando fortalecer e potencializar o novembro negro. Infelizmente, o Brasil ainda é um país que tem muito racismo. Essas ofensas, que acabam repercutindo em violências concretas e simbólicas, acabam adoecendo a população negra”, observa Hilda Gomes.

    Carta aberta

    Também nesta segunda-feira, o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, divulgou uma carta aberta à sociedade para manifestar o compromisso da instituição com a promoção da igualdade racial.

    “Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, manifestamos o compromisso renovado da Fundação Oswaldo Cruz com a promoção da igualdade racial, diversidade, políticas inclusivas e com o enfrentamento ao racismo estrutural. Na Fiocruz, reconhecemos a importância dessas dimensões para o avanço da ciência e da saúde pública. É fundamental refletirmos sobre as desigualdades históricas que persistem em nossa sociedade e que, inaceitavelmente, comprometem o acesso a oportunidades e serviços para grande parte da população brasileira”, diz trecho da carta.

    Edição: Fernando Fraga
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  • Entenda o papel do Estado no combate ao racismo no Brasil 

    Entenda o papel do Estado no combate ao racismo no Brasil 

    O Brasil foi o último país do planeta a abolir a escravidão e, ao invés de reparar os ex-escravizados, criou dificuldades para inclusão do negro na nova economia baseada no trabalho assalariado. A imigração europeia para as áreas econômicas mais prósperas do país e a Lei de Terras, de 1850, que limitou o acesso à terra da população pobre, contribuíram para impedir a ascensão social da população negra.

    “Com a imigração massiva, os ex-escravos vão se juntar aos contingentes de trabalhadores nacionais livres que não têm oportunidades de trabalho senão nas regiões economicamente menos dinâmicas, na economia de subsistência das áreas rurais ou em atividades temporárias, fortuitas, nas cidades”, explicou Mário Theodoro, economista que estudou a formação do mercado de trabalho no Brasil sob a ótica racial.

    A ausência da reparação pelos mais de 350 anos de escravidão no Brasil e as estatísticas que comprovam que a população negra mantém os piores indicadores sociais e econômicos são os argumentos usados para que o Estado assuma seu papel na luta pela igualdade racial.

    Brasília (DF) 20/11/2023 – Pesonagem Mário Theodoro - Entenda o papel do Estado no combate ao racismo no Brasil Foto: Mário Theodoro/Arquivo Pessoal
    20/11/2023 – Pesonagem Mário Theodoro – Entenda o papel do Estado no combate ao racismo no Brasil Foto: Mário Theodoro/Arquivo PessoalBrasília

    Para a representante da Coalizão Negra por Direitos Ingrid Farias, o Estado tem papel central no combate ao racismo e à desigualdade. “É o Estado quem regula nossas relações sociais. O Estado está ligado à nossa dinâmica de mobilidade urbana, de saúde, está ligado à dinâmica territorial dentro dos nossos bairros, a economia também é o Estado que regula em parceria com o mercado”, justificou.

    A pesquisadora de gênero, raça e participação política na América Latina acrescentou que sem o Estado não é possível influenciar as estruturas da sociedade. “Por exemplo, várias empresas hoje têm políticas afirmativas de contratação de pessoas negras e isso é fruto da reflexão que o Estado vem provocando junto com a sociedade e que a sociedade vem provocando junto ao Estado brasileiro”, observou.

    Brasília (DF) 20/11/2023 – Pesonagem Ingrid Farias - Entenda o papel do Estado no combate ao racismo no Brasil Foto: Ingrid/Arquivo Pessoal
    Brasília – Ingrid Farias é representante da Coalizão Negra por Direitos – Foto Ingrid Farias/Arquivo Pessoal

     

    Institucionalização da política contra o racismo

    Apesar de algumas iniciativas legislativas e da criação de conselhos locais contra o racismo, foi somente 115 anos após a abolição que o Brasil criou um órgão federal para elaboração e execução de políticas contra o racismo. Em março de 2003, foi inaugurada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

    “De fato, mexer com políticas públicas para a questão racial foi com a Seppir. Antes disso não tinha nada. Havia algumas intenções, algumas legislações, mas não existiam órgãos que mexiam com política pública. Tinha alguns conselhos estaduais, como o de São Paulo, mas órgãos e secretarias não existiam”, destacou.

    Desmonte da política racial

    Levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que as políticas para igualdade racial foram reduzidas pelo governo de Jair Bolsonaro. O Plano Plurianual (PPA) de 2019 a 2023, que contempla os programas e ações do governo para o período, excluiu a temática da igualdade racial, que teve os programas absorvidos por outras políticas mais amplas de direitos humanos.

    Já o orçamento executado para igualdade racial caiu de R$ 18,7 milhões, em 2019, para R$ 6,94 milhões, em 2022. “Enquanto o governo deixou de financiar a política de igualdade racial, o Brasil seguiu com os piores indicadores para a população negra, que, com o passar dos anos, não têm melhorado. A população negra representa 75% no grupo dos 10% mais pobres, sendo que compõe 56% da população total”, afirma o Inesc.

    Ministério da Igualdade Racial

    Com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a questão racial voltou a figurar no primeiro escalão por meio da criação do Ministério da Igualdade Racial (MIR). Enquanto no PPA anterior não existia menção ao público negro e ao racismo, o projeto de PPA para 2024 a 2027 contemplou o tema em 39 programas.

    O novo PPA prevê que a igualdade racial seja uma agenda transversal que deve estar presente em todas as políticas públicas. Para 2024, a previsão é que o MIR tenha um orçamento de R$ 110 milhões, segundo projeto enviado pelo governo ao Congresso.

    A assessora do Inesc Carmela Zigoto considera que “é um recurso extremamente pequeno considerando o tamanho do problema e também o tamanho do orçamento público. É um recurso insuficiente se considerarmos os trilhões do orçamento”.

    Por outro lado, Zigoto ponderou que o MIR é um ministério meio, que tem o papel de articular e fomentar políticas antirracistas com os ministérios que prestam serviço em massa para população, como os da Saúde, Educação e Justiça e Segurança Pública.

    “Qualquer política pública precisa pensar nos impactos que ela vai gerar no enfrentamento ao racismo. Todos os ministérios têm que estar preocupados com isso e não só o MIR. É importante o MIR existir para coordenar e fomentar a igualdade racial com as outras pastas”, destacou.

    A coordenadora da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Cleusa Silva, defendeu que as políticas contra o racismo devem ter orçamento compatível com o tamanho da população negra do país. Dados recentes do IBGE indicam que cerca de 57% da população se declaram pretos ou pardos no Brasil.

    Coordenadora da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Cleusa Silva. Foto: Arquivo Pessoal
    Coordenadora da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Cleusa Silva. Foto: Arquivo Pessoal

    “É preciso agora ter orçamento que, de fato, contemple essa desigualdade crônica e sistêmica existente na população negra brasileira. Você elabora uma política pública, mas ela é mal dimensionada e não tem o orçamento público que garanta sua efetividade”, afirmou.

    Edição: Graça Adjuto
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  • Negros se reuniam no Sul para refletir sobre a dor do racismo

    Negros se reuniam no Sul para refletir sobre a dor do racismo

    “Treze de maio/ traição/ liberdade sem asas e fome sem pão/ Liberdade de asas quebradas (…)”. Os versos do poeta gaúcho Oliveira Silveira (foto) (1941-2009) eram mais do que uma inspiração momentânea. Poesia e prosa se uniam em um caminho de luta. O escritor e professor fazia parte de um grupo de intelectuais negros que se reunia no centro de Porto Alegre para refletir sobre arte, cultura e a dor do racismo. O grupo, que nasceu em 1970, ganhou o nome de Palmares. Segundo pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, seus integrantes faziam parte de uma geração que queria ressignificar a luta antirracista.

    Em meio a discussões efervescentes, eles lembraram que o 13 de maio (que tem referência com a abolição da escravatura em 1888), não os representava. Para eles, seria uma outra data que precisaria de destaque especial: o 20 de novembro (da morte de Zumbi dos Palmares, de 1655-1695). Esse, sim, haveria de ser o Dia da Consciência Negra. Nascia ali naquelas conversas o caminho para uma data nacional, feriado nesta segunda-feira (20) em seis estados e em pelo menos 1.260 cidades.

    Legado

    “Eu fui criada no meio do movimento negro, das reuniões, dos grupos dos quais meu pai fez parte. Essa foi a minha vida. Meu pai faleceu, mas deixou de herança todo o seu legado, toda a sua história de luta”, recorda a professora Naiara Rodrigues Silveira, de 54 anos, filha única do poeta Oliveira Silveira. Ela, que se identifica também como ativista pelos direitos e causas raciais, carrega os argumentos do pai na luta pela melhoria das condições de vida de pessoas negras.

    O poeta Oliveira Silveira foi um dos pensadores e era fichado pela ditadura - Naiara Silveira. Foto: Instituto Oliveira Silveira/Divulgação
    O poeta Oliveira Silveira foi um dos pensadores e era fichado pela ditadura – Naiara Silveira. Foto: Instituto Oliveira Silveira/Divulgação”Meu pai deixou de herança todo o seu legado, toda a sua história de luta”, diz a professora Naiara Silveira. Foto – Instituto Oliveira Silveira/Divulgação

    “É uma luta que faz parte da minha vida”, diz a professora, que trabalha com educação de surdos na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. “Como militante, cabe a mim dar continuidade aos projetos que ele me deixou: Associação Negra de Cultura e agora o Instituto Oliveira Silveira”, afirma. Naiara era uma criança quando houve a primeira reunião do grupo Palmares. Ela estava presente correndo de um lado para outro. No dia 20 de novembro de 1971, os integrantes do grupo apresentaram à comunidade que aquela data poderia trazer um novo significado de luta ao país.

    Ela argumenta que o pai sempre foi uma pessoa reconhecida em Porto Alegre, mas, após a sua morte, todo o trabalho dele passou a ser mais reconhecido. Nesta segunda-feira, a família de Oliveira Silveira vai receber, em nome do escritor, o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Cultura contra o racismo

    Pesquisadora dessa história, a professora Petronilha Gonçalves e Silva, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), argumenta que a proposta feita pelo Grupo Palmares ganhou força com as poesias, mas também com os artigos científicos escritos pelos professores e estudantes.

    A primeira reunião do grupo teve Oliveira Silveira, Antônio Carlos Cortes, Ilmo da Silva e Vilmar Nunes. O próprio Silveira escreveu – em publicação de 2003 – que a ideia do grupo Palmares era cultural, mais propriamente para literatura e teatro. Mas eles foram além disso.

    Os detalhes dessa história estão em obra escrita pela professora Petronilha em parceria com o sociólogo Valter Roberto Silvério, também docente da Ufscar, publicada em 2003 pelo MEC.

    Ditadura e resistência

    O movimento – nascido no início da década de 1970 – um dos momentos mais violentos da ditadura militar brasileira, pós-adoção do Ato Institucional número 5 (AI-5,) – era reconhecido também como uma ação de resistência em meio à revogação de liberdades individuais.

    “O 13 de maio era uma data que não nos representava e, por isso, [eles] celebraram, desde 1971, o primeiro 20 de novembro. O celebrar não tem o sentido de comemorar, mas de lembrar”, enfatiza. O professor Valter Silvério chama atenção para o fato de que o governo militar estava atento aos movimentos negros no Brasil, tanto do campo como das cidades.

    Seriam esses movimentos que poderiam escancarar a falta de políticas públicas. “O próprio Oliveira Silveira era uma pessoa fichada no departamento de política. Várias pessoas (do movimento negro) eram observadas. Havia, sim, vigilância sobre o escritor e sobre o grupo Palmares e vários outros grupos negros no Brasil”, sustenta.

    Impactos educacionais

    Segundo o professor Silvério, a escolha da data leva em conta que os descendentes africanos lutam no Brasil contra um regime de expropriação do seu trabalho, mas também exploração da sua cultura.

    “Nós pudemos reconstituir a história do negro. O movimento se organiza a partir de uma perspectiva de que a população negra, independente do acontecimento, tem uma importância na formação social brasileira. Não dá para você entender o que é o Brasil, especialmente no sentido positivo, sem considerar a presença das culturas africanas no Estado brasileiro”, afirma Silvério.

    Ele aponta que o movimento contra o preconceito, encontrando datas simbólicas, também tem por finalidade reparar o impacto na formação das crianças e jovens.

    O movimento na década de 1970, segundo a professora Petronilha, também impactou o processo educacional e a luta antirracista nas salas de aula. “No século 20, eram as professoras negras que faziam nas suas classes a luta antirracista”, observa. Petronilha diz que as dificuldades têm que ser reconhecidas e analisadas para que sejam superadas.

    As datas ajudam, então, a mobilizar múltiplos grupos para entender sobre assuntos que não são simples, mas que precisam de maior visibilidade. “Há uma pergunta fundamental. Que nação nós queremos? Para que nação nós trabalhamos ou estudamos? Para que nação nós, professores, pais, pessoas adultas, estamos educando?”, questiona a professora.

    Escravidão

    Segundo a pesquisadora, celebrar a data tem a finalidade de proporcionar discussões sobre a escravidão para que a violência nunca mais se repita. Mesmo assim, a realidade ainda não é completamente alterada.

    “Infelizmente, sabemos que ainda hoje há pessoas trabalhando no campo praticamente em situação de escravizadas, em condições muito ruins de alojamento, alimentação, dificuldade de receber salários, medo de se deslocar, de decidir se quer ir ou ficar”, enfatiza.

    Para garantir a conscientização, os pesquisadores consideram fundamental que exista o feriado [de 20 de novembro]. “É importante porque marca uma data que seja significativa para a nação ou para o projeto de nação que se tem”, acentua. Ou, como escreveu Oliveira Silveira: “batucamos no seu mapa/…quem sabe nem com isso e então vamos rasgar/a máscara do treze (de maio)/para arrancar a dívida real/com nossas próprias mãos”.

    Edição: Kleber Sampaio
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  • A cada 100 mortos pela polícia em 2022, 65 eram negros, mostra estudo

    A cada 100 mortos pela polícia em 2022, 65 eram negros, mostra estudo

    O número de pessoas mortas pela polícia em apenas oito estados brasileiros chegou a 4.219 em 2022. Desse total, 2.700 foram considerados negros (pretos ou pardos) pelas autoridades policiais, ou seja, 65,7% do total. Se considerados apenas aqueles com cor/raça informada (3.171), a proporção de negros chega a 87,4%.

    Os dados são do estudo Pele Alvo: a Bala não Erra o Negro, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), e divulgado nesta quinta-feira (16), com base em estatísticas fornecidas pelas polícias do Rio de Janeiro, de São Paulo, da Bahia, de Pernambuco e do Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI).

    Dos oito estados, apenas o Maranhão não informou a cor/raça de qualquer um dos mortos. Já nos estados do Ceará e Pará, há um grande número de mortos sem identificação de cor/raça: 69,7% e 66,2% do total, respectivamente.

    Os dados mostram que a polícia baiana foi a mais letal no ano passado, com 1.465 mortos (1.183 tinham cor/raça informada). Desse total, 1.121 eram negros, ou seja, 94,8% daqueles com cor/raça informada, bem acima da parcela de negros na população total do estado (80,8%), segundo a pesquisa, feita com base em dados do Instituto Brasileiro e Geografia e Estatística (IBGE).

    Aliás, isso ocorre em todos os sete estados que informaram a cor/raça de parte das vítimas. No Pará, por exemplo, 93,9% dos mortos com cor e raça identificadas eram negros, enquanto o percentual de negros na população é de 80,5%, de acordo com o estudo.

    Os demais estados apresentaram as seguintes proporções de mortes de negros entre aqueles com cor/raça informada e percentuais de negros na população: Pernambuco (89,7% e 65,1%, respectivamente), Rio de Janeiro (87% e 54,4%), Piauí (88,2% e 79,3%), Ceará (80,43% e 71,7%) e São Paulo (63,9% e 40,3%).

    Racismo

    “Os negros são a grande parcela dos mortos pelos policiais. Quando se comparam essas cifras com o perfil da população, vê-se que tem muito mais negros entre os mortos pela polícia do que existe na população. Esse fator é facilmente explicado pelo racismo estrutural e pela anuência que a sociedade tem em relação à violência que é praticada contra o povo negro”, diz o coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Pablo Nunes.

    Nunes também destaca que há falta de preocupação em registrar a cor e raça dos mortos pela polícia em estados como Maranhão, Ceará e Pará. “A dificuldade de ser transparente com esses dados também revela outra face do racismo, que é a face de não ser tratado com a devida preocupação que deveria. Se a gente não tem dados para demonstrar o problema, a gente ‘não tem’ o problema e, se ‘não há’ problema, políticas públicas não precisam ser desenhadas.”

    O estudo mostrou ainda que, neste ano, a Bahia ultrapassou o Rio no total de óbitos (1.465 contra 1.330). Em terceiro lugar, aparece Pernambuco, com 631 mortes. “Isso significa um cenário de degradação das forças policiais baianas e um processo de falta de políticas públicas de ação do governo estadual para lidar com essa questão, elencando-a como prioridade e estabelecendo metas e indicadores de redução dessa letalidade por parte das forças policiais”, afirma Nunes.

    Segundo a Rede de Observatórios, a quarta edição do estudo demonstra o crescente nível da letalidade policial contra pessoas negras. “Em quatro anos de estudo, mais uma vez, o número de negros mortos pela violência policial representa a imensa maioria. E a constância desse número, ano a ano, ressalta a estrutura violenta e racista na atuação desses agentes de segurança nos estados, sem apontar qualquer perspectiva de real mudança de cenário”, afirma Silvia Ramos, pesquisadora da rede.

    Segundo ela, é preciso entender esse fenômeno como uma questão política e social. “As mortes em ação também trazem prejuízos às próprias corporações que as produzem. Precisamos alocar recursos que garantam uma política pública que efetivamente traga segurança para toda a população”, completa.

    Posicionamentos

    A Secretaria de Segurança de São Paulo informou, por meio de nota, que as abordagens da Polícia Militar obedecem a parâmetros técnicos disciplinados por lei, que criou a Divisão de Cidadania e Dignidade Humana e que seus protocolos de abordagem foram revisados. Além disso, oferece cursos para aperfeiçoar seu trabalho – nos cursos de formação, os agentes estudam ações antirracistas.

    Uma comissão analisa todas as ocorrências por intervenção policial e se dedica a ajustar procedimentos. A Polícia Civil paulista busca “estabelecer diretrizes e parâmetros objetivos, racionais e legais, sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, origem, onde o policial civil, no desempenho da sua atividade”.

    A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informa que, de janeiro a outubro de 2023, o estado alcançou redução de 22% nas mortes por intervenção de agentes do Estado, se comparado ao mesmo período de 2022, quando foram registrados, respectivamente, 440 e 569 casos em todo o Pará. A Segup ressalta que as ocorrências são registradas no Sistema Integrado de Segurança Pública pela Polícia Civil e que o campo “raça/cor” não é de preenchimento obrigatório, sendo a informação de natureza declaratória por parte de parentes ou da vítima no momento do registro.

    Na Bahia, a Secretaria da Segurança Pública ressalta que as ações policiais são pautadas dentro da legalidade e que qualquer ocorrência que fuja dessa premissa é rigorosamente apurada e todas as medidas legais são adotadas. A secretaria informa que investe constantemente na capacitação dos efetivos e também em novas tecnologias, buscando sempre a redução da letalidade e a preservação da vida.

    Para tanto, foi criado um grupo de trabalho voltado para a discussão e criação de políticas que auxiliem na redução da letalidade policial, promovendo uma análise mais aprofundada das informações provenientes dessas ocorrências, como o perfil das pessoas envolvidas, contextualização e região, entre outros dados que possam colaborar para a redução desses índices. A secretaria destaca ainda que a maioria dos acionamentos policiais se dá a partir dos chamados via 190 (Centro Integrado de Comunicações) e 181 (Disque Denúncia), além das operações para cumprimentos de mandados determinados pela Justiça.

    No Rio de Janeiro, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que, em todos os cursos de formação e aperfeiçoamento de praças e oficiais, a corporação insere nas grades curriculares como prioridade absoluta disciplinas como direitos humanos, ética, direito constitucional e leis especiais. A questão racial perpassa, de forma muito incisiva, por todas essas doutrinas na formação dos quadros da corporação.

    De acordo com a assessoria, internamente, a Polícia Militar do Rio de Janeiro tem feito a sua parte para enfrentar o desafio do racismo estrutural ao longo de mais de dois séculos. Foi a primeira corporação a oferecer a pretos uma carreira de Estado, e hoje mais de 40% do seu efetivo é composto por afrodescendentes.

    A instituição orgulha-se também de seu pioneirismo em ter pretos nos postos de comando. O coronel PM negro Carlos Magno Nazareth Cerqueira comandou a corporação durante duas gestões, nas décadas de 1980 e 1990, tornando-se uma referência filosófica para toda a tropa, ao introduzir os conceitos de polícia cidadã e polícia de proximidade. No decorrer dos últimos 40 anos, outros oficiais negros ocuparam o cargo máximo da corporação.

    A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará informa que, de acordo com os dados compilados pela Gerência de Estatística e Geoprocessamento da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública, de janeiro a outubro deste ano, foram registradas 122 mortes por intervenção policial, com queda de 5,4% na comparação com o mesmo período de 2022 (129 casos). No ano passado inteiro, foram 152 casos.

    Sobre o preenchimento do campo raça/cor na coleta dos dados de vítimas, a secretaria informa que o novo sistema de informações da Polícia Civil do estado está em fase de testes, sendo usado em duas delegacias especializadas. Segundo a pasta, todos os profissionais da segurança pública participam cursos que oferecem disciplinas relacionadas a protocolos humanizados para atendimento às ocorrências. Além disso, a pasta ressalta que todos os casos de morte decorrente de intervenção policial são investigados com o rigor necessário.

    A Agência Brasil entrou em contato com as polícias dos outros estados e aguarda os posicionamentos.

    *Texto ampliado às 16h40 do dia 16 de novembro de 2023

    Edição: Nádia Franco
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  • Lucas do Rio Verde: Palestra aborda igualdade racial

    Lucas do Rio Verde: Palestra aborda igualdade racial

    A igualdade racial foi tema de uma palestra promovida pelo recém-criado Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial em parceria com a Secretaria de Assistência Social e Habitação de Lucas do Rio Verde. A palestra foi proferida pelo presidente do Conselho Estadual de Promoção e Igualdade Racial de Mato Grosso, Carlos Alberto Caetano.

    O público foi formado basicamente por estudantes e servidores públicos. De acordo com a presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, Gabrielle Ponciano, a realização da palestra serviu para uma reflexão a respeito da temática abordada. “Poder pensar juntos, refletir, pensar ações. Estou muito feliz porque é assim que a gente avança para uma sociedade mais justa e que consegue acolher todas e todos, independentemente da cor, da etnia, da religião”.

    A secretária adjunta de Assistência Social e Habitação, Débora Carneiro, observou que Lucas do Rio Verde, município colonizado por migrantes vindos do sul do país, vem mudando seu perfil populacional ao longo dos anos. Hoje, além das tradições gaúchas, costumes do norte e nordeste vêm trazendo mais riqueza cultural. “A gente precisa trabalhar no sentido da igualdade, sem distinção, de raça, sem distinção de cor, sem distinção de gênero ou de opção sexual”, disse, na abertura do evento.

    Débora lembrou que a criação do Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial foi tomada no ano passado, durante visita do palestrante Carlos Alberto Caetano. “Ele veio e trouxe para nós a importância da instituição de um conselho da igualdade racial e naquele instante nós ouvimos tudo o que ele tinha para falar, tudo que ele nos colocou com a experiência que ele tem, de todo o conhecimento que ele tem”, comentou.

    O vice-presidente da Câmara Municipal, Daltro Figur, enalteceu a importância da realização do evento, mas lamentou a necessidade de buscar direitos já assegurados na Constituição Federal. “Por parte da Câmara de Vereadores queremos dar o maior apoio a todos esses eventos que fazem o bem para a sociedade. Que bom que nós temos essa liberdade de procurarmos os nossos direitos. Isso é que é importante”, ressaltou.

    O palestrante defendeu a discussão de políticas públicas para garantir o combate ao racismo. Carlos Alberto Caetano disse que o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial tem o papel de levar os municípios à construção dos concelhos municipais. “Lucas inaugurou agora o seu conselho municipal, nós fizemos a capacitação dos conselheiros, dialogando com os conselheiros, e nós esperamos deixar um pouco a discussão sobre o conceito de racismo, porque essa luta para que possa diminuir as relações é racializadas na sociedade por conta de que nós temos consequências diversas em relação a isso”.

    Carlos Alberto lembrou que 56% da população brasileira é formada por negros e pardos, reforçando a necessidade de implantação de políticas específicas para reduzir as desigualdades existente através dos anos. “Mas nós temos ainda pesquisas, como aconteceu em 2001, agora pelo Senado, em que apresenta a realidade de nós termos 67 jovens negros assassinados por dia. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado. Os últimos dados dos censos mostram que a mulher negra, ela aparece no pico dos indicadores de feminicídios. Há uma diferença salarial muito discrepante dentro do mercado de trabalho, quando se relaciona pessoas negras e não negras. Nós somos uma sociedade que, embora até tenha acontecido a chamada libertação, ‘entre aspas’, a gente continua vivendo uma condição de escravizados numa sociedade moderna e o que está se alterando é a forma com que o racismo acontecia e a gente precisa tratar também dos problemas que são problemas históricos nesse país”, defendeu.

    Alunos da Alcateia Capoeira participaram da cerimônia de abertura.

  • Maria Beatriz Nascimento entra no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria

    Maria Beatriz Nascimento entra no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria

    A ativista na luta pelos direitos de negros e mulheres Maria Beatriz Nascimento teve seu nome inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, onde estão os nomes de pessoas que se destacaram na história do Brasil. A Lei 14.712/2023, aprovada pelo Congresso Nacional e publicada no Diário Oficial da União, formaliza a homenagem póstuma.

    Nascida em Aracajú, no ano de 1942, em uma família de dez filhos, Maria Beatriz, foi morar no Rio de Janeiro ainda criança. Com muita dedicação aos estudos, enfrentou as limitações financeiras e, em 1971, formou em história, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lecionou na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro e chegou a ingressar no curso de mestrado em Comunicação Social, na UFRJ.

    Como historiadora, pesquisou sobre a formação de quilombos, a resistência cultural negra e o racismo, temas sobre os quais escreveu inúmeros artigos, enquanto militava no movimento negro.

    Em 1981 fundou o Grupo de Trabalho André Rebouças, enquanto estudava sistemas alternativos organizados exclusivamente por negros, em uma especialização latu sensu, na Universidade Federal Fluminense.

    No final de década de 1980 escreveu e narrou o documentário Ôrí (1989), no qual relata a trajetória dos negros no Brasil e as lutas sociais travadas contra os mecanismos raciais deixados pela herança escravagista.

    Maria Beatriz foi assassinada em 1995, no Rio de Janeiro, pelo companheiro violento de uma amiga, após aconselhar a separação.

    Com a homenagem à Maria Beatriz, o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria passa a reunir 67 nomes, como o de Zumbi de Palmares, Francisco José do Nascimento, Antonieta de Barros, Luiz Gama e Laudelina de Campos Melo.

    Também conhecido como Livro de Aço, a obra fica no centro da capital federal, no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes.

    Edição: Denise Griesinger
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  • Deputada Renata Souza da Alerj denuncia racismo em plataformas de IA

    Deputada Renata Souza da Alerj denuncia racismo em plataformas de IA

    A deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ), da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), denuncia o racismo nas plataformas de inteligência artificial. Ela, que é presidenta da CPI do Reconhecimento Fotográfico nas Delegacias, disse que foi surpreendida pelo racismo algorítmico, ao criar uma arte inspirada nos pôsteres de desenho animado.

    Ao gerar uma imagem baseada em sua autodescrição, a deputada Renata Souza foi apresentada a uma ilustração que trazia uma mulher negra segurando uma arma em uma favela. Ela disse que essa imagem comprova que as inteligências artificiais são racistas.

    “Em momento nenhum eu falei sobre armas. Em momento nenhum eu falei sobre violência. Eu falei sobre mulher negra em uma favela. E aparece uma mulher negra com uma arma na mão. Ou seja: o racismo algorítmico está aí. Essa lógica de criminalização das pessoas negras desses territórios de favela e periferia, ela também está nos algoritmos. Eu presido a CPI do Reconhecimento Fotográfico já vi o tanto que essa inteligência artificial, essas inteligências faciais utilizam também um algoritmo que é racista, que vai reconhecer o negro, o pobre, o jovem como possível criminoso.”

    Renata Souza informou que analisa medidas cabíveis de encaminhamento da denúncia e que vai buscar um canal de diálogo com a direção da empresa que produz o aplicativo gerador dessas imagens.

    Racismo algorítmico!

    Ao criar uma arte inspirada nos pôsteres da Disney, me deparei com uma imagem gerada a partir de Inteligência Artificial que me retratava como uma mulher negra com uma arma na mão. A descrição pedida era de uma mulher negra, de cabelos afro, com roupas de… pic.twitter.com/Eq84l9gBbU

    — Renata Souza (@renatasouzario) October 26, 2023

    Desde o dia 19 de outubro, uma lei estadual impede que o reconhecimento fotográfico seja usado como única prova em pedidos de prisão de investigados no Rio de Janeiro.
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  • Racismo afeta saúde desde o nascimento até a morte, diz especialista

    Racismo afeta saúde desde o nascimento até a morte, diz especialista

    A população negra brasileira tem os piores indicadores relativos a emprego, renda, educação e participação política quando comparada ao grupo de pessoas brancas. Apresenta também índices desfavoráveis relacionados à vitimização pela violência. Quando são avaliadas as condições de saúde, mais uma vez os negros fica em posição desvantajosa, com piores incidências de determinados males e doenças.

    Dados do boletim Saúde da População Negra, apresentados na segunda-feira (23) pelos ministérios da Saúde e da Igualdade Racial, confirmam que questões como mortalidade materna, acesso a exames pré-natais e doenças infectocontagiosas se mostram mais severas na população negra.

    No Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, celebrado em 27 de outubro, a Agência Brasil traz a avalição de especialistas que dedicam esforços profissionais e acadêmicos para a promoção da saúde deste grupo, que representa mais da metade da população do país. De acordo com o IBGE, 56% dos brasileiros se reconhecem como negros – somatório de pessoas pretas e pardas.

    Do nascimento à morte

    Brasília (DF) 25/10/2023 – Andrea Ferreira, pesquisadora da Associação de Pesquisa Lyaleta e Cidacs. Racismo afeta a saúde desde o nascimento até a morte. Foto: Fiocruz/Divulgação
    Brasília (DF) 25/10/2023 – Andrea Ferreira, pesquisadora da Associação de Pesquisa Lyaleta e Cidacs. Racismo afeta a saúde desde o nascimento até a morte. Foto: Fiocruz/Divulgação
    Andrêa Ferreira: racismo é “determinante social estrutural que condiciona a vida da população negra”. Foto: Fiocruz/Divulgação

    Uma explicação para os dados considerados preocupantes é o racismo. Segundo Andrêa Ferreira, pesquisadora da Associação de Pesquisa Iyaleta, há várias evidências que colocam o racismo como “determinante social estrutural que condiciona a vida da população negra”. Para ela, o preconceito acompanha essa população desde antes do nascimento até a forma pela qual morre.

    “Quando a gente olha os dados de mortalidade materna, a gente sabe que as taxas são maiores entre as mulheres negras. Quando a gente olha a mortalidade por causas externas, por exemplo, que inclui acidentes e por arma de fogo, ela se concentra na população negra. Então, o racismo faz todo esse percurso de interferir na possibilidade de nascer, crescer e viver”, afirma a pesquisadora que também faz parte do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da Fiocruz Bahia.

    “O racismo condiciona a vida das pessoas negras em todas as suas fases, desde a possibilidade de terem um parto adequado, de nascerem vivas até a forma como morrem”.

    Na avaliação da Andrêa, uma vez que a pessoa negra consegue romper barreiras que a afastam do serviço de saúde, começa outro problema. “Você tem um tratamento desigual quando a gente compara as pessoas brancas e as negras. Você tem o viés racial implícito, o preconceito e as discriminações pautando a forma como as pessoas negras são tratadas”. A pesquisadora considera que essa forma de racismo prejudica a forma de acolhimento, tratamento, oferta de exames e, consequentemente, o diagnóstico de doenças.

    “Temos estudos que mostram como o racismo em suas manifestações retarda, por exemplo, o diagnóstico da sífilis gestacional no Brasil”, cita.

    O estudo do Ministério da Saúde revela que 70% das crianças com sífilis congênita – transmitida para a criança durante a gestação – são filhas de mães negras.

    Para Andrêa, a pandemia de covid-19 foi uma prova de como o racismo atua como determinante social. “A pandemia foi clara em mostrar como o racismo estava ali, determinando quem seriam as pessoas que precisaram sair do isolamento social para trabalhar, que moravam em casas densamente povoadas, sem acesso à água e saneamento. Eram as pessoas negras”, avalia.

    Racismo em todas as partes

    Lúcia Xavier é fundadora da organização não governamental (ONG) Criola, defensora dos direitos humanos de mulheres negras. Ela concorda que um dos fatores que fazem com que negros tenham piores índices de questões relativas à saúde se dá por uma forma de racismo no atendimento de saúde. Para ela, há “um conjunto de procedimentos feitos de forma inadequada”.

    “[A pessoa negra] recebe menos informação do que precisa. É atendida com rapidez quando precisa de um pouco mais de tempo para explicar, para reconhecer os problemas. As queixas não são admitidas como legítimas. Se ela acaba perdendo sua consulta, volta para o fim da fila de espera”.

    Uma outra face do acolhimento e tratamento inadequados é, na avaliação de Lúcia, que a pessoa acaba sendo responsabilizada pelos problemas.

    “Qualquer agravo que ocorra, o primeiro responsável é ela. Se ela se infectou com dengue, é porque ela não cuidou da água parada. Se ela pegou covid-19, é porque não utilizou os mecanismos de proteção necessários para cuidar da sua saúde”, exemplifica.

    “Doença de negro”

    No país em que mais de 60% das mortes por aids são de negros – índice que era de 52% em 2011, Lúcia aponta que as doenças infectocontagiosas são também consequência dessa discriminação que acontece durante o que deveria ser um acolhimento.

    Brasília (DF) 25/10/2023 – Sandra da Silva, moradora da região metropolitana do Rio de Janeiro Racismo afeta a saúde desde o nascimento até a morte. Foto: Sandra da Silva/Arquivo Pessoal
    Sandra da Silva, moradora da região metropolitana do Rio de Janeiro Foto: Arquivo Pessoal

    “As doenças infectocontagiosas são resultado das condições sociais e pioram porque o sistema não é capaz de olhar essa situação sem discriminar. Quando se trata de doenças sexualmente transmissíveis ou tuberculose ou agravos dessa natureza, sempre se responsabiliza o sujeito pelo fato de ele ter contraído aquele agravo”.

    A fundadora da organização Criola identifica que, por causa da alta incidência, algumas doenças acabam ficando marcadas como sendo “doenças de negros”.

    “Muitas das doenças que a população negra enfrenta passam a ser compreendidas, praticamente, como uma doença marcada por essa experiência de ser negro, quer seja a pressão alta, a mortalidade materna, quer seja a tuberculose, por exemplo”.

    Lúcia Xavier acredita que há uma forma de racismo quando se tratam também de condições genéticas, como no caso da doença falciforme, que afeta mais pessoas negras.

    “O modo de atender, de cuidar, de preservar essa vida anda lentamente. Não é trabalhado com tanta avidez, com tanta capacidade para atender esse grupo. A doença falciforme é também muito simbólica em termos do racismo institucional”.

    Barreiras à universalização

    A pesquisadora Ionara Magalhães de Souza, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), também aponta o elemento racismo como um dos fatores que responsáveis pelos indicadores desfavoráveis da saúde da população negra.

    Brasília (DF) 25/10/2023 – Ionara Magalhães de Souza, professora da UFRB, Integrante do GT Racismo e Saúde da Abrasco Racismo afeta a saúde desde o nascimento até a morte. Foto: Ionara Magalhães/Arquivo Pessoal
    Brasília (DF) 25/10/2023 – Ionara Magalhães de Souza, professora da UFRB, Integrante do GT Racismo e Saúde da Abrasco Racismo afeta a saúde desde o nascimento até a morte. Foto: Ionara Magalhães/Arquivo Pessoal

    “Branquitude, racismo e, consequentemente, as profundas iniquidades sociais que produzem barragens políticas e estruturais que dificultam a universalidade do acesso à saúde respondem pela interdição da população negra no acesso aos direitos e fundamentam o nosso fazer saúde”, diz a integrante do grupo de trabalho Racismo e Saúde, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

    As consequências, segundo ela, são “impactos negativos na qualidade da assistência, prevenção, diagnóstico (geralmente tardio), dificuldade de tratamento e acesso à informação e comunicação, incidindo nos piores desfechos em saúde”.

    Ionara defende que uma política para a saúde da população negra produza dados e indicadores de saúde sob perspectiva étnico-racial. Além disso, entende que é preciso “investir em instrumentos metodológicos de avaliação da qualidade da atenção à saúde da população negra e desenvolver práticas antirracistas, antidiscriminatórias e equânimes nas relações e cotidiano das instituições”.

    Fator renda

    Além do racismo, como apontaram as especialistas, questões sociais relacionadas a renda são outra barreira para o acompanhamento da saúde da população negra. Sandra da Silva de 51 anos, trabalha como banhista em um estabelecimento de banho e tosa. Moradora de Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio de Janeiro, ela trabalha também à noite, como ajudante de cozinha.

    Com o tempo sempre corrido, precisa buscar alternativas para fazer exames como mamografia e preventivos ginecológicos. Sem plano de saúde, este ano ela conseguiu fazer os exames em uma das unidades móveis do Sesc Saúde Mulher, que presta atendimento de graça a mulheres de 50 e 69 anos, faixa etária em que há maior propensão ao câncer de mama.

    “Quando eu não consigo pelo serviço público, eu me esforço para juntar o valor e conseguir fazer. Foi importante [ter conseguido pelo Sesc Saúde Mulher] pela questão de disponibilidade de horário e custo”, diz.

    Com os exames em mãos, há ainda a dificuldade de marcar um médico no sistema público. “As consultas são marcadas, mas o prazo de espera é de um a dois meses”, explica. “Se eu não conseguir marcar um ginecologista no público, vou precisar ir a uma consulta particular para não perder a validade dos exames”, completa.

    Políticas públicas

    Durante a divulgação do boletim epidemiológico Saúde da População Negra, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, enfatizou que combater o racismo é a agenda do desenvolvimento sustentável, da equidade. “Essa pauta deve ser uma perspectiva e não um tema isolado, para que todas as ações do Ministério da Saúde, do Mais Médicos ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde, a dimensão étnico-racial seja, de fato, vista como determinante social da saúde”.

    O Ministério da Igualdade Racial informou à Agência Brasil que “está em articulação para fortalecer a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra”.

    “Dentre os compromissos assumidos pela política, cabe destacar o aprimoramento do registro do quesito raça/cor nos sistemas de informação do Sistema Único de Saúde, da atenção prestada, inclusive enfrentando o racismo institucional e adequando a assistência aos problemas de saúde mais prevalentes na população negra, que incluem, dentre outros, a anemia falciforme, diabetes mellitus, hipertensão arterial, deficiência de glicose-6-fosfato e as doenças infecciosas”, afirmou em nota.

    Edição: Maria Claudia
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  • Sevilla expulsa torcedor que cometeu atos racistas em jogo contra Real

    Sevilla expulsa torcedor que cometeu atos racistas em jogo contra Real

    O Sevilla informou que identificou e expulsou do Estádio Ramón Sánchez Pizjuán um torcedor que cometeu agressões xenófobas e racistas, na tarde deste sábado (21), durante o empate por 1 a 1 com o Real Madrid pela 10ª rodada do Campeonato Espanhol. Os atos foram realizados justamente no momento no qual o atacante brasileiro Vinícius Júnior estava reclamando com jogadores da equipe da casa.

    “O Sevilla FC gostaria de informar que após detectar comportamentos xenófobos e racistas de um torcedor em suas arquibancadas, o identificaram, expulsaram-no do estádio e denunciaram-no às autoridades policiais que trabalhavam em nosso estádio. Além disso, os regulamentos disciplinares internos serão estritamente aplicados a ele e ele será expulso como membro em breve”, afirmou a equipe espanhola em nota.

    Após o posicionamento do Sevilla o brasileiro se manifestou com uma postagem sobre o assunto em seu perfil em uma rede social: “Parabéns ao Sevilla pelo rápido posicionamento e pela punição em mais um triste episódio para o futebol espanhol. Infelizmente, tive acesso a um vídeo com outro ato racista na partida deste sábado, dessa vez praticado por uma criança. Lamento muito que não haja ninguém para educá-la. Eu invisto, e invisto muito, na educação no Brasil para formar cidadãos com atitudes diferentes dessas. O rosto do racista de hoje está estampado nos sites como em várias outras vezes. Espero que as autoridades espanholas façam sua parte e mudem a legislação de uma vez por todas. Essas pessoas têm que ser punidas criminalmente também. Seria um ótimo primeiro passo para se preparar para a Copa do Mundo de 2030. Estou à disposição para ajudar. Desculpem parecer repetitivo, mas é o episódio isolado número 19. E contando…”.

    Vinícius Júnior tem sido vítima sistemática de agressões racistas no futebol espanhol. “As instituições espanholas fazem olhos de mercadores e não tomam atitudes e políticas duras contra o racismo. Das dez denúncias feitas pelo Vinicius [desde 2021], três foram arquivadas pela liga espanhola. Isso faz com que a liga seja uma aliada do racismo na Espanha”, afirmou Jorge Santana, professor de História e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em depoimento ao programa Stadium, da TV Brasil.

    O último episódio foi registrado no dia 21 de abril no Estádio Mestalla, na vitória de 1 a 0 do Valencia sobre o Real Madrid pelo Campeonato Espanhol. Na ocasião, Vinícius Júnior escutou insultos racistas e gritos de macaco vindos das arquibancadas. O jogo foi paralisado por cerca de oito minutos e, posteriormente, o jogador foi expulso ao se envolver em confusão.

    Após este episódio, o jogador da seleção brasileira recebeu diversas manifestações de apoio, como do presidente da Fifa, Gianni Infantino, que colocou o atacante na liderança de um comitê especial antirracismo, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pediu que a Fifa, a liga espanhola e as ligas de futebol de todos os países tomem providências para que o “racismo e o fascismo” não tomem conta do futebol.

     
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