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  • Mostra de Tiradentes lista demandas do setor audiovisual para 2025

    Mostra de Tiradentes lista demandas do setor audiovisual para 2025

    Um grupo de 89 representantes dos variados segmentos do setor audiovisual, reunidos na Mostra de Cinema de Tiradentes, aprovou uma carta com demandas consideradas prioritárias para o ano de 2025 e também para 2026. O documento, que será endereçado ao Ministério da Cultura (MinC) e a outras estruturas do governo, trata dos desafios envolvendo questões como produção, distribuição, exibição, formação e preservação.

    A Mostra de Tiradentes, considerada um dos principais festivais de cinema do país, encerrou sua 28ª edição neste fim de semana. Organizada pela Universo Produção, a programação contou com 140 filmes, além de apresentações artísticas, debates e oficinas. A carta foi aprovada na última quarta-feira (29). O texto foi elaborado ao longo das atividades do Fórum de Tiradentes. Trata-se um encontro incluído na programação da mostra pelo terceiro ano seguido.

    O Fórum de Tiradentes tem se tornado também um espaço de interlocução entre setor e o MinC. Isso porque representantes da pasta participam dos debates e há inclusive mesas onde foram apresentadas iniciativas em curso. Dessa forma, as reivindicações incluídas na carta que será endereçada ao MinC incluem diversos temas que já vêm sendo foco de discussões.

    Um deles é a regulação das plataformas digitais de streaming que exploram serviços de vídeo sob demanda (VOD, na sigla em inglês). Na semana passada, representantes da Secretaria do Audiovisual (SAV) do MinC apontaram em diferentes momentos que esta será uma pauta prioritária para este ano.

    “É urgente que a gente resolva nesse ano a regulação do VOD”, disse a secretária nacional do audiovisual, Joelma Gonzaga. Uma das principais questões, segundo ela, é garantir a proteção do conteúdo nacional. Em outras palavras, significa que plataformas como Netflix, Amazon Prime Video, Disney + e HBO Max teriam que cumprir um percentual mínimo de produções nacionais nos seus catálogos disponibilizados para o público brasileiro. Além disso, a regulação do VOD envolve também discussões em temas como tributação, direito patrimonial, proeminência da produção independente, entre outras.

    Atualmente, tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei sobre o tema. Na carta, os representantes do setor cobram uma articulação interministerial para avançar na pauta e aprovar uma regulação que favoreça a indústria audiovisual brasileira independente.

    Pontos positivos

    Ao todo, o documento traz 22 tópicos de reivindicação. Na carta, os signatários também avaliam que, sob a atual gestão do MinC, o setor vem superando um processo de desmonte que estava em curso até 2022. Listam diversos pontos positivos dos últimos dois anos como as articulações para execução da Lei Paulo Gustavo e da Política Nacional Aldir Blanc. Ainda assim, apontam que persistem diversas preocupações.

    Outra demanda citada é a regulamentação da Lei Federal 13.006/2024. Aprovada no ano passado, ela estabeleceu a exibição de filmes de produção nacional como componente curricular complementar: as escolas precisarão exibir mensalmente para os alunos no mínimo duas horas. É um debate que envolve também o Ministério da Educação (MEC).

    O MinC tem sinalizado que essa discussão está ocorrendo paralelamente ao desenvolvimento de uma plataforma de streaming público, com disponibilização gratuita de um conjunto de produções audiovisuais. A expetativa é lançá-la ainda este ano. O objetivo é ampliar o acesso e a difusão do cinema nacional e contribuir para a formação de público de forma geral. Mas a proposta é que ela seja também uma ferramenta a ser explorada pelas escolas.

    Na carta, os representantes do setor cobram não apenas a efetivação do streaming público como também o fortalecimento do papel da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Regida pela Lei Federal 11.652/2008, a empresa foi criada para organizar o campo público da comunicação no país e responde pela TV Brasil, pela Agência Brasil, pela Rádio Nacional e por outros veículos. “Ampliar a participação da EBC em coproduções e licenciamentos de produção independente de todas as regiões do Brasil, e estimular o relacionamento com distribuidoras independentes”, defendem os signatários da carta.

    O documento elenca ainda como demandas o fortalecimento das estruturas do setor voltada para a participação social e a aprovação da medida provisória que prorroga até 2029 os incentivos fiscais da Lei do Audiovisual. Constam também como reivindicações o não contingenciamento dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, o estímulo à regionalização da produção e o reconhecimento em lei dos direitos autorais de profissionais criadores do audiovisual brasileiro.

    *O repórter viajou a convite dos organizadores da Mostra de Cinema de Tiradentes.

  • Cinema deve olhar para violações a indígenas na ditadura, diz diretora

    Cinema deve olhar para violações a indígenas na ditadura, diz diretora

    Há uma semana, o cinema brasileiro vem comemorando a indicação do filme Ainda Estou Aqui a três categorias do Oscar. O longa-metragem alcançou o feito inédito ao levar para as telas a história da família de Rubens Paiva, deputado federal que teve seu mandato cassado pela ditadura militar e que foi posteriormente torturado e morto.

    Inaugurando o calendário do audiovisual brasileiro, a Mostra de Cinema de Tiradentes que ocorre ao longo desta semana na cidade de Tiradentes, em Minas Gerais, se tornou mais um espaço para se debater e se celebrar a conquista. Mas a programação também levou para as telas um filme que, de alguma forma, resgata uma história que realça uma marca pouco conhecida do mesmo regime militar: a violação aos povos indígenas.

    “São memórias que o cinema nos dá uma chance de revisitar e que podem assim ser jogadas na cara do povo brasileiro de uma certa forma”, avalia o etnólogo e cineasta Roberto Romero, um dos diretores do documentário Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá.

    Exibido no domingo (26), ele aborda o assunto de uma forma lateral. O documentário narra o reencontro de Sueli Maxakali com seu pai Luiz Kaiowá. “Eu não o conheci. Eu tinha seis meses de idade e minha irmã tinha cinco anos quando ele partiu”, conta Sueli, em debate sobre o filme realizado nessa terça-feira (27). Ela também é uma das diretoras do documentário.

    Luiz Kaiowá é um indígena Guarani-Kaiowá que chegou, através da Fundação Nacional do Índio (Funai), para trabalhar na terra Maxacali, em Minas Gerais. Ele operava um trator e lá se casou com a mãe de Sueli. No entanto, ele acabou voltando para a terra dos Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul.

    Tudo aconteceu “no tempo dos soldados” como dizem os indígenas mais velhos que dão seus depoimentos no filme. Eles relatam os maus-tratos a que foram submetidos e o desmatamento, relegando a aldeia a uma porção de terra reduzida que sequer tinha água.

    “Boa parte desse território foi dividido durante a ditadura militar. O capitão Manoel dos Santos Pinheiro, que era o sobrinho do governador de Minas Gerais, foi enviado para lá para ser o dono daquela região e fazer o que quisesse. Ele dividiu a terra entre os próprios funcionários do SPI [Serviço de Proteção aos Índios] e depois da Funai”, conta Roberto Romero, lembrando que o militar também atuou para impedir a demarcação.

    O filme Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá foi dirigido a oito mãos: além de Sueli Maxacali e Roberto Romero, o quarteto foi composto ainda por Isael Maxakali e Luísa Lanna. Um ônibus levou os Maxacalis até a aldeia Guarani-Kaiowá. Dessa forma, o reencontro entre Sueli e seu pai foi também o momento de uma comunhão entre os dois povos.

    Luísa defende que o cinema olhe com mais atenção para a memória que os povos indígenas guardam do período militar. “As atrocidades que aconteceram foram muitas e elas são muito pouco conhecidas pela população de uma forma geral. Mas é importante pontuar que é um buraco que não é só na cinematografia. É na história também,” enfatiza.

    Rio de Janeiro (RJ) 28/01/2025 - Luísa Lanna - Cinema deve olhar para violações a indígenas na ditadura. Foto: Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO A diretora Luísa Lanna defende o que cinema olhe para violações a indígenas na ditadura. Foto: Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO

    Ela vê a possibilidade de uma evolução paralela. “As coisas vão andando juntas. Na medida que a historiografia for reconhecendo, a cinematografia vai reconhecendo. Uma coisa puxa a outra. E assim vai tornando possível que essas histórias sejam contadas e passem a integrar o repertório histórico da população brasileira. Mas, com certeza, acho que ter mais editais dedicados principalmente a autorias indígenas e realizadores indígenas [isso] pode contribuir para resgatar essas memórias.”

    Violações

    As violações de direitos no regime militar já foram exploradas por diferentes filmes. O Que é Isso Companheiro?, Zuzu Angel, Marighella, O ano em que meus pais saíram de férias e Batismo de Sangue são alguns títulos de referência, ao qual agora se soma Ainda Estou Aqui. No entanto, nenhum deles aborda o que ocorreu com os indígenas.

    Alguns livros vêm buscando tirar essas histórias do anonimato. Um dos mais recentes é Tom Vermelho do Verde, lançado em 2022 pelo jornalista e escritor Frei Betto. A obra narra um drama que tem como pano de fundo o massacre dos indígenas Waimiri Atroari durante a abertura de rodovias na Amazônia entre as décadas de 1960 e 1980. Frei Betto, que participou de ações da resistência contra a ditadura, disse em recente entrevista à Agência Brasil que atualmente compreende que os indígenas foram as maiores vítimas da violência empreendida pelos militares.

    No cinema, Luísa destaca como um dos trabalhos de referência o filme GRIN – Guarda Rural Indígena, lançado em 2016 sob direção de Roney Freitas e Isael Maxakali. Já no filme Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá, ela observa que essa memória da ditadura aparece de um jeito diferente dos registros produzidos pela cultura ocidental do homem branco. De acordo com a diretora, não é uma memória estanque.

    “Ela se constrói a partir das várias histórias que são repassadas pelas falas das pessoas que testemunharam esse momento, que viveram esse momento. Elas vão contando cada uma sua memória, mas também as suas várias percepções dessa história, do que aconteceu. Produzem uma memória que é viva e visível. E ela é acima de tudo criativa e inventiva, nesse sentido de que mais de uma história é sempre melhor do que uma história só”, salienta.

    A diretora considera que há uma desconstrução da ideia de uma história voltada para a uma busca por uma verdade única e universal. Através dos depoimentos do filme, segundo ela, são apresentadas vivências e percepções individuais.

    Resistência

    Os Maxakalis formam um povo com cerca de três mil pessoas vivendo na região do Vale do Mucuri em Minas Gerais, dividida em aldeias que ocupam pequenos territórios. Na maioria delas, não tem rio e a paisagem de Mata Atlântica foi substituída por pasto. O filme documenta também a luta liderada por Sueli e Isael para retomada de um novo território para cerca de 100 famílias. Em uma das cenas, uma placa é pintada para demarcar o local.

    Rio de Janeiro (RJ) 28/01/2025 - Debate com diretores- Cinema deve olhar para violações a indígenas na ditadura. Foto: Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO Debate sobre o papel do cinema reuniu diretores e indígenas – Foto:  Leo Fontes/UNIVERSO PRODUÇÃO/ DIVULGAÇÃO

    “Antes de eu viajar para conhecer meu pai, eu queria deixar meu povo mais à vontade. Pintamos a placa para saber que ali está o meu povo”, conta Sueli. Para Roberto Romero, ao colocar o filme como parte do processo de retomada, os Maxakalis o transformam em um instrumento de resistência. Ele destaca ainda a decisão de gravar o documentário todo em idioma indígena. São faladas as línguas dos dois povos retratados: Maxakalis e Guarani-Kaiowás.

    “Os Maxacalis perderam tudo de concreto, digamos assim. Mas preservaram a memória das palavras. Eles lembram os nomes de todos os animais da Mata Atlântica mesmo não convivendo com eles há décadas. E essas palavras são faladas como histórias, como narrativas. E também são cantadas. E a gente tenta mostrar isso no filme: que os cantos são parte vida social, da vida cotidiana. Para quase tudo se canta”, diz o diretor.

    Para Isael Maxakali, preservar o idioma é uma das principais motivações para fazer filme. “É para não apagar o nosso histórico. Eu gosto de fazer filme também para que o Brasil possa conhecer nossa linguagem”, afirma.