Tag: Escravidão

  • Mais de 2,8 mil pessoas deixam trabalho análogo à escravidão

    Mais de 2,8 mil pessoas deixam trabalho análogo à escravidão

    Um total de 2.847 trabalhadores foram resgatados entre janeiro e novembro deste ano de trabalho análogo à escravidão no Brasil. O número parcial de 2023 já é o maior em resgates dos últimos 14 anos e um recorde histórico em toda a série de pagamento de verbas rescisórias.

    O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) fiscalizou no período 516 estabelecimentos urbanos e rurais, o que possibilitou o pagamento de mais de R$ 10,8 milhões em verbas salariais e rescisórias aos trabalhadores resgatados.

    O cultivo de café foi o setor com a maior quantidade de resgatados (300), e o setor da cana-de-açúcar, que liderava os dados até junho deste ano, teve 258 resgates. Segundo o MTE, o resultado se deve, principalmente, à atuação da fiscalização, que coordena as ações do Grupo Móvel em parceria com a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal.

    A Região Sudeste foi a que registrou o maior número de ações e resgates, com 192 estabelecimentos fiscalizados e 1.043 trabalhadores resgatados, seguida do Centro-Oeste, com 103 fiscalizações e 720 resgates. O Sul teve 475 trabalhadores resgatados e 76 ações realizadas. No Nordeste, foram realizadas 83 ações e 450 resgates e no Norte, 159 resgatados e 62 ações realizadas pelo MTE.

    Entre os estados, os maiores resgates ocorreram em Goiás (640), Minas Gerais (571) e São Paulo (380). Minas teve o maior número de ações realizadas (102).

    Edição: Graça Adjuto
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  • Negros se reuniam no Sul para refletir sobre a dor do racismo

    Negros se reuniam no Sul para refletir sobre a dor do racismo

    “Treze de maio/ traição/ liberdade sem asas e fome sem pão/ Liberdade de asas quebradas (…)”. Os versos do poeta gaúcho Oliveira Silveira (foto) (1941-2009) eram mais do que uma inspiração momentânea. Poesia e prosa se uniam em um caminho de luta. O escritor e professor fazia parte de um grupo de intelectuais negros que se reunia no centro de Porto Alegre para refletir sobre arte, cultura e a dor do racismo. O grupo, que nasceu em 1970, ganhou o nome de Palmares. Segundo pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, seus integrantes faziam parte de uma geração que queria ressignificar a luta antirracista.

    Em meio a discussões efervescentes, eles lembraram que o 13 de maio (que tem referência com a abolição da escravatura em 1888), não os representava. Para eles, seria uma outra data que precisaria de destaque especial: o 20 de novembro (da morte de Zumbi dos Palmares, de 1655-1695). Esse, sim, haveria de ser o Dia da Consciência Negra. Nascia ali naquelas conversas o caminho para uma data nacional, feriado nesta segunda-feira (20) em seis estados e em pelo menos 1.260 cidades.

    Legado

    “Eu fui criada no meio do movimento negro, das reuniões, dos grupos dos quais meu pai fez parte. Essa foi a minha vida. Meu pai faleceu, mas deixou de herança todo o seu legado, toda a sua história de luta”, recorda a professora Naiara Rodrigues Silveira, de 54 anos, filha única do poeta Oliveira Silveira. Ela, que se identifica também como ativista pelos direitos e causas raciais, carrega os argumentos do pai na luta pela melhoria das condições de vida de pessoas negras.

    O poeta Oliveira Silveira foi um dos pensadores e era fichado pela ditadura - Naiara Silveira. Foto: Instituto Oliveira Silveira/Divulgação
    O poeta Oliveira Silveira foi um dos pensadores e era fichado pela ditadura – Naiara Silveira. Foto: Instituto Oliveira Silveira/Divulgação”Meu pai deixou de herança todo o seu legado, toda a sua história de luta”, diz a professora Naiara Silveira. Foto – Instituto Oliveira Silveira/Divulgação

    “É uma luta que faz parte da minha vida”, diz a professora, que trabalha com educação de surdos na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. “Como militante, cabe a mim dar continuidade aos projetos que ele me deixou: Associação Negra de Cultura e agora o Instituto Oliveira Silveira”, afirma. Naiara era uma criança quando houve a primeira reunião do grupo Palmares. Ela estava presente correndo de um lado para outro. No dia 20 de novembro de 1971, os integrantes do grupo apresentaram à comunidade que aquela data poderia trazer um novo significado de luta ao país.

    Ela argumenta que o pai sempre foi uma pessoa reconhecida em Porto Alegre, mas, após a sua morte, todo o trabalho dele passou a ser mais reconhecido. Nesta segunda-feira, a família de Oliveira Silveira vai receber, em nome do escritor, o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Cultura contra o racismo

    Pesquisadora dessa história, a professora Petronilha Gonçalves e Silva, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), argumenta que a proposta feita pelo Grupo Palmares ganhou força com as poesias, mas também com os artigos científicos escritos pelos professores e estudantes.

    A primeira reunião do grupo teve Oliveira Silveira, Antônio Carlos Cortes, Ilmo da Silva e Vilmar Nunes. O próprio Silveira escreveu – em publicação de 2003 – que a ideia do grupo Palmares era cultural, mais propriamente para literatura e teatro. Mas eles foram além disso.

    Os detalhes dessa história estão em obra escrita pela professora Petronilha em parceria com o sociólogo Valter Roberto Silvério, também docente da Ufscar, publicada em 2003 pelo MEC.

    Ditadura e resistência

    O movimento – nascido no início da década de 1970 – um dos momentos mais violentos da ditadura militar brasileira, pós-adoção do Ato Institucional número 5 (AI-5,) – era reconhecido também como uma ação de resistência em meio à revogação de liberdades individuais.

    “O 13 de maio era uma data que não nos representava e, por isso, [eles] celebraram, desde 1971, o primeiro 20 de novembro. O celebrar não tem o sentido de comemorar, mas de lembrar”, enfatiza. O professor Valter Silvério chama atenção para o fato de que o governo militar estava atento aos movimentos negros no Brasil, tanto do campo como das cidades.

    Seriam esses movimentos que poderiam escancarar a falta de políticas públicas. “O próprio Oliveira Silveira era uma pessoa fichada no departamento de política. Várias pessoas (do movimento negro) eram observadas. Havia, sim, vigilância sobre o escritor e sobre o grupo Palmares e vários outros grupos negros no Brasil”, sustenta.

    Impactos educacionais

    Segundo o professor Silvério, a escolha da data leva em conta que os descendentes africanos lutam no Brasil contra um regime de expropriação do seu trabalho, mas também exploração da sua cultura.

    “Nós pudemos reconstituir a história do negro. O movimento se organiza a partir de uma perspectiva de que a população negra, independente do acontecimento, tem uma importância na formação social brasileira. Não dá para você entender o que é o Brasil, especialmente no sentido positivo, sem considerar a presença das culturas africanas no Estado brasileiro”, afirma Silvério.

    Ele aponta que o movimento contra o preconceito, encontrando datas simbólicas, também tem por finalidade reparar o impacto na formação das crianças e jovens.

    O movimento na década de 1970, segundo a professora Petronilha, também impactou o processo educacional e a luta antirracista nas salas de aula. “No século 20, eram as professoras negras que faziam nas suas classes a luta antirracista”, observa. Petronilha diz que as dificuldades têm que ser reconhecidas e analisadas para que sejam superadas.

    As datas ajudam, então, a mobilizar múltiplos grupos para entender sobre assuntos que não são simples, mas que precisam de maior visibilidade. “Há uma pergunta fundamental. Que nação nós queremos? Para que nação nós trabalhamos ou estudamos? Para que nação nós, professores, pais, pessoas adultas, estamos educando?”, questiona a professora.

    Escravidão

    Segundo a pesquisadora, celebrar a data tem a finalidade de proporcionar discussões sobre a escravidão para que a violência nunca mais se repita. Mesmo assim, a realidade ainda não é completamente alterada.

    “Infelizmente, sabemos que ainda hoje há pessoas trabalhando no campo praticamente em situação de escravizadas, em condições muito ruins de alojamento, alimentação, dificuldade de receber salários, medo de se deslocar, de decidir se quer ir ou ficar”, enfatiza.

    Para garantir a conscientização, os pesquisadores consideram fundamental que exista o feriado [de 20 de novembro]. “É importante porque marca uma data que seja significativa para a nação ou para o projeto de nação que se tem”, acentua. Ou, como escreveu Oliveira Silveira: “batucamos no seu mapa/…quem sabe nem com isso e então vamos rasgar/a máscara do treze (de maio)/para arrancar a dívida real/com nossas próprias mãos”.

    Edição: Kleber Sampaio
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  • MPF abre inquérito sobre papel do Banco do Brasil na escravidão

    MPF abre inquérito sobre papel do Banco do Brasil na escravidão

    O Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito civil público para investigar a relação entre o Banco do Brasil e o tráfico de pessoas negras escravizadas no século XIX.

    Em notificação feita ao banco nesta quarta-feira (27), foramsolicitadasinformações à presidência da instituição financeira para que se manifeste em 20 dias sobre a posição do banco a respeito darelação com o tráfico de pessoas negras escravizadas; a existência de pesquisas financiadas pelo Banco do Brasil para avaliar a narrativa sobre a sua própria história; informações sobre traficantes de pessoas escravizadas e arelação delas com o banco; informações sobre financiamentos realizados pelo Banco do Brasil e relação com a escravidão; iniciativas do banco com finalidades específicas de reparação em relação a esse período.

    O inquérito foi motivado por documento subscrito por 15 professores e universitários oriundos de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, que submeteram ao MPF a necessidade de apuração e debate sobre a responsabilidade de instituições no Brasil envolvidas com a escravização ilegal de pessoas no século XIX. No caso do documento apresentado, a abordagem trata especificamente do Banco do Brasil. Está marcada reunião dia 27 de outubro entre a presidência do banco e os historiadores na Procuradoria da República no Rio de Janeiro.

    Alegações

    Os historiadores apontam que escravidão e modernidade eram partes constituintes da instituição financeira. O primeiro Banco do Brasil, criado em 12 de outubro de 1808, teria surgido para enfrentar a escassez de crédito e de moeda no império português, porém sua atuação se reduziria ao financiamento público.

    Dados apontados pelos historiadores indicam que o banco se valeu de recursos como a arrecadação de impostos sobre embarcações dedicadas ao tráfico de pessoas escravizadas e destacam que o capital para a formação do banco provinha da economia da época, que tinha na escravidão e no comércio negreiro um papel central.

    “Assim, por exemplo, as subscrições para a integralização do capital do banco provinham dessas atividades, sendo que as maiores fortunas do Rio de Janeiro estavam claramente associadas ao comércio transatlântico de africanos. Em troca da integralização do capital, a Coroa concedia honrarias e títulos nobiliárquicos, como forma de ‘mobilidade, prestígio e distinção’. Outra frente estaria relacionada ao financiamento da despesa pública que viabilizasse o tráfico, postergando qualquer tentativa de sua abolição e protegendo-o contra as pressões inglesas”, escrevem os procuradores Jaime Mitropoulos, Julio José Araujo Junior e Aline Caixeta.

    Outra evidência da relação com a escravidão é o fato de fundadores e grandes acionistas da instituição financeira serem contrabandistas de escravos, como José Bernardino de Sá, maior acionista individual do banco quando de sua refundação em 1853, que era um dos maiores traficantes de escravos do país entre 1825 e 1855.

    “É um inquérito civil público para identificar como se deu essa relação. Isso se insere no campo da memória, verdade e justiça. Então vamos tentar revisitar esse passado, e a partir do momento em que certas questões precisam ser elucidadas, pensar em formas de reparação, como reparações simbólicas, monetárias, para que essa história não fique escondida e anulada, para que a gente possa reavivar essa história e pensar em caminhos de reparação”, disse o procurador Julio José Araujo Junior.

    O Banco do Brasil informou que o jurídico da instituição analisará o teor do documento e prestará as informações necessárias dentro do prazo previsto.

    Ouça na Radioagência Nacional:

    28_09_23_-_cristiane_ribeiro_-_reparacao_bb_esta_ra_ms.mp3 – marizete.souza

    *Colaborou Cristiane Ribeiro, repórter da Rádio Nacional

    Edição: Aline Leal
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  • Eventos sobre cultura negra mostram avanços sociais, diz historiador

    Eventos sobre cultura negra mostram avanços sociais, diz historiador

    Eventos como o Festival Back2Black, que desenvolve discussões sobre a cultura da população preta, apresentações de artistas negros de destaque na música, dança e literatura, além de celebrar a África, representam avanços dos movimentos sociais. A conclusão é do historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Flávio Gomes, vencedor do Prêmio Jabuti de Não Ficção de 2022. Gomes participou do encontro como apresentador e mediador da roda de conversa Vida Quilombola: Significado de Lutas pela Liberdade e pela Terra.

    Participaram do debate a presidente da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Bia Nunes, integrante do Quilombo Maria Conga de Magé, na Baixada Fluminense; a engenheira agrônoma Fran Paula, pesquisadora do Grupo de Trabalho em Meio Ambiente e Agricultura da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos de Mato Grosso; e da diretora da Juventude na Acquilerj, Rafa Quilombola.

    “Gosto muito de pensar esses eventos, quaisquer que sejam eles, nas suas dimensões mais midiáticas, mais políticas, mais culturais, como avanço dos movimentos sociais. Talvez há 30 ou 40 anos, um evento como esse fosse impossível até pela incapacidade da sociedade de compreender a importância de um evento anual de vozes negras e de várias dimensões na produção da cultura negra. Vejo sempre esses eventos na perspectiva da luta continuada da sociedade organizada com relação ao debate de desigualdade racial, debate sobre as formas de produção culturais da comunidade negra”, afirmou Flávio Gomes em entrevista à Agência Brasil.

    Embora tenha surgido em 2009, o Back2Black já teve edições internacionais. Em sua 11ª edição, o Back2Black voltou ao Armazém da Utopia, no Boulevard Olímpico, região portuária do Rio. O último dia do encontro será no Parque Madureira, na zona norte da cidade.

    Flávio Gomes é autor de livros como Histórias Quilombolas, Experiências Atlânticas, Mocambos e Quilombos, Uma História do Campesinato Negro no Brasil, Negros e Política e A Hidra e os Pântanos. Além dessas obras, organizou o Dicionário da Escravidão e Liberdade, em parceria com a historiadora Lilia Schwarcz.

    O historiador destacou a importância de a roda de conversa ter justamente a participação de três mulheres negras representativas das comunidades quilombolas, que falaram sobre suas próprias realidades e sobre questões raciais contemporâneas, territórios e direitos constitucionais.

    “O quilombo não é só um resto do passado. Quilombo, hoje, significa uma discussão nacional e ampla sobre cidadania no mundo rural e do homem do campo, sobre distribuição de renda e direitos constitucionais em territórios e em terras quilombolas. O tema do quilombo não é só negro. É o tema da sociedade brasileira. É o tema da terra, da distribuição de renda. Se a gente quer falar do Brasil, tem que falar de quilombola, se a gente está falando de quilombola, está falando de Brasil”, afirmou.

    Embora admita que houve avanços na elaboração de políticas públicas, o professor diz ainda tem muito caminho pela frente. “Ironicamente, eu costumo dizer que falta tudo. Quando digo que falta tudo, pode ser só uma crítica de que nada foi feito. Não. Muita coisa tem sido feita, inclusive com uma pressão social. Agora, faltam coisas, porque tem muitos interesses em torno de distribuição de renda e de que, na verdade, uma política pública chegue, de fato, até a ponta, ela não desapareça nas mediações das lógicas políticas e partidárias que envolvem interesses de vários setores econômicos da sociedade brasileira”, destacou.

    Na avaliação de Gomes, falta também uma compreensão mais ampla de todos os setores e aí estão incluídos os governos, de entender que as situações quilombola e negra, não são questões específicas ou só relativas aos quilombolas ou aos negros. “Essa é uma questão da sociedade brasileira, da democratização da sociedade brasileira e das dimensões do avanço da sociedade”, afirmou.

    “Não teremos avanços se não trabalharmos isso. É uma questão do Brasil, uma questão nacional. Acho que essa tem sido uma dificuldade. Às vezes, tais questões são vistas como identitárias, de minorias, de apenas determinado setor de movimento social, quando, na verdade, expressam vontade de transformações mais profundas na sociedade brasileira, profundamente desigual. Aí, fico muito à vontade para falar nisso na condição de um historiador”, disse Gomes.

    O professor alertou ainda para a necessidade da preservação das áreas das comunidades quilombolas.

    ci“Discute-se fundo amazônico como se quilombo não existisse. Discute-se terra como se quilombo fosse apenas uma parte. Discutem-se melhorias nas cidades como se não houvesse quilombo nas franjas das cidades. Então, todas as questões, além do óbvio e da educação, porque temos projetos de educação quilombola, da cultura, das formatações das culturas originais dos quilombos, tudo passa pela questão da terra, pela presença desses camponeses negros e a essa dimensão histórica desses camponeses negros.”

    Censo

    Flávio Gomes comentou ainda o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que incluiu visitas de recenseadores nas comunidades quilombolas.

    Segundo o historiador, em um país como o Brasil, que tem mais de 50% de população negra, é relevante ter dados específicos dos quilombos, porque, até agora, o que existe são estimativas. “Existem cerca de 6 mil comunidades quilombolas em todo o Brasil. O número pode ser até um pouco maior – não acredito que seja menor. Isso representa que, no conjunto agrário rural brasileiro, em cada lugar, por exemplo, no Rio de Janeiro, temos comunidades quilombolas expressivas tanto em regiões nas margens urbanas quanto na Região dos Lagos. Ou seja, onde não tem quilombo? Há quilombo em todos os lados porque houve escravizados em todo o Brasil, houve tradição de fuga ou de formação camponesa dessas comunidades. O que a gente tem não é o resto disso.”

    O historiador destacou ainda a importância da produção dos quilombos. “É a manutenção da transformação dessas comunidades inclusive na produção, porque essas comunidades não estão só pedindo direitos em função de uma dívida do passado. Elas hoje produzem alimentos que chegam às nossas mesas, que não vêm do agronegócio, e as políticas de governo do Estado têm que reconhecer isso como pauta principal.”

    Game

    Flávio Gomes falou também sobre um jogo eletrônico em que o usuário é um “proprietário de escravos” e que ficou disponível até o início da tarde da quarta-feira (24) na plataforma do Google Play. O jogador era estimulado a obter ganhos financeiros e a contratar guardas para evitar rebeliões. O jogo permitia também que o usuário explorasse sexualmente as pessoas colocadas sob seu poder dentro do mundo virtual.

    Além de mostrar imagens de pessoas acorrentadas, inclusive de um homem negro, que aparecia coberto de grilhões em uma estética semelhante à de um desenho animado. Na capa, uma gravura histórica retratava um homem branco, em roupas elegantes, ao lado de um homem negro escravizado seminu.

    Conforme a própria plataforma, até a manhã da quarta-feira, o jogo tinha sido baixado mil vezes. O nome Magnus Games é apresentado como criador deste e de outros jogos disponíveis no Google Play. No entanto, não é possível identificar com clareza nos perfis nas redes sociais, qual seria a empresa ou pessoa por trás do produto.

    O historiador disse que não chegou a abrir o jogo, mas acompanhou as repercussões sobre o assunto e chamou a atenção para os cuidados necessários ante os efeitos de práticas que pareçam inocentes. É preciso tomar cuidado porque algumas práticas, aparentemente infantis, supostamente educativas e de lazer e brincadeira, estão reforçando práticas raciais, de estigma sobre a presença da população negra, que inclui sequestro de africanos escravizados, afirmou.

    “Esse game é caso de polícia, porque, se há uma relação direta com a divulgação dele, da implementação do tipo de propaganda, do tipo de conteúdo, que reforça o estigma e preconceito, é caso de polícia, de Ministério Público, caso do Ministério da Justiça, fundamentalmente, acessar quem programa isso e os divulgadores”, enfatizou.

    “A outra coisa, que paulatinamente a isso já tem sido feita, mas pode aumentar, são políticas de inclusão no campo da educação e da cidadania, para a gente ter mais material que divulgue de fato o que representou a história da presença dos africanos no Brasil, da escravidão, a pós-emancipação e a história recente”, relatou.

    Quitandinha

    Neste sábado (27), Flávio Gomes será o apresentador e mediador do seminário Gênero, Arte e Diáspora, com participação das historiadoras Iamara Viana e Raquel Barreto, às 17h, no Centro Cultural Sesc Quitandinha, em Petrópolis , na região serrana do Rio.

    Ele é o curador das ações de pensamento na linguagem escrita, literária e oral, da exposição Um Oceano para Lavar as Mãos, que inaugura o espaço cultural. A mostra ficará em cartaz até 17 de setembro.

    Formada por obras de artistas negros, a exposição é um movimento interessante, por dar visibilidade à produção artística com uma assinatura étnica e de projeto de intervenção e de identidades visuais, diz o professor.

    Ele informou que o evento terá mais dois seminários: o próximo será sobre Insurgências Negras, com os historiadores João José Reis e Isadora Mota, e o último, sobre imagens negras, será com a historiadora Lilia Schwarcz. “É um núcleo de seminários que se articulam com debate sobre arte, performance e diáspora”, concluiu.

    Edição: Nádia Franco

  • Jogo eletrônico simula escravidão e reforça racismo

    Jogo eletrônico simula escravidão e reforça racismo

    Um jogo eletrônico em que o usuário é um “proprietário de escravos” estava disponível até o início da tarde desta quarta-feira (24) na plataforma do Google Play. O jogador é estimulado obter “lucro” e contratar guardas para evitar rebeliões. Há até uma opção para que o usuário explore sexualmente as pessoas colocadas sob seu poder dentro do mundo virtual.

    jogo eletronico simula escravidao e reforca racismoO jogo mostra imagens de pessoas acorrentadas, inclusive um homem negro, que aparece coberto de grilhões em uma estética semelhante a um desenho animado. Na capa, é usada uma gravura histórica que retrata um homem branco, em roupas elegantes, ao lado de um homem negro escravizado seminu.

    O Simulador de Escravidão tinha, segundo a própria plataforma, sido baixado mil vezes até a manhã desta quarta-feira (24). Um desenvolvedor apresentado como Magnus Games apresenta-se como criador deste e de outros jogos disponíveis no Google Play. Os perfis nas redes sociais não permitem identificar com clareza qual seria a empresa ou pessoas por trás do produto.

    Racismo grosseiro

    A historiadora e psicanalista Mariléa de Almeida vê “racismo grosseiro” no jogo. “Naturalizando a escravização, a desumanização desses corpos negros, como se brincar e fazer um jogo, como se isso não tivesse efeito sobre as pessoas negras, identificadas na sua ancestralidade, mas sobretudos nas pessoas que estão jogando”, enfatizou a pesquisadora, que faz parte da rede de Historiadorxs Negrxs.

    Para Mariléa, o produto “reforça os estereótipos, usa de todo o estereótipo racial e da desumanização produzida pelo racismo para o conjunto da população negra para fazer um jogo”.

    Mariléa lembra que o chamado racismo recreativo é uma conduta que foi tornada crime a partir de lei sancionada em janeiro que equiparou o crime de injúria racial ao de racismo.

    Porém, as pessoas ainda sentem que há espaço para esse tipo de conduta devido à construção histórica de que pessoas negras não são seres humanos iguais aos demais. “Esse crime sustenta, do ponto de vista histórico, a naturalização de corpos negros como sendo desumanizados, objetificados”, enfatiza.

    “Essa mentalidade, que se expressa no próprio psiquismo que valida as pessoas se engajarem em um jogo desses, sem perceberem o horror. Sem sentirem um horror, um incômodo”, acrescenta Mariléa sobre as razões para que seja possível a criação e o uso desse tipo de produto.

    A reportagem da Agência Brasil entrou em contato com o Google e aguarda resposta.

    Edição: Nádia Franco