Tag: Ditadura Militar

  • Forças Armadas já foram anistiadas pelo 8 de janeiro, diz historiador

    Forças Armadas já foram anistiadas pelo 8 de janeiro, diz historiador

    “Estamos diante de um momento inédito na história do Brasil. Militares de alta patente estão sentados no banco dos réus e vão responder pelos crimes contra a democracia”. Esta é a visão do pesquisador Lucas Pedretti, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ele, o julgamento dos envolvidos no movimento golpista de 8 de janeiro de 2023 é fundamental.

    Lucas Pedretti, no entanto, ressalta a importância da responsabilização institucional das Forças Armadas, de forma concomitante, pelo episódio. Individualizar essa responsabilização, avalia o pesquisador, faz parte da estratégia das Forças Armadas para que as discussões não impliquem em um debate sobre a necessidade de repensar e reformular a instituição.

    “Se a responsabilização individual não for acompanhada por um processo pedagógico, político, de disputa de narrativa, não é automática a ideia de que a responsabilização do [Jair] Bolsonaro bastaria como um antídoto para futuros golpes. Porque o sentido político disso vai ser profundamente disputado na sociedade”, defendeu Pedretti, durante o seminário Memória dos 60 Anos do Golpe e Lutas Democráticas da Sociedade Civil, nesta sexta-feira (4), pelo Instituto Vladimir Herzog.

    Diferentemente dos réus, “a gente poderia dizer que as Forças Armadas já foram anistiadas. Já foram anistiadas pelo 8 de janeiro, pela [participação no governo] Bolsonaro, pela pandemia, foram anistiadas pela intervenção militar no Rio de Janeiro”. Para o historiador, todos esses são processos conectados.

    “A intervenção militar é [de fevereiro] de 2018. Dali a um mês, veio o assassinato da Marielle [Franco]. Dali a alguns meses, viria a eleição do Bolsonaro. E o ator institucional que atravessa toda essa temporalidade são as Forças Armadas”, destacou. Ele acrescenta que a memória é fundamental para consolidar a democracia, mas ela não consolida a democracia de maneira automática.

    Não é porque há memória sobre a ditadura que, portanto, a democracia no país estará fortalecida de forma garantida.

    “Essa memória que a gente constrói vai encontrar outra memória no plano da disputa política, que é construída do lado de lá. A extrema direita sabe muito melhor que o nosso campo a importância de disputar a memória. Bolsonaro fez política de memória desde o dia zero do governo até o último. A última medida dele foi extinguir a comissão de mortos desaparecidos”, apontou.

    O historiador lembrou que o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu, com honras no Palácio do Planalto, a viúva do coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi comandante do DOI-Codi de São Paulo durante a ditadura. “Ele recebeu o Curió, um assassino confesso, com honras. Bolsonaro jamais apostou na ideia de que ‘falar sobre o passado é remoer’. A extrema direita sabe que disputar a memória não é disputar o passado, mas sim o futuro”.

  • STF publica mensagem sobre golpe de 1964: “lembrar para não repetir”

    STF publica mensagem sobre golpe de 1964: “lembrar para não repetir”

    O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou nesta segunda-feira (31) em seus perfis oficiais nas redes sociais uma mensagem alusiva ao golpe militar de 1964, que deve ser lembrado “para que nunca se repita”, diz o texto.

    O golpe civil-militar de 1964, que completa 61 anos nesta segunda, marcou o início de uma ditadura comandada por generais no Brasil que durou 21 anos, período no qual eleições diretas foram suspensas e a liberdade de expressão e oposição política restringidas.

    “Há 61 anos, direitos fundamentais foram comprometidos no Brasil: era o início da ditadura militar, que perdurou por 21 anos. A redemocratização veio com participação popular e uma Assembleia Constituinte, que elaborou a Constituição Federal de 1988 – a Lei Maior, que restabeleceu garantias, o direito ao voto, a separação dos Poderes, princípios e diretrizes para reger o Estado Democrático de Direito”, lembra a publicação do Supremo.

    O post, publicado nas redes Instagram, X e Facebook, conclui afirmando a importância de falar sobre a data: “lembrar para que nunca mais se repita. Hoje e sempre, celebre a democracia e a Constituição Cidadã”. A publicação também celebra a democracia como “sempre o melhor caminho”.

    No ano passado, o próprio Supremo julgou ser inconstitucional empregar dinheiro público para comemorar o golpe militar de 1964. O entendimento que prevaleceu foi o de que o sistema democrático estabelecido com a Constituição de 1988 não comporta a busca por “legitimar o regime militar”, conforme escreveu o ministro Gilmar Mendes à época.

    A mensagem publicada pelo Supremo coincide com a abertura da primeira ação penal desde a redemocratização a colocar no banco dos réus um ex-presidente – Jair Bolsonaro – e mais sete aliados denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentarem, sem sucesso, um golpe de Estado. O plano teria sido colocado em prática entre os anos de 2021 e 2023.

    No mês passado, o Supremo também decidiu, por unanimidade, que irá rever seu entendimento sobre a Lei da Anistia, sancionada em 1979 pelo general João Baptista Figueiredo, último ditador do regime militar.

    Os ministros da Corte deverão discutir se a anistia ampla e irrestrita, conforme determinada pela lei, se aplica a casos de crimes continuados como o de sequestro e ocultação de cadáver.

    A reabertura da discussão sobre a Lei da Anistia foi feita nos recursos que tratam da Guerrilha do Araguaia, maior movimento armado de resistência rural ao regime militar, e do deputado Rubens Paiva, que foi sequestrado e morto por agentes da ditadura.

  • Supremo decide que vai julgar validade da Lei de Anistia

    Supremo decide que vai julgar validade da Lei de Anistia

    O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta sexta-feira (21) que vai analisar novamente a validade da Lei da Anistia no caso dos cinco militares acusados pela morte do ex-deputado federal Rubens Paiva, durante o período da ditadura no Brasil.

    Por unanimidade, os ministros da Corte reconheceram a chamada repercussão geral do caso. Dessa forma, a decisão futura que for tomada pelo plenário terá validade para todos os processos semelhantes que estão em tramitação no país. A data do julgamento ainda não foi definida.

    O STF vai julgar um recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) para revisar a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que suspendeu o processo criminal contra cinco militares envolvidos na morte de Rubens Paiva. A decisão levou em conta o julgamento no qual a Corte, em 2010, manteve a validade da Lei de Anistia.

    De acordo com a procuradoria, José Antônio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf e Jacy Ochsendorf são acusados de envolvimento na morte de Rubens Paiva, em janeiro de 1971, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Exército, no Rio de Janeiro.

    A PGR sustenta que o entendimento jurídico internacional sobre a questão definiu que a legislação brasileira de anistia não pode ser aplicada em casos de graves violações de direitos humanos.

    A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por exemplo, já decidiu que a Lei de Anistia não pode ser aplicada no caso da Guerrilha do Araguaia.

    Os militares reformados buscam arquivar a ação penal à qual eles respondem pela acusação de participação no desaparecimento e na ocultação do corpo de Rubens Paiva. De acordo com as defesas, os acusados não podem ser punidos por causa da Lei da Anistia, cuja abrangência, segundo eles, alcança os crimes cometidos durante o período da ditadura no Brasil.

    Ditadura

    Pelo menos em outros dois processos, o STF também pode reavaliar a Lei de Anistia. Nesta semana, o ministro Edson Fachin decidiu destravar dois processos que tratam da responsabilidade de ex-agentes estatais por crime cometidos durante a ditadura militar.

    Com a decisão, voltarão a tramitar recursos do Ministério Público Federal (MPF) que contestam decisões da Justiça que arquivaram denúncias apresentadas contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e os delegados Dirceu Gavina e Aparecido Laertes Calandra pela morte do militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Carlos Nicolau Danielli, morto em 1972. As acusações foram rejeitadas com base na Lei da Anistia.

    A decisão de Fachin também permite a retomada da tramitação do recurso que pede a condenação de policiais e médicos legistas pela morte do militante e operário Joaquim Alencar Seixas, em 1971.

  • Fachin destrava julgamento de recursos sobre Lei da Anistia

    Fachin destrava julgamento de recursos sobre Lei da Anistia

    O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta terça-feira (18) aceitar a tramitação de dois processos que tratam da responsabilidade de ex-agentes estatais por crime cometidos durante a ditadura militar.

    Com a decisão, voltarão a tramitar recursos do Ministério Público Federal (MPF) que contestam decisões da Justiça que arquivaram denúncias apresentadas contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e os delegados Dirceu Gavina e Aparecido Laertes Calandra pela morte do militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Carlos Nicolau Danielli, morto em 1972. As acusações foram rejeitadas com base na Lei da Anistia.

    A decisão de Fachin também permite a retomada da tramitação do recurso que pede a condenação de policiais e médicos legistas pela morte do militante e operário Joaquim Alencar Seixas, em 1971.

    O ministro argumentou que a responsabilidade pelos crimes praticados durante a ditadura voltarão a ser analisados pela Corte.

    “Verifico que o recurso versa sobre a legalidade constitucional da aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro, matéria que justifica o processamento do recurso extraordinário para melhor exame do tema”, justificou.

    Na semana passada, o STF formou maioria de votos para entender que a Corte pode voltar a julgar a aplicação da Lei de Anistia. Em 2010, a Corte validou a norma.

  • ABI dedica 2025 em memória do assassinato de Vladimir Herzog

    ABI dedica 2025 em memória do assassinato de Vladimir Herzog

    A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) dedicará reportagens e uma sessão permanente do site para relembrar o assassinato do jornalista Vladimir Herzog por agentes do Estado brasileiro, em 25 de outubro de 1975 na base do DOI-Codi em São Paulo. O Ano Vladimir Herzog, como foi nomeado pela ABI, se insere nas iniciativas de memória frente à falta de justiça após a tortura e encenação de suicídio, com a qual se tentou esconder o crime cometido nas dependências de uma unidade do Exército.

    Apoiador da iniciativa, o Instituto Vladimir Herzog (IVH) tem amplo material sobre o tema, inclusive depoimentos de colegas da imprensa, contemporâneos de Vlado, como era conhecido o jornalista. O “caso Herzog” juntou décadas de tentativas de esquecer os abusos cometidos, inclusive após a anistia aos torturadores, porém denúncia internacional em 2018, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, levou à reabertura do caso pelo Ministério Público Federal, no ano de 2020. Apenas em 2024 o Estado reconheceu a perseguição à viúva, Clarice Herzog, que se negou a aceitar a versão oficial de suicídio. Ela foi considerada perseguida política e recebeu indenização e um pedido formal de desculpas do Governo brasileiro.

    Vlado

    Vladimir Herzog nasceu na Iugoslávia, em território que hoje pertence à Croácia, em 1937. Judia, a família dele fugiu durante a invasão do país pelas forças nazistas. Estiveram na Itália até 1944 e emigraram para o Brasil em 1946. Cursando Filosofia na Universidade de São Paulo, Herzog se tornou jornalista em 1959, quando começou a trabalhar para o diário O Estado de São Paulo. Teve passagem por diversos outros veículos e foi professor nos cursos de jornalismo. Em 1975, em segunda passagem pela TV Cultura, já como diretor de jornalismo, foi alvo da inquisição do regime militar. Se apresentou à polícia voluntariamente em 25 de outubro de 1975, quando foi à Rua Tutóia, sede do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi/SP), onde foi torturado e assassinado.

    Os agentes tentaram esvaziar o significado da morte do jornalista, travestindo-a de suicídio. Em sua missa de sétimo dia, em ato ecumênico na catedral da Sé, 8 mil pessoas estiveram presentes, em um dos primeiros atos públicos de grande força após o Ato Institucional 5, que endureceu o regime militar. Segundo texto do IVH, “O ato e Vlado tornaram-se símbolos da luta pela democracia e contra a ditadura militar brasileira”. Seu atestado de óbito só foi retificado em setembro de 2012.

  • Dino propõe que Lei da Anistia não vale para ocultação de cadáver

    Dino propõe que Lei da Anistia não vale para ocultação de cadáver

    O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, reconheceu o caráter constitucional e a repercussão geral sobre a possibilidade, ou não, do reconhecimento da anistia ao crime de ocultação de cadáver, considerado um crime permanente, pois continua se consumando no presente, quando não devidamente esclarecido.

    A Lei da Anistia, de 1979, concedeu anistia, uma espécie de extinção de punibilidade, a crimes políticos e outros relacionados, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, período que abrange boa parte ditadura militar brasileira (1964-1985). A decisão foi divulgada neste domingo (15).

    Quando um caso é conhecido e julgado pelo STF com repercussão geral, a decisão passa a ser aplicada por todos os tribunais de instâncias inferiores em casos semelhantes.

    O processo em questão trata de uma denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) ainda em 2015, contra os ex-militares do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, e o tenente-coronel Lício Augusto Ribeiro Maciel. Ambos estiveram à frente de operações contra militantes de esquerda que organizaram uma guerrilha de resistência contra a ditadura, na região do Araguaia, a Guerrilha do Araguaia, na primeira metade da década de 1970, nos chamados ‘anos de chumbo’, período de maior repressão política e autoritarismo estatal no país, comandado pelas Forças Armadas. A denúncia do MPF não foi acolhida em primeira instância nem no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Por isso, o órgão interpôs um Recurso Extraordinário com Agravo (ARE), agora admitido pelo STF.

    “O debate do presente recurso se limita a definir o alcance da Lei de Anistia relação ao crime permanente de ocultação de cadáver. Destaco, de plano, não se tratar de proposta de revisão da decisão da ADPF 153, mas sim de fazer um distinguishing [distinção] em face de uma situação peculiar. No crime permanente, a ação se protrai [prolonga] no tempo. A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei da Anistia”, diz Dino em um trecho da decisão.

    Segundo ele, o tipo penal atribuído aos militares neste contexto persiste no tempo.

    “O crime de ocultação de cadáver não ocorre apenas quando a conduta é realizada no mundo físico. A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática crime, bem como situação de flagrante”, acrescentou.

    Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pelo desaparecimento forçado de 70 pessoas ligadas à guerrilha. O tribunal internacional determinou que o Brasil investigasse, processasse e punisse os agentes estatais envolvidos, e que localizasse os restos mortais dos desaparecidos.

    O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, revelou que o Major Curió coordenou um centro clandestino de tortura conhecido como Casa Azul, em Marabá, no sul do Pará e atuou no Tocantins, também de forma clandestina, na investigação e captura de militantes contrários à ditadura durante a guerrilha. Sebastião Curió morreu em 2022 e chegou a ser recebido pelo então presidente Jair Bolsonaro no gabinete presidencial, em 2020.

    “Ainda estou aqui”

    Na fundamentação da decisão, Flávio Dino chega a mencionar o filme Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, que trata da história de desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva durante a ditadura, cujo corpo jamais foi encontrado.

    “No momento presente, o filme “Ainda Estou Aqui” – derivado do livro de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres (Eunice) – tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”, diz o voto do ministro.

    De acordo com o STF, a decisão de Dino reconhece a existência de repercussão geral da matéria, com o objetivo de formar jurisprudência na Corte se a Lei de Anistia se aplica a crimes que continuam a se consumar até o presente, como a ocultação de cadáver. A repercussão geral será agora avaliada pelos demais ministros em sessão virtual do Plenário.

  • Lira critica indiciamento de deputados pela PF e cita ditadura militar

    Lira critica indiciamento de deputados pela PF e cita ditadura militar

    Com citações à cassação do deputado Márcio Moreira Alves durante a ditadura militar (1964-1985), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), saiu em defesa dos deputados federais Marcel van Hattem (Novo/RS) e Cabo Gilberto Silva (PL/PB) na noite desta terça-feira (26). Ambos foram indiciados pela Polícia Federal (PF) por calúnia e difamação contra um delegado da PF em discursos proferidos na tribuna do Parlamento.

    O presidente da Câmara destacou que não entra no mérito da fala dos parlamentares, mas ressaltou que os discursos na tribuna da Câmara não podem ser cerceados, e citou o caso do deputado Moreira Alves, cassado depois de proferir discurso, em 1968, denunciando a ditadura. Dias depois, o regime editou o Ato Institucional nº5 (AI-5), suspendendo os direitos e garantias políticas e individuais no país.

    “Recordo aqui o caso do deputado Moreira Alves, que, durante o regime militar, foi alvo de retaliação justamente por sua coragem em defender a democracia e os direitos dos cidadãos. Sua cassação, baseada em discursos feitos na sagrada tribuna desta Casa, marcou um dos episódios mais sombrios de nossa história legislativa e serve como um alerta constante para nós. Aqueles que tentam restringir nossa liberdade de expressão legislativa desconsideram os danos profundos que essa prática causa ao Estado Democrático de Direito”, afirmou Lira.

    O presidente da Câmara disse ainda que vê com grande preocupação o indiciamento dos parlamentares por discursos proferidos na tribuna, defendeu a imunidade material dos deputados e afirmou que tomará medidas para defender as prerrogativas da Casa.

    “Não se pode cercear o direito fundamental ao debate e à crítica em tribuna, mediante ameaças de perseguição judicial ou policial. O Parlamento não é e não pode ser alvo de ingerências externas que venham a coibir o exercício livre do mandato”, destacou o presidente da Câmara, acrescentando que “nossa voz é a voz do povo, e ela não será silenciada”.

    Calúnia e difamação

    O deputado Marcel van Hatten disse que foi indiciado por calúnia e difamação ao afirmar, em agosto deste ano, que o delegado Fábio Alvarez Shor estaria fraudando as investigações contra o ex-assessor da Presidência no governo Jair Bolsonaro, Filipe Martins, preso por suposta tentativa de golpe de Estado.

    “Eu quero que as pessoas saibam, sim, quem é esse dito policial federal que fez vários relatórios absolutamente fraudulentos contra pessoas inocentes, inclusive contra Filipe Martins”, afirmou da tribuna Hatten enquanto segurava uma foto do delegado da PF.

    O deputado Cabo Gilberto Silva disse que também foi indiciado por “denúncias na tribuna da Câmara dos Deputados sobre a conduta do delegado Fábio, que está à frente de vários inquéritos ilegais contra inocentes brasileiros”.

    Procurada, a Polícia Federal informou que não se manifesta sobre investigações em curso.

    Art. 53

    O deputado Arthur Lira e os deputados indiciados citam, em suas defesas, o Artigo 53 da Constituição, que define que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

    A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, prevê alguns limites à imunidade parlamentar. No inquérito que apura a suposta organização criminosa criada para atacar o STF e o processo eleitoral brasileiro, o chamado inquérito das fakes news, o ministro Alexandre de Moraes diz que “a jurisprudência da Corte é pacífica no sentido de que a garantia constitucional da imunidade parlamentar material somente incide no caso de as manifestações guardarem conexão com o desempenho da função legislativa ou que sejam proferidas em razão desta; não sendo possível utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas”.

    Em outro julgamento, em 2020, o então ministro do STF Marco Aurélio afirmou que “a imunidade parlamentar pressupõe nexo de causalidade com o exercício do mandato”.

    “Declarações proferidas em contexto desvinculado das funções parlamentares não se encontram cobertas pela imunidade material”, argumentou o ministro na ocasião.

    Em caso julgado em 2017, a ministra do STF Rosa Weber ponderou que “a verbalização da representação parlamentar não contempla ofensas pessoais, via achincalhamentos ou licenciosidade da fala”.

    Outras manifestações do STF sobre a imunidade parlamentar prevista no Art. 53 podem ser consultadas na página do STF.

  • Lula reinstala comissão sobre mortos e desaparecidos políticos

    Lula reinstala comissão sobre mortos e desaparecidos políticos

    A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi reinstalada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O despacho com a medida está publicado na edição do Diário Oficial da União desta quinta-feira (4). O documento restabelece o colegiado nos mesmos moldes previstos de quando foi criada, em 1995, pela Lei nº 9.140/1995.

    Encerrada em dezembro de 2022, no governo de Jair Bolsonaro, a comissão tem como atribuição tratar de desaparecimentos e mortes de pessoas em razão de atividades políticas no período de 2 setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Entre outros pontos, cabe à comissão mobilizar esforços para localizar os restos mortais das vítimas do regime militar e emitir pareceres sobre indenizações a familiares.

    Em 2002, a comissão especial passou a examinar e reconhecer casos de morte ou desaparecimento ocorridos até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. E, em 2004, os critérios para reconhecimento das vítimas da ditadura militar foram ampliados para reconhecer pessoas mortas por agentes públicos em manifestações públicas, conflitos armados ou que praticaram suicídio na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de torturas.

    No início do governo Lula, em 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania adotou medidas administrativas e jurídicas para o restabelecimento da comissão. O Ministério Público Federal também recomendou a reinstalação considerando que a extinção da comissão ocorreu de forma prematura, já que existem casos pendentes de vítimas, incluindo os desaparecimentos da Guerrilha do Araguaia e as valas encontradas nos cemitérios de Perus, em São Paulo, e Ricardo Albuquerque, no Rio de Janeiro.

    Em julho do ano passado, a Coalizão Brasil por Memória Verdade Justiça Reparação e Democracia, grupo formado por dezenas de entidades de defesa dos direitos humanos, já havia cobrado do governo federal ações efetivas de políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação.

    Até hoje, existem 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar.

    Composição

    Lula também dispensou quatro membros da comissão, o presidente, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, representante da sociedade civil; Paulo Fernando Mela da Costa, também representante da sociedade civil; Jorge Luiz Mendes de Assis, representante do Ministério da Defesa; e o deputado federal Filipe Barros (PL-PR), que ocupava o cargo de representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

    Por outro lado, o presidente da República designou como membros Eugênia Augusta Gonzaga, representante da sociedade civil que presidirá a comissão; Maria Cecília de Oliveira Adão, representante da sociedade civil; Rafaelo Abritta, representante do Ministério da Defesa; e a deputada federal Natália Bastos Bonavides (PT-RN), representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados

    O decreto com as dispensas e nomeações também estão na edição de hoje do Diário Oficial da União.

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  • Violência de Estado persiste na democracia, alerta historiador

    Violência de Estado persiste na democracia, alerta historiador

    Estima-se que na ditadura militar morreram 8.350 indígenas nas disputas de terra e na implantação de grandes projetos em áreas florestais. No mesmo período, 1.200 camponeses também teriam morrido em conflitos semelhantes. Segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 2011 a 2014, essas mortes foram causadas pela ação do Estado autoritário ou por omissão.

    Apesar de constarem em relatório oficial, essas mortes são menos conhecidas e por que não despertam tanta atenção? Na avaliação do historiador e sociólogo Lucas Pedretti, esse apagamento se assemelha ao que acontece hoje em dia com as pessoas mortas em operações policiais em comunidades e áreas periféricas: a sociedade brasileira se importa pouco com essas vidas.

    “A gente dá mais valor a algumas vidas do que outras e, portanto, a gente chora mais determinadas mortes do que outras”, diz o estudioso.

    Ele acrescenta: “O que chamamos de democracia tolera e aceita a violência de Estado contra a juventude negra periférica.”

    Esses assuntos são tratados no livro A transição inacabada: violência de Estado e direitos humanos na redemocratização, que Lucas Pedretti está laçando pela editora Companhia das Letras.

    A seguir, os principais trechos da entrevista do autor à Agência Brasil:

    Agência Brasil: Somos um país de história extremamente violenta: tivemos genocídio indígena desde a colonização, por 350 anos a exploração de pessoas escravizadas foi o motor da economia; e nossa miscigenação se deu com estupro de mulheres indígenas e pretas escravizadas. Os indicadores de violência na ditadura e na democracia são coerentes com esse legado?

    Lucas Pedretti: Sem dúvida nenhuma. Precisamos olhar para o período da ditadura militar como mais um capítulo dessa longa história de violência, de barbárie. O livro questiona exatamente como e por que diante dessa história, em que a violência é a marca fundamental, apenas em torno de determinados assuntos houve mobilização capaz de levar o Estado a admitir a violência e produzir, ainda que de forma muito limitada, políticas de reconhecimento com o funcionamento da Comissão de Mortos e Desparecidos Políticos [Lei nº 9.140/1995], Comissão de Anistia [Lei nº 10.559/2002] e Comissão Nacional da Verdade [Lei nº 12.528/2011].

    São momentos únicos da história do Brasil em que o Estado assume que violou direitos e tenta de alguma maneira reparar. Mas por que a gente não tem uma comissão da verdade indígena, ou sobre a escravidão negra ou sobre a violência policial pós-1988? É evidente, como tento mostrar no livro, que raça e classe pesam nisso. Os alvos da violência política da ditadura reconhecida pelo Estado são historicamente mais protegidos: a juventude branca, universitária, de classe média ou, muitas vezes, filhos da elite.

    Agência Brasil: Você escreve no livro que “para casos como a Chacina de Acari [1990] não houve comissões da verdade, programas de reparação ou políticas de memória. Pelo contrário, a resposta da Nova República foi aumento das formas de violência do Estado”. A sociedade brasileira é mais sensível à violência política do que à violência urbana cotidiana?

    Lucas Pedretti: A gente dá mais valor a algumas vidas do que outras e, portanto, a gente chora mais determinadas mortes do que outras. A ideia de violência política, tal como foi construída na redemocratização, teve a função de permitir a reintegração de militantes da oposição. Esse discurso foi capaz de reabilitar politicamente sujeitos que o regime militar chamava de subversivos e terroristas.

    Mas esse discurso mantinha uma certa divisão entre uma violência tolerável e uma violência intolerável. Quando a violência do Estado atinge uma juventude branca universitária gera repúdio porque extrapola aquilo que a sociedade brasileira considera normal, como a morte de um jovem negro na periferia ou um massacre indígena.

    Agência Brasil: Recentemente, foi encerrada Operação Verão, na Baixada Santista, com 56 pessoas mortas pela Polícia Militar de São Paulo. Essas operações especiais das polícias, feitas em diferentes estados, têm alguma semelhança com a repressão política?

    Lucas Pedretti: Todas essas operações policiais estão ancoradas numa lógica na qual determinadas pessoas e determinados territórios da cidade não são dignos dos direitos, da cidadania e das proteções constitucionais. Diante de uma pessoa cuja humanidade não se reconhece e é considerada uma ameaça, nós autorizamos socialmente que a polícia vá lá, torture, prenda e mate arbitrariamente.

    A ditadura estabelece mecanismos institucionais, jurídicos e legais que seguem até hoje e que dão respaldo à situação das polícias. Os autos de resistência, por exemplo, são instituídos durante a ditadura. A atribuição de uma Justiça Militar para julgar militares acusados de cometer crimes contra civis é uma criação da ditadura. A própria organização institucional das polícias militares, como esse corpo se funciona como força auxiliar do Exército, é também uma herança da ditadura militar.

    Para além desses mecanismos jurídicos, institucionais e administrativos, existe algo do ponto de vista discursivo. A ditadura foi o momento em que a ideia de que a mão pesada do Estado deve se fazer valer – independente das leis e garantias constitucionais – e de que as polícias devem atuar autonomamente – sem nenhum tipo de controle externo, sem nenhum tipo de submissão ao poder político civil – tem como contrapartida a garantia da impunidade de policiais.

    É importante dizer que a nossa democracia foi capaz de aprofundar todos esses mecanismos. Isso é algo que precisamos pensar. O que chamamos de democracia tolera e aceita a violência de Estado contra a juventude negra periférica, talvez hoje de forma mais grave do que como acontecia no próprio regime autoritário.

    Agência Brasil: A impunidade e a maneira como a polícia se comporta hoje são sinais da atuação autônoma das polícias e de perda de controle dos governos estaduais?

    Lucas Pedretti: É difícil diagnosticar de forma definitiva que todos os governos estaduais perderam o controle das polícias. O que é possível dizer é que estamos diante de um movimento em que no lugar das corporações policiais se submeterem a um controle rígido civil – como seria esperado em um regime democrático, uma vez que eles são os profissionais que usam a violência cujo monopólio legítimo o Estado detém – vemos um movimento claro de politização dessas corporações, com apresentação de candidatos e atuação político-partidária.

    A semente disso é não só a impunidade, sem dúvida fundamental, mas também a autonomia com que essas forças policiais operam. Essa mistura abre caminho, por exemplo, para que dentro das forças policiais se multipliquem esquadrões da morte, grupos de extermínio e milícias.

    Agência Brasil: A autonomia e a maneira violenta e sem controle de agir também fazem com que essa polícia possa ser cooptada pelo próprio crime?

    Lucas Pedretti: A gente aprendeu isso lá na sociologia com os trabalhos do [cientista social capixaba] Michel Misse. Sempre que tiver um mercado ilegal operando estará junto um mercado de proteção, como ocorre com o mercado de drogas e com o tráfico de armas, onde circula valores absurdos de dinheiro. Esse mercado precisa comprar sua segurança, comprar sua proteção. Quem é melhor para fazer se não os próprios agentes do Estado?

    Agência Brasil: Em 2010, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a ação apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil que questionava a aplicação da Lei de Anistia sobre os agentes do Estado que praticaram crimes hediondos, como tortura, durante a ditadura militar. A impunidade daqueles agentes parece uma cláusula pétrea. Por que a democracia reestabelecida há quase 40 anos não consegue alterar isso?

    Lucas Pedretti: Essa é uma pergunta que nos persegue. Quando tivermos uma resposta exata, talvez consigamos construir caminhos para sair desse dilema. É importante pensar desde o início da nossa história. O Brasil tem uma longa tradição de transições inacabadas, citando o título do livro. Passamos pelos momentos históricos sem lidar com os traumas, sem elaborar e promover medidas para reparar as questões pendentes que foram deixadas, e sem permitir que os conflitos sejam devidamente processados.

    À luz da ideia de que somos um país pacífico, um país em que tudo se resolve na base da conciliação, não lidamos corretamente com o passado.

    Agência Brasil: Avançando no tempo, você teme que o espírito de conciliação nos assombre no julgamento dos responsáveis pelo 8 de janeiro?

    Lucas Pedretti: Eu não acho que a gente possa descartar a possibilidade de uma mudança significativa na conjuntura política que leve a algum tipo de anistia a Jair Bolsonaro e aos militares que operaram na conspiração golpista e no 8 de janeiro. Mas eu acho que o cenário mais provável hoje é a responsabilização criminal desses indivíduos.

    Isso não significa, no entanto, que estamos nos livrando do espírito de conciliação. Pelo contrário. Isso tem ficado muito claro nas falas dos comandantes militares e na fala do ministro da Defesa José Múcio de que ‘os envolvidos no 8 de janeiro e na conspiração golpista foram CPFs’ e que precisamos ‘resguardar o CNPJ’. No limite está sendo dito que ‘não houve golpe no 8 de janeiro porque as Forças Armadas não quiseram’. Creio que o espírito de conciliação aí se impõe de novo.

    Edição: Carolina Pimentel

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  • Amigos se despedem de Ziraldo e lembram seus traços contra a ditadura

    Amigos se despedem de Ziraldo e lembram seus traços contra a ditadura

    Antes de ser conhecido como o pai do Menino Maluquinho e ícone da literatura infanto-juvenil, o cartunista Ziraldo, falecido no sábado (6), aos 91 anos, teve atuação marcante como jornalista em defesa de democracia. Durante a ditadura militar, usou seus traços para combater o regime autoritário e defender a liberdade de expressão.

    O corpo do desenhista foi velado neste domingo, 7 de abril, data que marca o Dia do Jornalista. O velório foi no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cidade onde o mineiro de Caratinga morreu de causas naturais.

    A Agência Brasil conversou com amigos, ex-colegas de profissão e familiares, que ressaltaram a atuação de Ziraldo nos anos de repressão e censura.

    O Pasquim

    A maior representação de Ziraldo nesse ofício está no jornal O Pasquim, que teve o desenhista entre seus fundadores e principais colaboradores. Ao seu lado, nomes como Jaguar, Sérgio Cabral e Tarso de Castro.

    O veículo de imprensa circulou nas décadas de 70 e 80 e era uma das resistências à ditadura, tendo enfrentado censura, perseguição e rendido aos seus responsáveis prisões durante o regime de exceção.

    “Era o deboche, a piada, a gozação para afetar o regime ditatorial na base do deboche”, lembra o jornalista Marcelo Auler, hoje conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e que compartilhou a redação de O Pasquim com Ziraldo a partir de 1974.

    Rio de Janeiro (RJ), 07/04/2024 - Familiares, amigos e fans se despedem do cartunista Ziraldo em velório, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro(MAM). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

    Um capricho do destino fez com que Ziraldo fosse sepultado no Dia do Jornalista. Foto – Tânia Rêgo/Agência Brasil

    “É um outro tipo de jornalismo, muito crítico e sempre de oposição”, classifica. Ele conta que, apesar de repórteres fazerem entrevistas que duravam várias horas, os textos mais longos não eram a característica principal da publicação.

    “O Pasquim era um jornal de piada, de cartum, desenhos. O [cartunista] Henfil, com o seu [personagem] Fradim, atingia muito mais que muito texto de jornalismo. O Ziraldo, com suas charges, atingia muito mais que muito texto de vários jornalistas”.

    Contra a censura

    O ex-deputado federal e ex-ministro das Comunicações Miro Teixeira acrescentou que, por meio do tabloide, Ziraldo e a equipe conseguiram fazer chegar à população as violações que estavam sendo acobertadas pela censura de Estado.

    “O Pasquim era censurado também, mas conseguia atravessar com a arte algumas brechas deixadas pela ditadura. Foi útil para levar ao povo o conhecimento do que se passava nos cárceres, porque as pessoas não tinham conhecimento, a classe média não tinha conhecimento. Foi graças a pessoas como o Ziraldo que isso chegou ao conhecimento da população”, conta Miro, que também é jornalista.

    O cartunista Ricardo Aroeira aponta legado de Ziraldo em toda a imprensa brasileira. “Como jornalista, ele abriu três, quatro, seis projetos diferentes que, na verdade, mudaram a linguagem jornalística. Nenhum jornal brasileiro é o mesmo depois de O Pasquim. O texto do jornal é diferente, a abordagem da reportagem, um certo senso de humor e leveza, isso tudo é Ziraldo”, diz.

    Família

    Irmão mais novo do cartunista, o designer gráfico Gê Pinto lembrou de um momento difícil da trajetória de Ziraldo, a prisão durante a ditadura. Um dos prováveis motivos foi a participação em O Pasquim. “Eu estava na casa dele no dia em que ele foi preso. Ainda menino, levei um susto danado”, rememora.

    Rio de Janeiro (RJ), 07/04/2024 - Familiares, amigos e fans se despedem do cartunista Ziraldo em velório, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro(MAM). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

    Familiares, amigos e fãs se despediram do cartunista Ziraldo em velório, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro(MAM). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

    “O Ziraldo sempre teve esse compromisso com a liberdade e com a democracia. A gente sentia em cada gesto dele, em cada atitude e nas charges. Foi um orgulho ver como ele foi resistência”, afirma.

    Para a cineasta Fabrizia Pinto, filha de Ziraldo, o pai salvou o Brasil do regime militar e enfatizou que Ziraldo não deixou o país no período mais difícil para a imprensa e a sociedade. “Ele ficou no Brasil para lutar contra a ditadura. Ele lutou com a pena, um papel, ideias pequenas e pérolas. Uma pessoa como essa nunca vai se esvair, não vai embora”.

    A diretora do Instituto Ziraldo, Adriana Lins, que também é sobrinha do desenhista, enumera fatores que, na visão dela, forjaram Ziraldo como jornalista.

    “Ele é um crítico de costumes, um crítico político, um observador curioso desde o dia em que nasceu. Na hora em que você tem todos esses dons, essa sagacidade, essa curiosidade, essa inteligência, acaba virando jornalista”, afirma.

    “Ele fez todo mundo saber de tudo de uma maneira tão sagaz, minimalista, em épocas que não podia se falar tudo às claras”, ressalta a sobrinha. O Instituto Ziraldo é uma instituição que preserva o trabalho intelectual do artista.

    Jornais e revistas

    Ziraldo frequentava redações antes do começo da ditadura militar, iniciada por um golpe que completou 60 anos em 2024. Em 1954, começou uma página de humor no jornal A Folha de Minas. Passou também pelo semanário O Cruzeiro – que tinha enorme circulação nacional – e pelo Jornal do Brasil. O mineiro também trabalhou na revista Pif-Paf, dirigida por Millôr Fernandes.

    Após a redemocratização, Ziraldo acreditou em mais projetos editorais, como as revistas Palavra e Bundas, as duas em 1999. A segunda ridicularizava o culto a celebridades. Em 2002 lançou O Pasquim 21. Era uma tentativa de reviver os tempos áureos do tabloide de oposição. Mas a iniciativa durou apenas até 2004.

    Estátua

    O compositor Antônio Pinto, um dos filhos do desenhista, adiantou que existe o objetivo de criar no Rio de Janeiro um centro cultural em homenagem a Ziraldo.

    “Meu pai é uma figura enorme, um cara que criou por mais de 70 anos para o Brasil. A gente tem na nossa casa, onde era o estúdio dele, um material vastíssimo, mais de mil desenhos. A gente quer, de alguma maneira, colocar isso para as pessoas verem”.

    Outra forma de legado é um desejo antigo da filha Fabrizia Pinto e que mudaria a paisagem do Rio de Janeiro. Uma estátua na orla da praia de Copacabana, onde já há uma homenagem a outro mineiro, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

    “Eu gostaria muito que ele ficasse sentadinho do lado dele, Drummond e meu pai, porque eles se amavam muito, eles eram muito amigos”, pediu emocionada.

    “Nós é que pedimos. Então vamos fazer todas as homenagens que ele merece e não são poucas”, respondeu o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.

    Edição: Marcelo Brandão

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