Tag: Dia Nacional da Consciência Negra

  • Dieese expõe diferença de renda entre negros e brancos no Brasil

    Dieese expõe diferença de renda entre negros e brancos no Brasil

    O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou, no contexto de Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado ontem (20), um estudo sobre vários indicadores que apontamm que, apesar dos avanços, a desigualdade racial de rendimentos persiste no Brasil.

    O primeiro deles é que o rendimento médio dos negros é 40% inferior ao dos não negros. Mas o levantamento demonstrou também que os negros com ensino superior ganham até 32% a menos que os demais trabalhadores com o mesmo nível de ensino – a entidade destaca que, mesmo com a adoção da Lei das Cotas, a situação pouco se alterou.

    Outro dado significativo é a renda de R$ 899 mil a menos dos trabalhadores negros em relação aos não negros, durante todo o período de sua vida laboral. No caso daqueles com ensino superior, o valor chega a R$ 1,1 milhão.

    No que diz respeito aos cargos de liderança, um em cada 48 homens negros está em posições de chefia ou comando. Entre os não negros, a proporção é de um para 18 profissionais. Nas profissões mais bem pagas, os negros são apenas 27% do total, com 70% dos trabalhadores em ocupações com salários mais baixos.

    Mulheres negras

    O levantamento do Dieese mostra que uma em cada seis mulheres negras trabalha como empregada doméstica. O rendimento médio das profissionais sem carteira é R$ 461 menor do que o salário mínimo.

    É o caso da pernambucana Zilma Fontes, de 48 anos, que trabalha em São Paulo e que já foi contratada pelo regime de CLT como doméstica e babá. Em ambos os casos ganhava mais do que no trabalho atual como diarista. “Além de ganhar menos como diarista, é um trabalho muito instável. Com os benefícios de uma carteira assinada, caso o patrão não peça para não ir ao trabalho, você não fica sem receber”, disse.

    Segundo a supervisora técnica do escritório do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias, apesar de alguns avanços e, principalmente, com a adoção de políticas reparatórias, como a Lei de Cotas, ainda “há um caminho muito longo a ser trilhado no sentido da diminuição das desigualdades”.

    Ana Georgina ressaltou que o estudo do Dieese – do qual foi uma das coordenadoras – chama a atenção pela “permanência dos trabalhadores negros na condição de desigualdade ao longo dos anos, principalmente no caso das mulheres”. Ela disse que, embora tenhamos assistido avanços importantes, inclusive no setor privado, e motivados pelos movimentos negros, “há uma lacuna muito grande, que demanda ainda muito tempo para que, de fato, as desigualdades diminuam”.

    O levamento do Dieese é importante, uma vez que 57% da população brasileira é constituída por negros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também são os declarados negros ou pardos a maior parcela dos trabalhadores ocupados (55%) no mercado de trabalho.

    Os principais dados analisados pelo Dieese foram obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na pesquisa Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua (PNAD Contínua), estando disponíveis no boletim De Olho Nas Negociações, de outubro deste ano.

  • Feriado do Dia Nacional da Consciência Negra tem festas e atos no país

    Feriado do Dia Nacional da Consciência Negra tem festas e atos no país

    Nesta quarta-feira (20), o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra será celebrado pela primeira vez como feriado nacional. Até 2023 a data era celebrado em apenas seis estados e pouco mais de 1.200 cidades, e passou a ser comemorado em todo o país após a sanção da Lei n° 14.759, em dezembro de 2023, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

    Para o Ministério da Igualdade Racial, a conquista do feriado marca a relevância da cultura e história afro-brasileira para o país. “A celebração em nível nacional é um chamado para que toda a população possa refletir sobre a identidade do Brasil, sobre a importância de valorizar as diferenças e agir coletivamente para que tenhamos uma nação cada vez mais desenvolvida e diversa”, comemora a pasta.

    A data de 20 de novembro é um reconhecimento à história de resistência do Quilombo dos Palmares, formado na Serra da Barriga, na então Capitania de Pernambuco, hoje estado de Alagoas, por volta de 1580.

    São Paulo (SP) 20/11//2023 - Marcha da Consciência Negra na avenida Paulista defendem projetos de vida para população negra no Brasil. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

    20 de novembro é um reconhecimento à história de resistência do Quilombo dos Palmares – Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

    Palmares foi o maior refúgio de negros da América Latina, chegando a reunir 20 mil pessoas, a maioria delas escravizados que fugiram dos engenhos da Bahia e de Pernambuco.

    Em 1694, o quilombo foi destruído e, em 20 de novembro do ano seguinte, seu líder, Zumbi dos Palmares, foi assassinado, daí a relevância simbólica da data para a população afrodescendente.

    Uma programação especial ocorrerá na Serra da Barriga, em União dos Palmares (AL), região onde está o Parque Memorial Quilombo dos Palmares.

    Realizada pelos ministérios da Cultura e da Igualdade Racial, Fundação Palmares, Secretaria Estadual de Cultura de Alagoas, em parceria com a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a programação inclui uma série de atividades culturais, com apresentações de maracatus, grupos de caco, samba de roda, afoxés, reggae e hip hop, bem como homenagens que exaltam a história e o legado do povo negro e de grandes figuras como Zumbi e Dandara dos Palmares.

    A Fundação Palmares lançou um aplicativo que permite ao usuário fazer uma visita virtual pelos espaço onde se encontram peças arqueológicas que contam a história dos diferentes povos que habitaram a Serra da Barriga, como cachimbos, panelas de barro, ferramentas de pedra lascada e polida e outros artefatos.

    Para o público presencial, o aplicativo possibilita o registro de uma selfie com uma das personalidades que fizeram a história do Quilombo Palmares: Aqualtune, Zumbi, Ganga Zumba, Acotirene ou Dandara (suas representações).

    Vídeos, áudios e fotos também registram aspectos e depoimentos sobre Serra da Barriga, área de réstia de Mata Atlântica, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1985 e pelo Mercosul, em 2017.

    Para a secretária da Cultura e Economia Criativa de Alagoas, Melina Freithas, a programação reflete a responsabilidade e o orgulho de celebrar a data, tão significativa para a cultura e a identidade do povo brasileiro.

    “As atividades organizadas em parceria com o governo federal refletem o compromisso em preservar e honrar a memória do Quilombo dos Palmares e de tudo o que ele representa para a luta e a resistência negra no Brasil”.

    São Paulo (SP) 20/11//2023 - Marcha da Consciência Negra na avenida Paulista defendem projetos de vida para população negra no Brasil. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

     Em todo o país também acontecem atividades relacionadas ao Dia Nacional de Zumbi dos Palmares – Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

    Programação

    Em todo o país também acontecem atividades relacionadas ao Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra. O Ministério da Igualdade Racial, em parceria com os ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania e da Cultura, lançou o hotsite e o mapa da igualdade racial, onde é possível verificar a programação de diversas ações e eventos agendados por todo o Brasil.

    Na Região Nordeste, onde se concentra boa parte da população negra do país, debates, rodas de conversa, festivais e apresentações culturais também celebram a data.

    Em São Luís, movimentos sociais do campo e da cidade homenageiam Zumbi dos Palmares com o Festival Zumbi Vive, voltado para o reconhecimento das contribuições históricas e artísticas do povo negro e o legado de resistência e liberdade deixado por Zumbi. O festival também reforça a importância de combater o racismo e a desigualdade social.

    Na programação, o destaque fica por conta da apresentação de roda de capoeira, artistas como Joãozinho Ribeiro, Rosa Reis, Mestre Roxa, o Tambor de Crioula Filhas de São Benedito e bloco Afro Akomabu, o mais antigo do estado.

    Dança do Bloco Akomabu

    Dança do Bloco Akomabu – Foto Wilson Dias/Agência Brasil

    Na Bahia, a celebração do legado de Palmares já teve início com a exposição O povo negro é o meu povo. Lita Cerqueira, 50 anos de fotografia, em cartaz até 20 de dezembro. Aberta em outubro, a exposição apresenta o trabalho da primeira fotógrafa negra profissional do Brasil, que se destacou com a série Tipos Humanos e registros das festas e da capital baiana.

    De 21 a 23 de novembro, ocorrerão debates com a realização do Fórum Pró-Igualdade Racial e Inclusão Social do Recôncavo 2024, realizado na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

    Na Paraíba, o governo do estado assinou nesta terça-feira (19), a cessão de uso do Casarão dos Azulejos, importante imóvel histórico da capital para ser transformado no Museu da Diáspora Negra, das Etnias e das Comunidades Tradicionais da Paraíba.

    Esse novo museu será dedicado à valorização e preservação das culturas afro-brasileira e indígena, funcionando como um ponto de memória, educação e identidade para a comunidade.

    E desde o dia 14, a Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc), em parceria com a Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH-PB), realiza a 4ª edição do Festival Pretitudes, evento que vai até o dia 27 de novembro com o objetivo de visibilizar a produção cultural feita por artistas negras e negros do estado.

    Em Teresina, a programação tem no dia 22 de novembro a realização da Festa da Beleza Negra, que será realizada no Memorial Esperança Garcia, mulher escravizada considerada uma heroína piauiense na luta pela igualdade e justiça racial.

    Em Recife, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra tem como destaques a 14ª Marcha da Capoeira Zumbi de Palmares, cuja concentração será às 14h, no Marco Zero.

    Mais cedo, às 9h, também haverá mais um roteiro especial, batizado de Recife Afro. Os participantes vão conhecer algumas das principais personalidades negras de Recife, como Naná Vasconcelos, e também haverá visita aos pátios com maior influência afro na cidade, como o Pátio do Terço e o Pátio de São Pedro.

    O Pátio de São Pedro também será o palco do Festival de Cultura Negra de Pernambuco, que chega a sua 2ª edição, com shows a partir das 15h.

    Já a Pracinha de Boa Viagem vai abrigar as apresentações do espetáculo Referências do Fuzuê – Mestras, Mestres e Terreiros, do Grupo Fuzuê de Dança, que começarão às 18h30 e seguirão até as 22h30.

    Em Sergipe, as atividades começam pela manhã, às 9h, com uma roda de conversa intitulada Novembro Negro, no Centro de Criatividade, localizado ao entorno da Maloca, o primeiro quilombo urbano de Sergipe e o segundo do Brasil, reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial de Aracaju.

    No final da tarde, a Fundação de Cultura e Arte Aperipê (Funcap) fará a reinauguração do Museu Afro-Brasileiro de Sergipe, em Laranjeiras. Criado em 1976, o acervo do museu inclui objetos de transporte, utensílios como pilões, vestimentas religiosas e de época, além de peças históricas utilizadas para castigos e torturas das pessoas escravizadas.

    A programação também terá apresentações culturais dos grupos Populart e Maculelê de Laranjeiras, show musical do artista Vitor Santana e a premiação do Concurso Poesia Negra Estudantil.

    Em Fortaleza, a programação é marcada pela segunda edição do Festival Afrocearensidades, no Complexo Cultural Estação das Artes, das 14h às 21h. Com o tema Na Ginga dos Saberes Ancestrais, o festival reúne mais de 200 ações em diversos equipamentos culturais do estado.

    A exibição do documentário Bença, abre a programação. O filme retrata a tradição e ancestralidade das benzedeiras no Ceará, destacando a história de mulheres que, por meio da fé e da espiritualidade, promovem a cura através do benzimento. Após a exibição, duas das protagonistas do documentário, Mãe Zimá e Verônica Quilombola, participarão de uma roda de conversa para dialogar com o público sobre a cura pela reza.

    A musicalidade também está presente no festival com apresentações de roda de samba, rap e hip hop, com a Batalha de Rima, conduzida pelo movimento Cururu Skate Rap.

    Em Natal, o destaque fica para a 7ª edição do Festival Mungunzá, no Largo Ruy Pereira. O evento, com acesso gratuito, reúne artistas periféricos da cidade para celebrar a criatividade, arte e resistência cultural. A programação mistura a cultura popular com movimentos contemporâneos; indo de canções tradicionais a música eletrônica, hip-hop, reggae, entre outros ritmos.

  • Consciência Negra: expressões reforçam racismo e devem ser evitadas

    Consciência Negra: expressões reforçam racismo e devem ser evitadas

    No Dia Nacional da Consciência Negra, lembrado neste domingo (20), especialistas alertam para a necessidade de se repensar o uso de termos e expressões que reforçam o racismo. Há casos em que essas palavras são reproduzidas sem que as pessoas tenham o conhecimento histórico da origem delas.

    Para conscientizar sobre o tema, a Defensoria Pública da Bahia lançou o Dicionário de Expressões (Anti) Racistas, no ano passado.

    “Nosso idioma foi construído sob forte influência do período de escravização e muitas destas expressões seguem sendo usadas até hoje, ainda que de forma inconsciente ou não intencional. Precisamos repensar o uso de palavras e expressões que são frutos de uma construção racista”, destaca a publicação.

    A cartilha cita expressões como “a coisa tá preta”, em que a cor preta ou negra é usada em uma conotação negativa, e propõe a substituição para “a situação está difícil”.

    Outro exemplo de expressão considerada racista é “cabelo ruim” para designar cabelo crespo ou cacheado. A publicação também aponta as expressões “mercado negro, magia negra, humor negro e ovelha negra” – em que a palavra ‘negro’ representa algo pejorativo, prejudicial, ilegal. Como alternativa, propõe-se o uso de mercado clandestino, lista proibida e humor ácido.

    “O racismo se revela de diversas formas em nossa sociedade. Estas microagressões, além de reproduzirem um discurso racista, ao identificarem a negritude como marcador de inferioridade social, afetam o bem-estar de pessoas negras”, diz a cartilha.

    Há outras palavras menos óbvias, como “boçal”, descrita na cartilha como “referência aos escravizados que não sabiam falar a língua portuguesa”. Essa desqualificação também é uma das formas de racismo que, segundo o linguista e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia Gabriel Nascimento, persiste nos dias atuais.

    “As palavras são resultado de uma formação histórica racista. O racismo linguístico não se resume às palavras”, enfatiza.

    Nascimento lembra que os negros representam mais de 50% da população brasileira. “Essa população modificou essa língua. Ela é parte dessa língua porque essa língua é dela. No entanto, quando a gente vai falar de como o Estado e as pessoas tratam as pessoas negras, normalmente a elas é imposta uma falta de autoestima linguística, como pessoas que não são portadoras da capacidade de falar essa língua de maneira orgânica e politicamente, de se comunicar”, destaca.

    O uso das palavras também é uma forma de disputa, segundo Nascimento. Ele destaca a palavra “negro” aplicada a pessoas, que não tinha equivalente na África antes da invasão europeia. “Como você explica um país onde ‘negro’ seja uma palavra usada ao mesmo tempo para politizar uma população mestiça e também para racismo? Ao mesmo tempo que o homem preto positiva a sua narrativa  – “eu sou um homem negro” – você tem a presença desse homem negro sendo chamado por uma mulher branca de ‘negro fedido’”, diz, usando como exemplo o caso de racismo contra o humorista Eddy Júnior, ofendido por uma vizinha no condomínio onde mora na zona oeste da capital paulista em outubro de 2022.

    Influência africana

    Uma das maiores demonstrações do racismo na língua portuguesa no Brasil é a falta de estudo da influência das línguas africanas na formação do idioma, segundo Gabriel Nascimento –  que é autor do livro Racismo Linguístico.

    “O fato de a gente levar 14 anos na educação formal tentando aprender a diferença entre adjunto adnominal e complemento nominal mostra o quão colonial, o quanto de racismo linguístico a gente tem no nosso português. Porque a gente não identifica a importância das línguas bantus [grupo étnico africano], a sua influência nos falares do Brasil”, afirma o pesquisador.

    Esses idiomas influenciaram não só com palavras que são usadas no cotidiano brasileiro, como também, de acordo com Nascimento, até na sintaxe predominante no país. Entre as palavras, o pesquisador aponta como exemplos samba, bunda, cachimbo, acalanto, dengo, quiabo, bengala.

    Há ainda, segundo ele, usos comuns que na chamada norma culta acabam sendo considerados incorretos. “A gente não sabe, por exemplo, que nas línguas bantus, que são línguas extremamente prefixais, toda a informação de plural e singular entra de maneira prefixal. Nessas línguas você normalmente coloca as informações de singular e plural no primeiro traço da palavra”, explica.

    “Quando você faz a concordância em ‘as menina’, você apenas coloca o plural no primeiro item. Essa influência é vista normalmente no Brasil como erro. Mas ela é uma influência bantu muito legítima e vai se reproduzir em outros lugares”, exemplifica. São elementos culturais importantes que, na visão do professor, não têm a atenção devida. “As nossas escolas não abordam conteúdos linguísticos africanos. Essa diversidade brasileira da língua foi ignorada pelas escolas”, afirma.

    *Colaborou Daniel Mello