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  • Caso Samarco: ministro diz que R$ 100 bi é o mínimo para acordo

    Caso Samarco: ministro diz que R$ 100 bi é o mínimo para acordo

    O governo espera fechar em breve o acordo de repactuação da reparação dos danos da tragédia ocorrida em Mariana (MG) em 2015. A expectativa é que sejam garantidos R$ 100 bilhões em dinheiro novo. A proposta envolve ainda R$ 30 bilhões convertidos em obrigações a serem implementadas diretamente pelas mineradoras envolvidas: Samarco, Vale e BHP Billiton. As companhias alegam já terem destinado ao processo reparatório cerca de R$ 37 bilhões.

    “Em dezembro de 2022, chegou a ser anunciado que o acordo estava encaminhado com uma previsão de R$ 49 bilhões em dinheiro novo. Depois que assumimos o governo, conseguimos mais do que dobrar isso. São R$ 100 bilhões em dinheiro novo. É a nossa última proposta. Considerando os R$ 30 bilhões em obrigações de fazer e os R$ 37 bilhões de gastos já realizados, será o maior acordo do planeta. Ao todo, são R$ 167 bilhões”, disse o ministro de Minas e Energia, Alexandre da Silveira, após participar nesta quinta-feira (20) de uma reunião no Rio de Janeiro que discutiu uma eventual retomada do horário de verão.

    “Isso seria o mínimo para poder reparar. Há impactos permanentes. Tem questões ali que dinheiro nenhum no mundo vai conseguir mudar”, acrescentou. A barragem que se rompeu integrava um complexo minerário da Samarco localizado na zona rural do município de Mariana. Na ocasião, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e houve impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo.

    Em março de 2016, a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a União e os governos mineiro e capixaba firmaram acordo formalizado por meio de um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), que estabeleceu uma série de ações reparatórias. O documento trata de questões variadas como indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas, recuperação ambiental, apoio aos produtores rurais, etc. Todas as medidas são conduzidas pela Fundação Renova, criada com base no TTAC. As mineradoras são responsáveis por indicar a maioria dos membros na estrutura de governança da entidade. Cabe a elas também garantir os recursos necessários.

    Passados oito anos e sete meses do episódio, ainda há diversos problemas não solucionados. Tramitam no Judiciário brasileiro mais de 85 mil processos entre ações civis públicas, ações coletivas e individuais. Em busca de uma solução, as negociações para uma repactuação do acordo se arrastam há três anos. Até o momento, não houve consenso.

    No início do mês, o presidente Lula chegou a anunciar que o acordo sairia em outubro. O ministro Alexandre da Silveira, porém, tirou o foco dessa possibilidade. “Quero deixar registrado: eu nunca afirmei prazo. Estou trabalhando para que seja o mais rápido possível, mas ainda faltam algumas questões objetivas”, afirmou. Segundo ele, estão sendo discutidas questões técnicas e jurídicas. Também não há ainda consenso sobre prazos e forma de pagamento.

    Modelo Brumadinho

    Silveira descartou que o acordo seja inspirado nos moldes estabelecidos para a reparação da tragédia ocorrida em Brumadinho (MG), no ano de 2019. No episódio, a ruptura de uma barragem da Vale ceifou 272 vidas e gerou danos ambientais na bacia do Rio Paraopeba. O acordo de reparação foi selado em 2021 prevendo um aporte de R$37,68 bilhões.

    Segundo o ministro, interesses eleitorais influenciaram a inclusão de medidas que beneficiaram diferentes cidades do estado, mesmo aquelas mais distantes da área atingida, e os moradores de Brumadinho ficaram desamparados. O acordo garantiu recursos para grande obras que ficaram sob gestão do Executivo mineiro, como as reformas ou conclusões de seis hospitais regionais e a construção de um Rodoanel que contornará a região metropolitana de Belo Horizonte.

    “Na minha opinião, houve um crime de lesa-pátria contra o povo de Brumadinho e a população atingida. Hoje existe um pânico em Brumadinho porque em 2026 se encerram os auxílios mensais recebidos pelas famílias e o financiamento da saúde pública da região que é feita pela vale. Os recursos foram pulverizados no estado. E os impactos emocionais, mentais e na saúde pública são inexoráveis. Eu conheço bem a realidade”, diz.

    Apesar das críticas, um novo acordo para Mariana deverá ter uma similaridade na comparação com o que foi feito para Brumadinho. O envolvimento de uma entidade nos moldes da Fundação Renova deve ser descartado. De outro lado, deverão ser garantidos valores para as indenizações individuais. No caso de Brumadinho, elas ficaram de fora do acordo e passaram a ser tratadas separadamente.

    Nova gestão

    No fim de agosto, o conselho de administração da Vale elegeu um novo presidente: Gustavo Pimenta foi escolhido para substituir Eduardo Bartolomeo. A mudança parece ter gerado otimismo no governo para um desfecho nas negociações. O ministro disse que espera se sentar com o novo presidente da mineradora em breve.

    “A Vale viveu um momento de acefalia de liderança. Falei isso e disseram até que eu estava querendo interferir na escolha do novo presidente. E por mim poderia ser José, Maria, Joaquim. O importante era ter alguém para responder pela empresa. Eu acho que a Vale tem um modelo falido no mundo. Eu sou absolutamente crítico do modelo de corporation de capital pulverizado, porque você nunca sabe com quem que você está conversando. Um empurra pro outros e ninguém responde por nada. Quando se trata do interesse do povo brasileiro, ficam empurrando com a barriga. Nós não vamos deixar isso acontecer. Estamos extremamente dedicados para que haja reparação dos danos ao povo mineiro e ao povo capixaba”, disse Silveira.

    Procurada pela Agência Brasil, a Vale não comentou a manifestação do ministro. A mineradora reiterou o comunicado ao mercado divulgado no dia 11 de setembro. “Até o momento, nenhum acordo definitivo foi alcançado. A Companhia espera chegar a um acordo final no processo de mediação em outubro de 2024, o qual será devidamente divulgado ao mercado”, registra o texto.

    Entidades representativas dos atingidos têm acompanhado os anúncios envolvendo a repactuação de forma crítica. Elas questionam a realização de tratativas sob sigilo, sem a presença das lideranças das comunidades impactadas. Conforme uma carta divulgada no mês passado pelo Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), os R$ 100 bilhões seriam insuficientes para garantir uma reparação integral a todas as famílias atingidas. “No exterior, os atingidos estão processando a BHP em busca de indenizações e a conta certamente será muito maior”, destaca o documento em referência a uma ação que tramita no Reino Unido.

    Edição: Aline Leal

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  • Caso Samarco: STJ anula regra de R$ 2,3 mil para reparar corte de água

    Caso Samarco: STJ anula regra de R$ 2,3 mil para reparar corte de água

    Uma antiga decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) envolvendo o processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco foi derrubada, em Brasília, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

    Em 2019, a indenização por danos morais para moradores que sofreram com a interrupção no fornecimento de água nos dias após a tragédia foi uniformizada. Foi fixado o direito de cada vítima receber R$ 2,3 mil.

    Essa padronização do valor indenizatório foi anulada na última terça-feira (21) pela Segunda Turma do STJ. A decisão – por unanimidade – atendeu pedido formulado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Atingidos também foram ouvidos pelo STJ, que criticaram a decisão do TJMG e consideraram que o valor fixado era irrisório.

    O rompimento da barragem, localizada na zona rural de Mariana (MG), ocorreu em novembro de 2015. Na ocasião, foram liberados 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos que formaram uma avalanche e alcançaram o Rio Doce, gerando impactos em dezenas de municípios mineiros e capixabas até a foz na cidade de Linhares (ES).

    A interrupção súbita do fornecimento de água afetou milhares de moradores. Em muitos casos, sem previsão de regularização, a mineradora e suas acionistas Vale e BHP Billiton precisaram custear o abastecimento mediante caminhões-pipa.

    A situação gerou uma enxurrada de ações judiciais em busca de providência e indenização por danos morais. Diante da situação, a Samarco pediu a instauração de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).

    Trata-se de uma inovação do Código do Processo Civil que entrou em vigor em 2015. Por meio do mecanismo, um entendimento é fixado e deve servir de parâmetro para que juízes analisem ações repetitivas sobre determinada matéria. Além de dar celeridade à Justiça, o IRDR busca evitar sentenças contraditórias em processos sobre o mesmo assunto.

    O Tribunal de Justiça de Minas Gerais aceitou o pedido da mineradora para que fosse fixado um entendimento único sobre o valor das indenizações e tomou a decisão em outubro de 2019. Desde então, julgamentos no estado passaram a reconhecer o direito das vítimas da tragédia no estado de receber R$ 2,3 mil. Exceções poderiam ser admitidas nos casos em que circunstâncias específicas justificassem um valor mais elevado. Mas, para adultos em condições normais de saúde, a padronização precisaria ser respeitada.

    O Ministério Público chegou a estimar que havia cerca de 50 mil ações individuais tramitando no TJMG envolvendo a questão e defendeu que as indenizações não fossem inferiores a R$ 10 mil. Esse posicionamento, no entanto, não foi acolhido pela justiça mineira.

    Falta de participação

    Ao analisar o caso, o STJ avaliou que o TJMG não respeitou os requisitos do Código de Processo Civil para instaurar o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

    Um dos problemas destacados foi a falta de participação de representantes das vítimas no julgamento. “O IRDR não pode ser interpretado de forma a dar origem a uma espécie de ‘justiça de cidadãos sem rosto e sem fala’, calando as vítimas de danos em massa em privilégio ao causador do dano”, disse o ministro Herman Benjamin, relator do caso.

    “A participação das vítimas dos danos em massa – autores das ações repetitivas – constitui o núcleo duro do princípio do contraditório no julgamento do IRDR. É o mínimo que se deve exigir para garantir a observância ao devido processo legal, sem prejuízo da participação de outros atores relevantes, como o Ministério Público e a Defensoria Pública. A participação desses órgãos públicos não dispensa esse contraditório mínimo”, acrescentou.

    O STJ considerou, ainda, que o IRDR, em regra, deve ser instaurado a partir de processos que já estejam em curso na segunda instância e que envolvam questões de direito originadas de demandas de massa. Conforme apontou o relatório do ministro Benjamin, aprovado pelos demais magistrados, a Samarco indicou como representativos da controvérsia um caso que tramitava em juizado especial e outro que se encontrava ainda em primeira instância.

    Procurada pela Agência Brasil, a mineradora informou que não vai comentar o assunto. A decisão do STJ anula apenas a uniformização das sentenças proferidas pela justiça mineira.

    O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) também instaurou o IRDR para uniformizar as indenizações por dano moral relacionado com o corte no fornecimento de água. A decisão – tomada em 2017 – apontou que a interrupção do abastecimento em municípios capixabas foi inferior a cinco dias e fixou o valor de R$ 1 mil para os moradores afetados.

    Os pagamentos têm sido realizados pela Fundação Renova, entidade criada conforme acordo para reparação dos danos firmado alguns meses após a tragédia entre a Samarco, a Vale, a BHP Billitonas, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.

    Conhecido como Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), ele estabeleceu programas a serem implementados, incluindo de indenizações. As mineradoras se responsabilizaram pelo custeio de todas as ações pactuadas e a gestão das medidas ficou a cargo da Fundação Renova.

    A entidade informou que, no caso do julgamento do IRDR, não é parte do processo. Em relatórios já divulgados, a Fundação Renova afirma que, até dezembro de 2023, destinou R$ 13,89 bilhões para indenizações. Os pagamentos referentes à interrupção do abastecimento de água representam cerca de 2,2% desse total, somando R$ 305,5 milhões.

    Lucros cessantes

    Outra decisão judicial também favorável aos atingidos foi tomada recentemente pela Justiça Federal. O juiz Vinícius Cobucci determinou, no dia 15 de maio, que seja mantido o pagamento dos lucros cessantes, isto é, os ganhos financeiros que os trabalhadores vêm deixando de obter desde o rompimento da barragem. Muitos dos beneficiados pela decisão são pescadores. A pesca foi uma das atividades mais afetadas devido à poluição das águas e mortandade dos peixes.

    A controvérsia envolve a suspensão desses pagamentos com base no sistema indenizatório simplificado conhecido como Novel, que vigorou entre 2020 e 2023. A Fundação Renova foi autorizada a implantá-lo a partir de uma controversa decisão judicial que fixou valores para diversos tipos de danos.

    Para aderir ao Novel, os atingidos precisavam assinar um termo de quitação ampla e definitiva. Segundo a Fundação Renova, através do documento, eles abriram mão de todas as pretensões financeiras decorrentes do rompimento. Em relação aos lucros cessantes, os trabalhadores afetados que aderiram ao Novel tiveram direito a valores que fariam jus a um período de 71 meses, contados de novembro de 2015 a outubro de 2021. O repasse foi feito em parcela única.

    Muitos dos que aderiram ao Novel já estavam inscritos no Programa de Indenização Medida (PIM), que entrou em vigor em 2016. Ele foi o primeiro sistema voltado para o pagamento das indenizações. Repasses referentes aos lucros cessantes mensais que ocorriam através do PIM foram interrompidos para aqueles que ingressaram no Novel.

    Na nova decisão, Cobucci pontuou que não é possível falar em quitação irrestrita e absoluta, sem qualquer parâmetro temporal. Ele observou que a Justiça já afastou da quitação os danos futuros. Segundo ele, é o caso dos lucros cessantes, que são “ocasionados pela notória incapacidade da Renova de produzir ações reais, concretas e significantes para a efetiva retomada das condições econômicas e ambientais anteriores ao desastre”.

    fotos do local onde aconteceu a tragédia pelos os rezidos de menerios das barragens de Santarem e Fundão,na cidade de Bento Rodrigues distrito de Mariana. Antonio Cruz/ Agência Brasil/Arquivo

    Cobucci afirma que, enquanto não for possível o reinício seguro das atividades produtivas, haverá consequências. “Haveria enriquecimento sem causa por parte das causadoras do dano, na medida em que deixaram de indenizar as vítimas pelos efeitos continuados e permanentes do rompimento da barragem, que se renovam pelo passar do tempo e pela inércia em produzir as condições ideais socioeconômicas e ambientais”, acrescentou.

    Ele concordou em parte com a alegação da Fundação Renova de que o lucro cessante pode deixar de ser pago caso o atingido esteja desempenhando outras atividades produtivas diferentes das originais.

    Ponderou, no entanto, que cabe à entidade provar essa situação e que é necessário sensibilidade para avaliar cada caso. “Se o atingido foi forçado a procurar outra atividade econômica, pela ausência do pagamento do lucro cessante e se esta atividade é precária, evidentemente não pode ter negado o direito”, argumentou.

    Em nota, a Fundação Renova informou que se manifestará sobre a questão nos autos do processo. A decisão de Cobucci também determina que a entidade implante o PIM de forma integral em cinco municípios do litoral do Espírito Santo – São Mateus, Linhares, Aracruz, Serra e Conceição da Barra. Dessa forma, os atingidos dessas localidades poderão ser indenizados pela tragédia.

    Os cinco municípios citados na decisão já haviam sido reconhecidos como atingidos pelo Comitê Interfederativo (CIF), coordenado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e tem como atribuição definir diretrizes para as ações reparatórias conduzidas pela Fundação Renova. No entanto, a questão foi judicializada pela Samarco. Apenas no mês passado, a Justiça validou a posição do CIF. Assim, o número de cidades atingidas subiu para 43.

    Edição: Kleber Sampaio

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  • Caso Samarco: mineradoras propõem mais R$ 90 bi para reparar danos

    Caso Samarco: mineradoras propõem mais R$ 90 bi para reparar danos

    A mineradora Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton propuseram aportar mais R$ 90 bilhões no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem, ocorrido em 2015 no município de Mariana (MG). Desse total, R$ 72 bilhões seriam repasses em dinheiro, que seriam realizados ao longo de um período a ser determinado. Outros R$ 18 bilhões seriam para custear medidas a serem implementadas pela própria Samarco.

    A tragédia ocorreu em 5 de novembro de 2015, quando cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeito escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e houve impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo.

    Negociações para uma repactuação do acordo de reparação dos danos se arrastam há mais de dois anos. As tratativas buscam solução para diversos problemas até hoje não solucionados. Passados mais de oito anos do episódio, tramitam no Judiciário brasileiro mais de 85 mil processos entre ações civis públicas, ações coletivas e individuais.

    Mariana (MG) - Pessoas foram hospedadas em hotel na cidade de Mariana após rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)Mariana (MG) – Pessoas foram hospedadas em hotel na cidade de Mariana após rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)Mariana – Atingidos por rompimento de barragem em Mariana (MG) são levados para hoteis – Foto Antonio Cruz/ Agência Brasil

    Além das mineradoras, a mesa de negociação é composta pelo governo federal, pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Defensoria Pública da União, além dos ministérios públicos e das defensorias públicas dos dois estados atingidos. Até o fim do ano passado, as mineradoras propunham destinar apenas R$ 42 bilhões para as medidas reparatórias. As cifras apresentadas estavam bem abaixo dos R$ 126 bilhões pleiteados pelos governos e pelas instituições de Justiça.

    A nova proposta das mineradoras foi confirmada pela Vale em comunicado ao mercado divulgado nessa segunda-feira (29). De acordo com o texto, a proposta totaliza R$ 127 bilhões. Esse valor inclui, além dos R$ 90 bilhões em novos aportes, mais R$ 37 bilhões que teriam sido investidos na reparação até março deste ano.

    Se esse cálculo for considerado, a proposta atenderia às expectativas dos governos e das instituições de Justiça. No entanto, ainda não houve manifestações dos demais participantes da mesa de negociação.

    A proposta prevê que todos os novos recursos sejam aportados pela Samarco. Caso ela enfrente alguma dificuldade de financiamento, a Vale e a BHP Billiton são indicadas como devedores secundários e dividiriam, de forma igualitária, a responsabilidade pelos pagamentos. Ou seja, cada uma assumiria a obrigação de arcar com 50% dos valores.

    Os novos valores propostos pelas mineradoras vêm a público pouco mais de três meses após sofrerem uma derrota em âmbito judicial. Diante das dificuldades para o fechamento de um acordo de repactuação, as instituições de Justiça, lideradas pelo MPF, vinham pleiteando desde o ano passado que fosse julgada parte dos pedidos formulados em ações civis públicas que buscam a reparação. A expectativa era de que houvesse uma decisão final ao menos para determinadas questões, envolvendo inclusive indenizações.

    O pedido foi parcialmente atendido: em janeiro deste ano. A Justiça Federal condenou a Samarco, a Vale e a BHP a pagar R$ 47,6 bilhões para reparar os danos morais coletivos causados pelo rompimento da barragem. As mineradoras recorrem da decisão. Caso seja celebrado o acordo de repactuação, essa decisão poderá ser revertida, pois devem ser incluídas cláusulas nas quais as partes desistem de ações judiciais em andamento.

    Entidades que representam os atingidos não foram chamadas para participar das negociações. Críticos da nova proposta das mineradoras, elas avaliam que concretamente se trata de R$ 72 bilhões em dinheiro, o que seria insuficiente para cobrir a reparação integral dos danos causados. O Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) manifestou a expectativa de que a oferta seja recusada pelos governos e pelas instituições de Justiça. A entidade considera que caso seja feito um novo acordo de cúpula, sem participação das vítimas, não será possível resolver os principais problemas.

    Mariana (MG) - João Leôncio Martins, com sua casa ao fundo no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil) Mariana – João Leôncio Martins mostra sua casa no distrito de Bento Rodrigues, atingido pelo rompimento de barragem da Samarco – Foto Antonio Cruz/ Agência Brasil

    Descontentes com o processo reparatório no Brasil, cerca de 700 mil atingidos acionaram as cortes no Reino Unido. Eles processam a BHP Billiton, que tem sede em Londres. O escritório de advocacia Pogust Goodhead, que os representa, divulgou nota que coloca em dúvida se a nova oferta das mineradoras incluiria as indenizações individuais das vítimas. O texto traz uma manifestação de Tom Goodhead, CEO do escritório. “Não resolve os processos movidos por quase 700 mil vítimas em Londres. As vítimas foram excluídas desse processo e a oferta não atende às suas demandas por justiça”.

    Fundação Renova

    Para reparar os danos causados na tragédia, as três mineradoras, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo firmaram termo de transação e ajustamento de conduta (TTAC) em 2016. Ele estabeleceu as diretrizes para a criação da Fundação Renova, atualmente responsável por administrar uma série de programas que tratam de temas diversas como as indenizações, o reassentamento dos desabrigados, o reflorestamento, a qualidade da água, entre outros. Todas as iniciativas devem ser custeadas com recursos da Samarco, da Vale e da BHP Billiton. Críticos desse acordo, o MPF e as demais instituições de Justiça não assinaram.

    No decorrer dos anos, as críticas à atuação da Fundação Renova foram crescendo. Entidades que representam os atingidos e as diferentes instituições de Justiça consideram insatisfatórias as medidas tomadas até o momento e cobram revisão do acordo em vigor. O andamento dos programas de reparação também passou a ser alvo de críticas do governo federal e dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.

    O MPMG chegou a pedir judicialmente a extinção da entidade, alegando que ela não goza da devida autonomia frentes às mineradoras. A morosidade de alguns programas motiva diferentes questionamentos aos tribunais. A reconstrução das duas comunidades destruídas em Mariana, por exemplo, até hoje não foi totalmente concluída. Questões envolvendo as indenizações por danos morais e materiais e a recuperação ambiental também geram discordâncias em processo judiciais.

    Na semana passada, a Justiça Federal encerrou uma das divergências e reconheceu cinco municípios do litoral do Espírito Santo como atingidos pela tragédia. Os impactos nessas cidades já haviam sido atestados pelo Comitê Interfederativo (CIF), composto por órgãos ambientais estaduais e federais sob a coordenação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). Cabe a ele definir diretrizes para a reparação e fiscalizar a Fundação Renova, tal como previsto no TTAC.

    O acordo firmado em 2016 nomeou 39 municípios. Mas, com base em estudos e em uma cláusula que mencionava danos nas áreas estuarinas, costeira e de marinha, o CIF deliberou pela inclusão dos cinco municípios capixabas. Diante da contestação das mineradoras, o caso foi parar nos tribunais. Com a decisão que legitima a deliberação do CIF, as medidas reparatórias promovidas pela Fundação Renova deverão ser estendidas para os novos municípios: São Mateus, Linhares, Aracruz, Serra e Conceição da Barra.

    No comunicado ao mercado, a Vale afirmou que a reparação é prioridade para as três mineradoras e alega que, por meio da Fundação Renova, R$ 17 bilhões foram pagos a mais de 430 mil pessoas. Segundo a mineradora, esse valor inclui gastos com indenizações individuais e auxílios financeiros emergenciais. “Além disso, aproximadamente 85% dos casos de reassentamento para comunidades impactadas pelo rompimento da barragem da Samarco foram concluídos”, afirma a empresa.

    Repactuação

    Ao longo do ano passado, as partes envolvidas nas negociações de repactuação chegaram a avançar no texto. Havia crença em um desfecho, mas a divergência em torno dos valores impediu o consenso. Em audiência pública realizada em dezembro na Câmara dos Deputados, a defensora pública da União, Isabela Karen Araújo Simões, explicou que o montante de R$ 126 bilhões pedido às mineradoras era resultado de avaliações técnicas e fruto de debate com especialistas em mineração, em meio ambiente, em saúde, entre outras áreas.

    “Não são valores chutados e não são irresponsáveis. E sequer são valores que vão efetivamente reparar todos os danos porque eu acho que eles são irreparáveis. Mas são valores para mitigar os danos”. Na ocasião, a contraproposta de R$ 42 bilhões oferecida pelas mineradoras foi criticada por Junior Divino Fideles, adjunto do advogado geral da União. “É vergonhosa e desrespeitosa com o Poder Público”, definiu.

    Prefeitos se posicionam contra homologação do acordo entre Samarco e os governos federal e os de Minas Gerais e Espírito SantoPrefeitos se posicionam contra homologação do acordo entre Samarco e os governos federal e os de Minas Gerais e Espírito SantoPrefeitos se posicionam contra homologação do acordo entre Samarco e os governos federal e os de Minas Gerais e Espírito Santo – Foto Prefeitura de Mariana – Divulgação

    Mas se havia um entrave em torno dos valores, de outro lado Fideles confirmou que já havia consenso em torno das cláusulas da nova proposta. Para os participantes da audiência pública, o novo acordo trata de temas como o fortalecimento do sistema de saúde pública da região atingida, a responsabilidade das mineradoras na retirada dos rejeitos, a realização de obras de infraestrutura e de saneamento básico, a condução de estudos para aferir a contaminação do meio ambiente e o pagamento de auxílio financeiro emergencial.

    Além disso, define que uma parte do valor seja empregada conforme deliberação das pessoas atingidas. Também já há consenso para a criação de um conselho de participação social a fim de acompanhar a execução do novo acordo, bem como de um Portal da Transparência.

    As tratativas têm ocorrido em reuniões sigilosas. O MPMG e o MPF afirmam manter diálogo com as comunidades locais para encontrar soluções que os contemplem, mas entidades que representam os atingidos fazem críticas. “O pessoal confunde falar com participar. Participar é sentar à mesa, discutir a pauta, levando os problemas da comunidade e da Bacia do Rio Doce”, disse Simone Maria da Silva, integrante da comissão de atingidos da cidade de Barra Longa (MG), durante audiência pública realizada em 2022 pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

    Edição: Graça Adjuto

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  • Caso Samarco: sistema indenizatório criado em 2020 fecha em 10 dias

    Caso Samarco: sistema indenizatório criado em 2020 fecha em 10 dias

    O controverso sistema criado em 2020 para pagar indenizações individuais aos atingidos pelo rompimento da barragemda mineradora Samarco,em Mariana (MG), será fechado em 10 dias. O chamado sistema indenizatório simplificado (Novel) foi alvo de contestações judiciais do Ministério Público Federal (MPF) quando foi instituído.

    Entidades representativas dos atingidos também chegaram a criticar, em diferentes ocasiões, dificuldades envolvendo o sistema. Por outro lado, a maior parte das indenizações individuais pagas até o momento se deu pelo Novel.

    O fechamento do sistema indenizatório foi determinado no final de julho pelo juiz Vinicius Cobucci, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), que assumiu o caso recentemente e adotou uma posição divergente dos magistrados anteriores. Para Cobucci, o Novel “padece de nulidades absolutas” e “apresenta sinais claros de esgotamento”. O magistrado estabeleceu que novos registros no sistema poderão ser incorporados até as18h do dia 29 de setembro. Após essa data, somente poderá ocorrer análise dos casos já incluídos.

    MPF

    Embora seja crítico do sistema Noveldesde o início, o MPF avalia que a decisão foi tomada de forma abrupta e recorreu. A instituição considera que a situação gera incertezas acerca do processo indenizatório.Achamos que o sistema é ruim, mas, nesse momento de absoluta injustiça, depois de oito anos, ele é o único caminho que leva algum dinheiro para os atingidos”, disse àAgência Brasilo procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva.

    “Realmente pagou para alguns atingidos. Mas pagou para muita gente que não é atingido. E deixou muitos atingidos de fora. É um processo que começa pelo Baixo Guandu, que está longe de ser um dos municípios mais afetados nesta terrível tragédia. E é um modelo sem muitos critérios claros.

    Em sua visão, o fechamento do sistema prejudica moradores de cidades mais afetadas. Ele cita Mariana, Barra Longa e Governador Valadares. “Justamente quando o Novel começava a rodar nesses municípios, veio essa decisão. O MPF recorreu para que as pessoas dessas localidades não sejam tratadas sem a justiça necessária. O Novel tem que continuar aberto para permitir um funcionamento semelhante ao que ocorreu em Baixo Guandu, que evidentemente foi o município mais favorecido”, acrescentou.

    Barragem

    A barragem da Samarco se rompeuem novembro de 2015. A estrutura, localizada em Mariana (MG), liberou uma avalanche de rejeitos que alcançou o Rio Doce e escoou até a foz, causando impactos socioambientais e socioeconômicos em dezenas de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo. Dezenove 19 pessoas morreram.

    No início de 2016, um acordo para reparação dos danos foi firmado entre o governo federal, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco e as acionistas Vale e BHP Billiton. Através dele, foi criada a Fundação Renova, entidade responsável pela gestão de mais de 40 programas, entre os quais o de indenização individual. Todas as medidas previstas devem ser custeadas pelas três mineradoras.

    Quando o Novel foi criado, em 2020, sobravam críticas sobre a morosidade do processo indenizatório implementado até então. Na época, relatórios da Ramboll, uma das consultorias externas independentes que assessoram o MPF, apontavam limitações passados quase cinco anos da tragédia: apenas um terço das famílias cadastradas em toda a bacia do Rio Doce haviam recebido alguma indenização.

    Reflorestamento de áreas atingidas em MarianaReflorestamento de áreas atingidas em Mariana

    Reflorestamento de áreas atingidas em Mariana – Imagem cedida pela Fundação Renova

    O Novel foiinstituído em outubro de 2020, inicialmente para Baixo Guandu (ES) e Naque (MG), conforme decisões do juiz federal Mário de Paula Franco Júnior, que estava à frente do caso na época. Ele apontou a necessidade de simplificar o processo indenizatório para torná-lo possível e fixou uma tabela com valores pré-definidos para diferentes categorias impactadas. Também determinou que a Fundação Renova criasse uma plataforma online por meio do qual os advogados de cada atingido poderiam apresentar o pedido de adesão de seu cliente. Eles deveriam anexar documentos comprobatórios para serem analisados.

    A medida foi considerada pela Fundação Renova como uma saída para destravar o pagamento das indenizações, permitindo flexibilizar a documentação comprobatória de algumas categorias de atingidos, sobretudo de trabalhadores informais como artesãos, carroceiros, lavadeiras, pescadores, areeiros e outros. Também abriu caminho para o pagamento a donos de pousadas e embarcações. Os valores poderiam variar de R$71 mil até R$ 567,5 mil.

    Gradativamente, mais cidades foram incluídas em novas sentenças assinadas por Mário de Paula, que garantiuem todas elas o mesmo prazo de adesão fixado para Baixo Gandu e Naque. Desta forma, o volume de recursos destinados às indenizações individuaiscresceu rapidamente.

    Em pouco mais de um ano, o Novel já respondia por mais de 70% de todas as indenizações pagas aos atingidos. Posteriormente, o sistema foi estendido para toda a bacia do Rio Doce. Segundo dados atualizados em julho pela Fundação Renova, já foram repassados mais de R$ 10 bilhões a cerca de 95,7 mil atingidos. Os números indicam um valor médio de R$ 104 mil por atingido.

    Controvérsias

    Enquanto os pagamentos ocorriam, o Novelfoi alvo de críticas e contestações. As controvérsias foram novamente evidenciadas na decisão judicial que determinou seu fechamento. O juiz Cobucci reconheceu que a decisão gera inconvenientes, mas afirmou estar convencido de que o sistema não encontra amparo legal. Além disso, ele observou que há um ajuizamento crescente de ações individuais pelos atingidos os quais tiveram seu pleito negado.

    O ponto central do argumento de Cobucci aponta que as comissões de atingidos criadas para pleitear a adesão ao Novel não possuem legitimidade processual. Elas seriam agrupamentos informais e não associações devidamente constituídas na forma fixada pelo Código de Processo Civil.

    O juiz também observou que o funcionamento das comissões foi definido por meio de acordo firmado em 2018 para remodelar a governança do processo de reparação. Conhecido como TAC Gov, ele idealizou as comissões como entidades locais baseadas na auto-organização, por meio das quais os atingidos manifestariam seus anseios e levariam suas demandas ao poder público, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Seria, portanto, uma estrutura extrajudicial. Desta forma, o Novel teria sido criado e estendido a partir do pedido de entidades sem legitimidade para apresentar um pleito judicial, o que torna o sistema nulo.

    Conforme a decisão do juiz, outro problema seria de ordem sistêmica. Ele observa que o Judiciário não teve qualquer participação na concepção da plataforma, a não ser por meio de diretivas. Todo este trabalho ficou a cargo da Fundação Renova. O juiz pontua que, legalmente, qualquer sistema utilizado pelo Judiciário precisaria ser homologado e estar sob a supervisão do respectivo tribunal.

    Além disso, a instância recursal no âmbito do Novel ficou a cargo da empresa de consultoria Kearney, que foi nomeada pelo juiz Mário de Paula como responsável pela perícia.Na prática, o atingido que tivesse sua adesão negada pela Fundação Renova, poderia apresentar recurso que seria analisado pela Kearney.

    Para Cobucci, foram atribuídas prerrogativas que não correspondem à função legal de perito judicial. “A Kearney exerceu atividade de cognição para aferição do direito. A função da perícia é a produção de prova técnica, para a qual o magistrado não dispõe de conhecimentos especializados. Afirmar se o atingido tem ou não direito à indenização é tarefa que cabe ao Judiciário diretamente”, escreveu.

    O juiz também viu problemas no tabelamento de valores por categoria. “Por mais que haja essa otimização da padronização, a situação individual de cada atingido deveria ser analisada de alguma forma”, acrescentou.

    Cobucci também escreveu, na decisão, que o sistema surgido com o objetivo de simplificar o processo indenizatório se mostrou burocrático e repleto de regras, registrando ainda desencontro de informações e divergências interpretativas de analistas da Fundação Renova. Em sua visão, a Justiça brasileira tem plenas condições de lidar com as repercussões da tragédia e que a inovação instituída pelo Novel não era necessária.

    Repactuação

    Procurada pelaAgência Brasil, a Fundação Renova informou que acatará a decisão e deixará de aceitar novos requerimentos no dia 29 de setembro.

    “Até a data estabelecida pela Justiça, o sistema continuará funcionando normalmente para as localidades que ainda não tenham encerrado o prazo de adesão. Também não haverá alterações nos procedimentos”, afirmou.

    A entidade também assegurou que a análise de requerimentos já abertos continuará normalmente. As mineradoras também foram procuradas para comentar a decisão, mas orientaram a reportagem a entrar em contato com a Fundação Renova, já que a entidade é a administradora do Novel.

    O fechamento do sistema ocorre em um momento onde estão em curso tratativas para umarepactuação do processo de reparação. Passados quase oito anos, há muita insatisfação com as medidas implementadas e acumulam-se ações judiciais envolvendo não apenas questões indenizatórias. Até hoje, as obras de reconstrução das duas comunidades mais destruídas não foram totalmente concluídas.

    O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) chegou apedir a extinçãoda Fundação Renova por entender que ela não tem a devida autonomia frente às três mineradoras.

    Os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, bem como o governo federal, também já manifestaram incômodo com o andamento da reparação. Diante deste cenário, as diferentes partes envolvidas discutem um novo acordo que seja capaz de oferecer uma solução para mais de 85 mil processos judiciais que tramitam relacionados à tragédia. As tratativas são conduzidas na Justiça Federal. Foi fixada a data de 5 de dezembro de 2023 como prazo final para se chegar a um acordo.

    Recurso

    A implantação do novel em 2020 havia sido contestada emrecurso do MPF, que apontou irregularidades, considerou alguns valores baixos e criticou a legitimidade processual de comissões de atingidos até então inexistentes. Com a aceitação do Novel sem contestações pela Fundação Renova, também foi levantada a suspeita de lide simulada, que ocorre quando o processo é aberto após acordo prévio entre advogados de ambas as partes.

    A decretação de sigilo pelo juiz Mário de Paula também foi contestada. O MPF observou que dessa forma demais atingidos interessados no processo não poderiam ter acesso às informações. A instituição avaliou ainda que deveria ter sido intimada para se manifestar antes da tomada de decisão, uma vez que possui a função constitucional de atuar na defesa dos direitos difusos. Na época, o recurso do MPF foi indeferido em decisão de segunda instância.

    Em uma reunião ocorrida em maio com os atingidos, o procurador Carlos Bruno chegou a levantar a hipótese de que o Novel foi criado com o objetivo de dar uma resposta ao processo aberto no Reino Unido.

    “O objetivo eramostrar ao judiciário inglês que alguma coisa aqui funcionava”, disse na ocasião. Ele se referia àação movida por atingidos representados pelo escritório Pogust Goodhead. Eles processaram a BHP Billiton, que tem sede em Londres, e argumentaram que a Justiça brasileira era ineficiente.

    Com os avanços do Novel, um juiz britânico de primeira instância chegou a determinar o arquivamento do processo.Os atingidos conseguiram depois reverter a decisão. Audiências que vão avaliar se a BHP Billiton, bem como a Vale, têm responsabilidades pela tragédiaestão marcadas para outubro de 2024.

    Entre os atingidos,houve reclamações.

    “Para quem não teve que correr da lama, que não teve a casa ou as terras duramente afetadas, as quantias podem ser bem-vindas, mas vejo que a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton estão usando o sistema de indenização para divulgar números fabulosos e estimular aqueles atingidos da linha de frente a aderir. Alguns cederam e aderiram, mas é uma proposta de exclusão. Não cobre 10% do meu prejuízo”, disse àAgência Brasil,no ano passado o produtor rural Marino D’Ângelo, integrante da comissão dos atingidos da cidade de Mariana. Ele afirmou que o Novel não atendia de forma justa quem teve os maiores danos.

    Vida suja de lama

    Apropriedade de Marino,criador de gado leiteirono distrito de Paracatu de Baixo, em Mariana, estava no caminho dos rejeitos.

    “Entendo que todos têm direito. Em Mariana, todos são de alguma forma atingidos. A prioridade deveria ser indenizar as pessoas que tiveram a vida suja de lama. Nós, que empobrecemos, ainda vivemos uma vida que nos foi imposta. Eu hoje vivo em uma moradia provisória, e minha atividade econômica vive um retrocesso”, afirmou, na ocasião.

    Atingidos chegaram a criticar a atuação do juiz Mário de Paula e apontarampossível alinhamento com os interesses da Fundação Renova. O comportamento do magistrado também levou o MPF e outras instituições de Justiça a apresentaram uma arguição de suspeição para afastá-lo do caso. O pedido, no entanto, foi indeferido pela Justiça Federal. Mário de Paula deixou o caso apenas em junho do ano passado, quando foi promovido. Ele foi substituído por Michel Avelar, que acabou sendo também promovido em julho deste ano, permitindo assim a redistribuição do processo para o juiz Vinicius Cobucci.

    Mariana

    Epicentro da tragédia, o município de Mariana foium dos últimos incluídos no sistema Novel, o que ocorreu com uma decisão judicial do juiz federal Mário de Paula, em setembro de 2021. A medida pegou o Ministério Público emMinas Gerais (MPMG) de surpresa. Isso, porque, diferentemente do que ocorria em todas as demais cidades da bacia do Rio Doce, as indenizações dos moradores de Mariana até então vinham sendo tratadas exclusivamente na Justiça estadual. A inclusão de Mariana no Novel atendeu pedido judicial feito por uma nova comissão de atingidos registrada em cartório meses antes da decisão.

    “A comissão, que foi constituída para validar esse processo em Mariana, é ilegítima. Ela não foi eleita pela comunidade”, criticou, na época, o morador Marino D’Ângelo. Após a tragédia, Mariana havia sido a primeira cidade a ter uma comissão de atingidos, que foi constituída a partir de assembleias abertas a participação de todos os moradores dos distritos devastados. O exemplo foi seguido por outras cidades.

    Com o surgimento do Novel, diversas novas comissões ao longo da bacia do Rio Doce foram sendo registradas em cartório, muitas das quais foram formadas por poucas pessoas, sem deliberação pública.

    Para o procurador Carlos Bruno, todo atingido tem direito de apresentar suas reivindicações e de se organizar, mas ele pontua que pequenos grupos não podem pretender representar toda a região onde atuam. Ele diz que o MPF vem trabalhando com assessorias técnicas escolhidas pelos próprios atingidos em busca de um caminho para unificar todas as comissões de cada território. O procurador defende a organização popular e democrática.

    “Quando algumas comissões tem o privilégio de ascender em alguns espaços, como por exemplo, peticionar nos autos e ser representante no Novel, se permite que essas comissões, que não estão abertas à população como um todo, ganhem posições de destaque. Então, para mim, o caminho para as comissões serem cada vez mais populares é aumentar a democracia interna”, destacouo procurador.

    Edição: Maria Claudia
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