Dez anos depois, a parceria iniciada entre a Embrapa Instrumentação e a startup Agrorobótica, ambas localizadas em São Carlos, cidade no interior paulista, dá um novo salto, desta vez, para dar suporte científico e tecnológico a um projeto de pecuária sustentável na região do Xingu (MT), que envolve as empresas SCL Agrícola e Agro Penido.
A plataforma IA AGLIBS, que utiliza a tecnologia LIBS (Laser Induced Breakdown Spectroscopy – Espectroscopia de Plasma Induzida por Laser), a mesma utilizada pela NASA nas missões espaciais em Marte, vai avaliar 18,5 mil hectares de pastagem e conversão para a agricultura em três fazendas da Agro Penido e SLC Agrícola.
Uma nova commodity
Denominado Carbono Xingu, o projeto pretende proporcionar benefícios para os produtores, tais como: geração de créditos de carbono no solo; acesso a crédito verde com melhores taxas; solo digitalizado para decisões rápidas e rastreáveis; aumento da produtividade e da rentabilidade; valorização da propriedade rural; commodities sustentáveis com maior valor de mercado.
“O carbono aparece como essa nova commodity, tão desejada, tão anunciada, e agora se materializando no nosso solo”, comentou Caio Penido, sócio da Agro Penido, que busca comprovar que o programa, quando implementado corretamente no sistema de produção agrícola tropical, pode produzir mais alimentos, ao mesmo tempo em que melhora o carbono no solo e contribui para a redução de emissões.
Agenda estratégica
“Essa agenda do carbono é absolutamente estratégica, não só para a Empresa, hoje, mas no mundo inteiro não há como dissociar a ciência de uma agenda como essa, que está colocada em primeiro lugar no nosso plano estratégico da Embrapa”, disse Clenio Pillon, diretor-executivo de Pesquisa & Desenvolvimento da Embrapa, que preside um grupo dedicado ao tema.
Antes de participarem da assinatura do contrato de parceria (dia 23 de abril), os representantes das empresas tiveram a oportunidade de visitar o Laboratório Nacional de Agro-Fotônica (Lanaf), na Embrapa Instrumentação, para ver a tecnologia LIBS em funcionamento e conhecer os detalhes até chegar ao equipamento com capacidade para analisar mil amostras por dia e avaliar 23 parâmetros do solo.
Vanguarda internacional
“É uma imersão na ciência, onde vemos que o Brasil não está atrás de nenhum país do mundo nesse tema, nós estamos na frente e também com publicações científicas sobre o LIBS”, explicou Fábio Angelis, CEO da Agrorobótica, que viu a tecnologia num evento da Embrapa em 2014 e resolveu empreender e criar o que chama de “primeiro centro agro-fotônico do mundo”.
A pesquisa de vanguarda foi referendada pela pesquisadora Débora Milori, líder das pesquisas com LIBS na Embrapa Instrumentação, ao fazer uma apresentação sobre o histórico do trabalho realizado no Centro de Pesquisa. “Quando a certificadora Verra reconheceu essa tecnologia (para geração de créditos de carbono auditáveis), utilizou dez artigos internacionais, cinco são da nossa equipe, um motivo de orgulho”, relatou a coordenadora do Lanaf.
A ciência faz a diferença
“A plataforma poderá gerar mapas de agricultura de precisão com deficiências de nutrientes para indicar o manejo com adubo e outros insumos nas áreas das fazendas, além de mensurar o estoque de carbono no solo. É o fruto da parceria público-privada que agora ganha escala para tornar nossa agropecuária cada vez mais sustentável”, avaliou José Manoel Marconcini, chefe-geral da Embrapa Instrumentação.
Para Aurélio Pavinato, diretor-presidente da SLC Agrícola, empresa que possui 26 fazendas e 830 mil hectares de culturas, “a ciência faz toda a diferença na evolução da condição de vida de um povo. O LIBS é mais um case de sucesso em termos de tecnologia, agilizando o processo, tornando mais eficiente. Nós, felizmente, temos conseguido evoluir nessa parte com esse trabalho maravilhoso que a Embrapa faz”, concluiu Pavinato.
Um estudo realizado pela Embrapa Territorial, em São Paulo, estimou em US$ 11,54 o preço da tonelada de carbono equivalente (tCO2e) emitida pela agropecuária brasileira. O cálculo foi feito com base em uma revisão sistemática de estudos científicos publicados entre 2004 e 2024, abrangendo diferentes países e metodologias de precificação do carbono. Os resultados foram publicados na Revista de Economia e Sociologia Rural, da Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural (Sober), no primeiro número de 2025.
De acordo com a economista Daniela Tatiane de Souza, analista da Embrapa, são raros os estudos que adotam critérios científicos e sistemáticos para estimar o custo das emissões de gases de efeito estufa no setor agropecuário. “Ter uma estimativa de valor é importante para que empresas e instituições possam desenvolver políticas e programas de incentivo a práticas sustentáveis, com preços de referência consistentes”, afirma.
A equipe da Embrapa analisou 32 publicações, extraídas de bases como Science Direct, Web of Science, Springer, Wiley Online e Google Scholar. Os trabalhos foram desenvolvidos principalmente na China, Austrália e Reino Unido. Os valores encontrados variaram bastante – de US$ 2,60 a US$ 157,50 por tonelada de CO2 equivalente –, o que reflete diferenças nas metodologias e nos níveis tecnológicos das agriculturas avaliadas.
O principal fator que influencia no custo das emissões, segundo a revisão, é o Produto Interno Bruto (PIB) dos países. “Economias maiores tendem a ter preços de carbono mais baixos. Além disso, em mercados menos regulamentados, o aumento das emissões nem sempre gera aumento no preço do carbono”, explica Daniela Souza. O modelo econométrico usado para a estimativa brasileira considerou também o uso de fertilizantes nitrogenados e a participação da agricultura no PIB nacional.
Para Gustavo Spadotti, chefe-geral da Embrapa Territorial, é fundamental considerar o equilíbrio entre emissões e captura de carbono. “Em alguns casos, o aumento do nível tecnológico pode elevar as emissões, mas também amplia a produtividade e o sequestro de carbono, o que compensa esse impacto dentro de uma análise mais ampla de sustentabilidade”, observa. Segundo ele, a unidade da Embrapa já vem desenvolvendo pesquisas para mensurar o carbono capturado pelos sistemas agropecuários brasileiros.
A precificação do carbono é uma ferramenta cada vez mais estratégica. Como explica o pesquisador Lauro Rodrigues Nogueira Júnior, ao se atribuir um valor à tonelada de CO2 equivalente evitada ou removida da atmosfera, cria-se um incentivo econômico para adoção de práticas sustentáveis, como a melhoria no uso de fertilizantes, redução do desmatamento e implementação de sistemas de produção mais eficientes. “O valor estimado serve como referência tanto para quem vai pagar quanto para quem vai receber por um projeto de redução de emissões”, pontua o pesquisador.
Este é o segundo estudo publicado pela Embrapa Territorial sobre o tema. Em 2024, o mesmo grupo calculou o preço do carbono na cadeia da citricultura brasileira, chegando ao valor de US$ 7,72/tCO2e. Além disso, em parceria com o Fundecitrus e com financiamento do Fundo de Inovação para Agricultores da empresa britânica Innocent Drinks, a Embrapa também estimou o estoque de carbono nos pomares, solos e áreas de vegetação nativa do cinturão citrícola do país: 36 milhões de toneladas.
A precificação do carbono ganha relevância à medida que o Brasil avança em programas de pagamento por serviços ambientais e de redução de emissões de gases de efeito estufa, tanto no mercado regulado quanto no voluntário. Com base científica, os valores calculados pela Embrapa podem ajudar a orientar políticas públicas e estratégias privadas voltadas à transição para uma agropecuária de baixa emissão.
Um estudo pioneiro realizado pela Embrapa revelou que o trigo produzido no Brasil tem uma pegada de carbono menor que a média mundial e indicou caminhos concretos para reduzir ainda mais as emissões de gases de efeito estufa. A análise, feita em lavouras e indústria moageira do Sudeste do Paraná, apontou que a adoção de práticas sustentáveis e tecnologias já disponíveis pode diminuir em até 38% o impacto ambiental da produção de trigo no País.
Publicada no periódico científico Journal of Cleaner Production, a pesquisa é a primeira na América do Sul a estimar a pegada de carbono do trigo desde o cultivo até a produção de farinha. Também foi o primeiro estudo do tipo nessa cultura em ambiente subtropical. O índice médio brasileiro ficou em 0,50 kg de dióxido de carbono equivalente (CO₂eq) por quilo de trigo produzido — abaixo da média global, estimada em 0,59 kg.
Para chegar a esse resultado, os pesquisadores avaliaram 61 propriedades rurais na safra 2023/2024, além de acompanhar todo o processo industrial em uma moageira paranaense. O levantamento detalhou desde o uso de fertilizantes e defensivos agrícolas até o transporte dos grãos, secagem, moagem e transformação dos grãos em farinha.
O que é pegada de carbono?
É o total de emissões de gases de efeito estufa causadas por um indivíduo, evento, organização, serviço, local ou produto, expresso em dióxido de carbono equivalente (CO2eq).
Fertilizantes nitrogenados são principais emissores de CO2
A pesquisa apontou os fertilizantes como o principal fator de pegada de carbono na triticultura. O maior impacto está na emissão de óxido nitroso (N₂O) gerado durante a aplicação de ureia, fertilizante capaz de emitir 40% dos gases de efeito estufa envolvidos na produção de trigo. A ureia é o principal fertilizante utilizado no trigo devido ao menor custo por unidade de nutriente dentre os adubos nitrogenados disponíveis no mercado. Segundo a pesquisa, a substituição desse fertilizante pelo nitrato de amônio com calcário (CAN) pode reduzir a emissão de carbono em 4%, minimizando significativamente os impactos ambientais.
A acidificação do solo, uma das categorias com maior impacto ambiental, também pode ser mitigada pela substituição da ureia pelo CAN. “Quando a ureia não é totalmente absorvida pelas plantas ou é lixiviada como nitrato, ocorrem reações que liberam íons de hidrônio, aumentando a acidez do solo. Em contrapartida, fertilizantes à base de CAN ajudam a neutralizar esse efeito devido ao seu conteúdo de cálcio”, explica a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente (SP) Marília Folegatti. Segundo ela, outras tecnologias também devem ser consideradas para reduzir a dependência de fertilizantes sintéticos e minimizar impactos ambientais, como biofertilizantes, biopesticidas, fertilizantes de liberação lenta e nanofertilizantes. Ela lembra que a pesquisa avança na produção de ureia verde e nitrato de amônio a partir de fontes de energia renováveis.
A pesquisadora da Embrapa Agroindústria Tropical (CE) Maria Cléa Brito de Figueiredo lembra que o uso de fertilizantes nitrogenados é também o maior emissor de gases de efeito estufa em outras culturas com pegada de carbono e hídrica analisadas pela Embrapa, como as fruteiras tropicais, em especial, manga, melão e coco verde. “Além disso, a produção de fertilizantes sintéticos gera metais pesados que contribuem para a contaminação do solo, podendo afetar a qualidade dos alimentos, a saúde humana e os ecossistemas,” alerta a cientista.
A pesquisa também aponta que a adoção de cultivares de trigo mais produtivas pode reduzir os impactos ambientais no campo, já que ação promove maior rendimento com menos recursos, como terra e água. O estudo ressalta ainda a importância de considerar outros fatores ambientais, como biodiversidade e saúde do solo. Futuros estudos que integrem esses aspectos poderão oferecer uma visão mais abrangente sobre a sustentabilidade da produção de trigo em regiões tropicais e subtropicais.
Foto: João Leonardo Pires
Sustentabilidade e perspectivas para a produção de trigo
No contexto mundial, os dados existentes indicam que a pegada de carbono na produção de trigo varia de 0,35 a 0,62 kg de CO₂ por kg de grãos, dependendo das condições climáticas e das práticas agrícolas de cada região tritícola. A média global está estimada em 0,59 kg de CO₂ para cada kg de grãos de trigo produzidos.
O Brasil apresenta uma posição favorável nesse contexto. Na média final, a pegada de carbono foi definida em 0,50 kg CO2 para cada kg de trigo produzido no Brasil, número inferior às registradas na China (0,55), na Itália (0,58) e na Índia (0,62). “Ainda podemos evoluir. O estudo indica que, com um conjunto de ajustes, nossos números podem nos aproximar de referências como Austrália e Alemanha, que possuem indicadores próximos a 0,35″, avalia Álvaro Dossa, analista da Embrapa Trigo (RS). De acordo com o artigo, nos cenários estudados, utilizando tecnologias já disponíveis, a pegada de carbono do trigo brasileiro pode ser reduzida em 38%.
Gráfico comparativo da pegada de carbono para produção de trigo: 1 kg CO2-eq para cada 1 kg de trigo produzido. Fonte: Embrapa Trigo 2025, com base na revisão de literatura.
Em escala mundial, existem registros de pegada de carbono divididos por continentes, com média estimada para a África (0,24), Ásia (0,68), Europa (0,33), América do Norte (0,42) e Oceania (0,29 mas com produção de trigo incipiente). O estudo apresentado pela Embrapa é o primeiro indicador para estimar a pegada de carbono na América do Sul.
Além da pegada de carbono, foram analisados os impactos do trigo e da farinha de trigo no uso da água, acidificação terrestre, eutrofização (marinha e em água doce) e toxicidade (humana e ecotoxicidade). “A produção de trigo no Brasil apresenta impactos superiores em categorias como acidificação do solo e toxicidade ecotóxica terrestre, devido às emissões de fertilizantes e pesticidas. No entanto, os resultados do estudo sugerem que, com o uso de cultivares mais eficientes e práticas sustentáveis, a produção brasileira pode se consolidar entre as mais sustentáveis do mundo”, avalia Marília Folegatti.
Em outras categorias ambientais, a produção brasileira apresenta vantagens em relação a outros países. O cultivo de trigo de sequeiro minimiza significativamente o consumo de água durante o crescimento do grão, reduzindo o impacto sobre os corpos hídricos. Contudo, a síntese de fertilizantes NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) ainda exerce influência no consumo de água. “A crescente demanda por alimentos e fertilizantes está levando indústrias a investirem em soluções de tratamento e reuso de água, aliviando a pressão sobre os recursos hídricos”, explica Folegatti.
Para a pesquisadora da Embrapa Trigo (RS) Vanderlise Giongo, estudos sobre o impacto ambiental da produção de trigo são cada vez mais necessários num cenário de aquecimento global. “Precisamos identificar, avaliar e propor modelos de produção de trigo visando à redução de impactos ambientais, geração de renda e o estabelecimento de diretrizes para o cultivo de trigo de baixo carbono”, defende Vanderlise.
Indicadores para a produção de farinha de trigo
Foto: Diogo Zanatta
A parceria com a Moageira Irati permitiu aos pesquisadores fazer um recorte no estudo para avaliar a pegada de carbono na farinha de trigo produzida no Brasil. Foram avaliadas todas as etapas envolvidas no processo de produção da farinha, desde a lavoura (cultivo e manejo), passando pela logística de transporte e chegada na indústria (limpeza, secagem e armazenamento), até o processo de transformação dos grãos em farinha (umidificação e moagem).
A pegada de carbono na produção brasileira de farinha de trigo variou de 0,67 (a partir de grãos originados em grandes propriedades) a 0,80 (origem em pequenas propriedades). Número inferior as médias registradas na Espanha (0,89) e na Itália (0,95), por exemplo.
Um dos fatores competitivos do Brasil em relação aos países de clima temperado, está a maior incidência de luz solar, o que permite o aproveitamento de energia fotovoltaica, recurso natural renovável que pode ser utilizado em várias etapas na indústria.
De acordo com o empresário Marcelo Vosnika, diretor da Moageira Irati, a produção de alimentos com menor impacto ambiental é uma demanda ainda latente no consumidor, mas cada vez mais valorizada pelo mercado. “Estamos trabalhando para mostrar ao mundo como nosso modelo de produção de trigo está associado à uma agricultura resiliente e de baixo carbono. Para provar que a nossa farinha vem de uma produção sustentável, precisamos validar cientificamente os resultados deste projeto. Acredito que a iniciativa vai gerar boas oportunidades de negócios para todos os envolvidos na cadeia do trigo brasileiro”, afirma o diretor da Moageira Irati, Marcelo Vosnika.
A expectativa dos pesquisadores da Embrapa envolvidos no projeto é de que os resultados do ciclo de vida do trigo sejam utilizados para avaliar outros produtos a exemplo da farinha, como na cadeia de carnes e de energia. “A primeira etapa, que é a avaliação da pegada de carbono do trigo no campo, já está pronta e pode servir de base para diversas outras cadeias que utilizam o trigo no processo industrial”, avalia Vanderlise Giongo, destacando que o objetivo da pesquisa é promover alternativas para uma agricultura ambientalmente mais sustentável: “Esperamos que os resultados desse projeto possam orientar modelos de produção sustentável, desencadeando uma nova era para o trigo brasileiro”.
Foto: Luiz Magnante
Como foi feita a pesquisa
A pesquisa é um dos resultados do projeto “Indicadores e tecnologias ESG (environment, social and governance) na moagem de trigo paranaense”, iniciado em 2023, por meio da parceria da Embrapa Trigo (RS) com a Moageira Irati. O estudo acompanhou 61 produtores rurais no Sudeste do Paraná, durante a safra de trigo 2023/2024, quando foram avaliados diversos indicadores de sustentabilidade, verificando o impacto da emissão de carbono antes da porteira (fertilizantes, defensivos, sementes), durante o processo de produção (semeadura, tratos culturais, colheita e transporte) e na indústria (secagem, energia, resíduos). “Coletamos todas as informações sobre entradas e saídas de insumos e dos processos do sistema de produção para avaliar o ciclo de vida do trigo até a elaboração do produto final”, conta o analista da Embrapa Álvaro Dossa.
As propriedades participantes do projeto trabalham com trigo de sequeiro em sistema de rotação de culturas e plantio direto na palha há, aproximadamente, 30 anos. O estudo considerou fatores como o tamanho das propriedades, o tipo de fertilizantes utilizados e as cultivares, entre outros, relacionando com os potenciais impactos ambientais.
Com base nos dados, foi possível identificar dois tipos de produtores de trigo, em que o tamanho das propriedades era o principal fator de diferenciação. Assim, a pegada de carbono (quilo de CO2 para cada quilo de trigo produzido) chegou a 0,58 nas pequenas propriedades e a 0,47 nas grandes propriedades. “A segmentação permitiu melhor representar a realidade da produção de trigo e farinha da região do estudo, pois não seria correto o pequeno produtor, que representa a maioria, ser agrupado com produtores grandes, empresariais, já que isso pode alterar os resultados e possíveis recomendações futuras”, explica Dossa.
A metodologia utilizada na pesquisa do trigo brasileiro foi a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), que permite verificar os impactos ambientais associados a todos os estágios do ciclo de vida de um produto. A ACV segue uma padronização internacional (ISO 14040 e ISO 14044) e considera também indicadores de pegada hídrica e potencial de aquecimento global.
O Projeto de Lei nº 182/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), foi aprovado em duas instâncias no Congresso Nacional e segue para sanção presidencial. Além de regulamentar a compra e venda de créditos de carbono no setor voluntário, que já ocorre no Brasil com iniciativas privadas, o projeto estabelece o setor regulado, abrangendo ações do poder público. Para a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja MT), a comercialização de créditos de carbono, oriundos do balanço positivo da maioria das propriedades, representa uma nova oportunidade de renda para os produtores.
Inicialmente, a produção primária agropecuária, incluindo bens, benfeitorias e infraestrutura diretamente associados às propriedades rurais, está isenta da regulação. Assim, não será necessário monitorar ou reportar emissões anualmente.
“A isenção para produção primária evita custos adicionais ao produtor e também gera uma oportunidade no mercado de carbono. A vantagem competitiva do agronegócio é que ele possui potencial para apresentar balanços de carbono positivo, o que pode melhorar a imagem do próprio setor e abrir novos mercados”, aponta o vice-presidente e coordenador da Comissão de Sustentabilidade da Aprosoja MT, Luiz Pedro Bier.
O principal objetivo da nova lei é estabelecer um sistema regulatório para as emissões de gases de efeito estufa no Brasil, contribuindo para que o país cumpra seus compromissos ambientais. A regulação se aplicará a atividades, fontes e instalações que emitam mais de 10 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por ano.
De acordo com Carlos Roberto Sanquetta, pesquisador e consultor em mudanças climáticas e mercado de carbono, os produtores rurais não serão obrigados a monitorar ou controlar as emissões de Gases de Efeito Estufa. “Fazendas agropecuárias, sejam de pessoas físicas ou jurídicas, estão isentas das obrigações impostas por essa legislação. Não será necessário fazer inventários de GEE nem implementar reduções ou compensações, mesmo que as emissões ultrapassem 10 mil toneladas de CO2e por ano”, esclarece.
Estima-se que mais de cinco mil organizações serão afetadas por essa regulação. Essas empresas deverão cumprir as exigências da lei para evitar penalidades como advertências, multas, suspensão parcial ou total das operações, embargo de atividades e até a perda de incentivos fiscais e do direito de participar de linhas de financiamento.
Embora a produção primária agropecuária esteja inicialmente isenta, a agroindústria poderá ser regulada pelo SBCE, destaca o especialista. Isso significa que, mesmo sem impactos diretos para o produtor que atua apenas na fase primária, os custos na cadeia de valor agropecuária podem aumentar, refletindo no preço dos insumos e na rentabilidade do setor.
“Apesar desse texto trazer a ideia de desoneração, este não livra a indústria de insumos agrícolas da regulação, o que traz ao agronegócio o risco de oneração da cadeia de valor que poderá ser penalizada por aumento de custos de produção desses insumos”, aponta Sanquetta.
O mercado de carbono apresenta uma oportunidade significativa para o setor agropecuário. Grande parte das propriedades do agronegócio possui um balanço positivo de carbono, ou seja, remove mais dióxido de carbono da atmosfera do que emite, graças a práticas como o plantio direto e o uso de tecnologias de manejo sustentável.
De acordo com Luiz Pedro Bier, vice-presidente da Aprosoja MT, a regulamentação desse mercado pode fortalecer a participação do agronegócio. “A Aprosoja MT é favorável à lei, pois entendemos que ela pode criar um mercado mais organizado, superando o caráter amador atual. Essas alternativas podem fomentar um mercado mais profissional e especializado, gerando uma nova fonte de renda para o produtor rural”, destaca Bier.
Os créditos de carbono funcionam como compensações para emissões de CO2. Ao serem comercializados, tornam-se uma fonte adicional de receita para o setor. Por isso, é essencial que o produtor rural esteja preparado para essa transição, buscando orientação qualificada para aproveitar as oportunidades que surgirem.
A Aprosoja MT reconhece os benefícios potenciais do mercado de carbono, mas reforça a importância de monitorar o desenvolvimento do SBCE para evitar que os produtores enfrentem custos excessivos ou dificuldades burocráticas. A entidade se compromete a acompanhar de perto a implementação da legislação e a esclarecer dúvidas dos associados sobre o Projeto de Lei nº 182/2024. Além disso, recomenda que os produtores fiquem atentos a desinformações que possam circular sobre o tema.
No dia 26 de novembro, foi firmada uma parceria técnica entre a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), a Bayer e a Embrapa Meio Ambiente. O objetivo é mensurar a pegada de carbono do algodão, em um movimento que busca consolidar práticas mais sustentáveis no setor agroindustrial brasileiro.
O projeto será conduzido pelas pesquisadoras Marília Folegatti e Nilza Patricia Ramos, da Embrapa Meio Ambiente, e inclui a análise das emissões de carbono associadas a diferentes produtos derivados do algodão, como a pluma, o caroço, o farelo e o óleo. Trata-se de um estudo inédito no Brasil, que pretende estabelecer uma referência nacional confiável sobre o impacto ambiental da cultura, destacando tanto sua eficiência produtiva quanto os atributos sustentáveis dos seus subprodutos.
Histórico da iniciativa
Segundo Marília Folegatti, a pesquisa na área de algodão teve início há cerca de um ano. Desde então, a Embrapa vem desenvolvendo um módulo para calcular a pegada de carbono do algodão em sistema de produção. A terceira versão dessa calculadora já contempla essa solução e foi aplicada pela Bayer em uma área de 77 mil hectares no Centro-Oeste do país.
“No entanto, o Brasil é um país extremamente diverso, e há várias formas de se produzir algodão. Para representar bem essa produção em escala nacional, consideramos fundamental trazer mais dois parceiros estratégicos: a Abrapa e a Abiove”, explicou a pesquisadora.
A Abrapa reúne cerca de 18 mil produtores, responsáveis por 95% da produção nacional de algodão, enquanto a Abiove, parceira de longa data da Embrapa, tem contribuído para discussões importantes, como as que envolvem o programa RenovaBio, e agora ajudará a estruturar a análise de extração de óleo e produção de biodiesel a partir do caroço do algodão.
Amplitude e impacto da parceria
A colaboração envolve toda a cadeia produtiva do algodão, envolvendo a caracterização dos processos agrícolas e industriais. Segundo Folegatti, o trabalho permitirá mapear a pegada de carbono de produtos como pluma, óleo, farelo e biodiesel, considerando as diferentes tecnologias praticadas no Brasil.
“Essa associação é crucial para representar a diversidade de métodos de produção no país. A Abrapa contribui com sua visão sobre os sistemas agrícolas, enquanto a Abiove agrega com sua expertise nas fases seguintes da cadeia, incluindo a extração de óleo e a produção de biodiesel. A valorização de subprodutos, como o farelo utilizado para a alimentação animal, também merecerá atenção do projeto”, destacou a pesquisadora.
Além disso, a iniciativa fortalece o compromisso da Abiove com a sustentabilidade, alinhando-se a programas como o RenovaBio, que busca fomentar a descarbonização na agroindústria. O projeto não apenas ajuda a reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas também valoriza práticas que tornam o algodão brasileiro mais competitivo no mercado global.
Sustentabilidade como prioridade
O Brasil é um dos maiores exportadores de algodão do mundo e, com essa iniciativa, reforça seu papel de liderança em práticas agrícolas sustentáveis. A parceria entre Embrapa, Abiove, Abrapa e Bayer é mais um exemplo concreto do esforço coletivo para tornar a agroindústria nacional mais eficiente, sustentável e alinhada às demandas de consumidores e mercados internacionais por produtos com menor impacto ambiental.
O estudo, além de subsidiar decisões estratégicas no setor, deverá servir como um modelo para outras cadeias produtivas, fortalecendo o compromisso do agronegócio brasileiro com a sustentabilidade e a inovação tecnológica.
Produtores rurais mato-grossenses terão a oportunidade de conhecer mais sobre “O Mercado de Carbono e as oportunidades para o agronegócio”. No dia 20 de agosto, entre às 8h e 13h (horário de MT), a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) apresenta o tema em um workshop, realizado no auditório da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (Fiemt).
O diretor do Instituto de Pesquisas em Biomassa e sequestro de carbono, Dr. Sanquetta, é quem apresentará informações aos agricultores que tiverem dúvidas sobre o assunto. Sanquetta também é professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), além de ter ampla experiência nas áreas de Ecologia e Mudanças Climáticas. O especialista também é delegado oficial do Governo Brasileiro para a Convenção do Clima junto às Nações Unidas e membro autor oficial do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
O mercado de carbono é um método que incentiva a redução da emissão de gases do efeito estufa na atmosfera. Países e empresas que não conseguem reduzir os gases poluentes incentivam a redução por meio de projetos favoráveis ao meio ambiente.
Em Mato Grosso uma maneira muito utilizada pelos agricultores para sequestro de carbono, que favorece a produção sustentável no campo, é o plantio direto. Após a colheita do milho, os agricultores mato-grossenses deixam a palha do cereal sobre o solo, evitando o uso de maquinários para gradear a terra, removendo a matéria orgânica.
A técnica evita que as máquinas emitam gases na atmosfera, podendo semear a soja em cima da palhada na próxima safra. O plantio direto, além de ser sustentável, também pode garantir maior produtividade na colheita dos grãos.
Para não perder nenhum detalhe sobre o evento que abordará sobre o mercado de carbono, os produtores podem se inscrever no workshop pelo link abaixo. A inscrição e a entrada são gratuitas.