Tag: Agência Brasil

  • Segredo para combater pobreza está nas pequenas coisas, diz economista

    Segredo para combater pobreza está nas pequenas coisas, diz economista

    O economista norte-americano Michael Kremer recebeu, em 2019, o Nobel de Economia por seu trabalho para aliviar a pobreza global. O prêmio foi dividido com os também economistas Abhijit Banerjee e Esther Duflo. Juntos, eles desenvolveram métodos que permitem ações mais eficazes em áreas como saúde infantil e desempenho escolar. Este ano, Kremer participou como convidado de honra da Conferência de Ministros da Agricultura das Américas, em San José, na Costa Rica. Durante três dias, o encontro discutiu os principais desafios do setor, incluindo temas como sustentabilidade, segurança alimentar, mudanças climáticas e agricultura familiar.

    Em solo costa-riquenho, Michael Kremer conversou com a Agência Brasil sobre estratégias para combater a pobreza e as desigualdades globais. Para o economista, o segredo está em dividir grandes problemas em pequenas porções, criando incentivos certos no lugar de simplesmente alocar mais recursos, por exemplo. “ Há muitas áreas onde há lacunas similares entre incentivos comerciais existentes e necessidades sociais. Certamente, mudanças climáticas, meio ambiente e as necessidades de adaptação dos pequenos produtores estão no topo dessa lista”. Outros métodos destacados por Kremer consistem no uso de linguagem simples e acessível e em não generalizar a população de menor renda para que se possa entender as verdadeiras causas da pobreza.

    Confira os principais trechos da entrevista:

    Agência Brasil: O senhor pode detalhar um pouco o projeto que o levou a ganhar o Prêmio Nobel de Economia?

    Michael Kremer: Muito do meu trabalho consiste em princípios básicos de experimentos que já foram usados inúmeras vezes e testados, por exemplo, em medicamentos e vacinas. Aplicamos esses princípios na economia para avaliar diferentes abordagens. Vou dar um exemplo recente. O governo da Índia estava tentando colher informações sobre a natureza do solo e passar essas informações aos fazendeiros com orientações sobre o uso de fertilizantes. O que pode ser muito útil, já que os fazendeiros usariam os fertilizantes que precisam e, caso não precisem, não gastariam dinheiro com isso. É ótimo na teoria. Mas o que as autoridades indianas decidiram fazer foi testar se isso estava realmente funcionando. Eles tinham um panfleto com todas as informações técnicas e recomendações, Mas descobriram que somente 6% dos fazendeiros conseguiam compreender aquilo. Então, fizeram a coisa certa: repensaram o formato do material, tentaram usar princípios básicos de design, para que se tornasse mais útil para os fazendeiros.

    Além disso, decidiram complementar esse panfleto com um áudio ou vídeo de um agrônomo. O que descobriram depois é que todas essas estratégias funcionaram. Quando acrescentaram o áudio, isso ampliou a compreensão dos fazendeiros em 37%. Com o vídeo, a resposta foi melhor ainda: 41% conseguiram compreender o material. Ficou provado que o vídeo era tão efetivo quanto uma conversa real com um agrônomo, sendo que é muito mais barato fornecer o vídeo. O áudio trouxe bons resultados também. Então, para fazendeiros com smartphones, o vídeo passou a ser distribuído. E para os que têm aparelhos mais simples, o áudio. Consegue-se alcançar muito mais fazendeiros dessa forma e com o mesmo gasto. A Índia agora está tentando chegar a 100% de compreensão por parte dos fazendeiros.

    Agência Brasil: O senhor diria, portanto, que formas simples e claras de comunicação são o segredo em todo esse processo?

    Michael Kremer: Sim. Uma das chaves é tentar utilizar informações simples e fáceis de serem compreendidas. Mas outra é não apenas sentar em algum ministério e, de lá, tentar compreender o que é simples e fácil de ser compreendido, mas sair de lá, entrevistar, por exemplo, os fazendeiros, juntando-os em grupos específicos. Temos visto cada vez mais governos adotando esse tipo de estratégia. Vou citar como exemplo uma experiência que tivemos. Em muitos países, há grandes lacunas na educação no que diz respeito às capacidades de cada aluno – sobretudo depois da pandemia de covid, que fez com que os alunos tivessem seu aprendizado comprometido. Isso significa que os professores podem estar ensinando coisas que ainda não são compreendidas pelos alunos. Encontrar meios de fazer com que esses alunos alcancem o aprendizado que estava inicialmente previsto pode ser muito útil.

    A tecnologia pode ajudar nisso. Existem softwares de avaliação pessoal de desempenho e que fazem perguntas ao aluno. Se as respostas forem corretas, surgem perguntas um pouco mais difíceis. Se as respostas não estiverem corretas, o software passa a abordar princípios fundamentais da matéria para que o aluno possa aprender essa parte primeiro. Há muitas experiências de sucesso com esse tipo de iniciativa. Os estudos mostram grande impacto. O desafio é implementar isso no sistema escolar. Estamos falando de estudantes, professores, um currículo nacional que precisa ser pensado. Não é fácil de fazer. Mas tentar entender a melhor forma de implementar isso pode trazer benefícios imensos.

    Agência Brasil: Há exemplos de aplicação desse método também na área da saúde, certo?

    Michael Kremer: Sim. Parte do meu trabalho aborda formas de criar incentivos voltados a empresas farmacêuticas para que trabalhem com questões sanitárias que talvez não sejam necessariamente as mais rentáveis, mas onde há outros fatores sociais importantes. Trata- se de um princípio básico: temos tecnologias incríveis que surgiram, em parte, graças ao financiamento de governos e de empresas privadas que buscam o lucro. Mas há outras necessidades sociais e ambientais que não atraem o setor privado. Nessas situações, enquanto sociedade, poderíamos optar por criar estratégias para encorajar as empresas a investirem nisso. E, consequentemente, ter esses produtos disponíveis para as pessoas.

    Fiz parte de um esforço em comum para o desenvolvimento de uma vacina contra o pneumococo, que já matou milhões de pessoas. As vacinas existentes foram desenvolvidas com base em cepas comuns, em países de alta renda. Mas não havia vacinas para as cepas de países de média e baixa renda. Um grupo de financiadores se uniu e juntou US$ 1,5 bilhão que poderiam ser usados caso alguma empresa manifestasse interesse em desenvolver vacinas efetivas na maior parte do mundo. Eles ajudariam a financiar a compra dessas vacinas se as empresas concordassem em produzir quantidade suficiente e manter os preços baixos. Isso era atrativo para as empresas porque, no lugar de vender poucas doses de vacinas caras, elas venderiam um número muito maior, apesar do preço mais baixo. E fez com que o acesso a essas vacinas, uma vez desenvolvidas, se tornasse muito maior. Três vacinas foram desenvolvidas para combater as cepas em países de média e baixa renda. Centenas de milhares de crianças foram vacinadas. Graças a essas vacinas, a estimativa é que cerca de 700 mil vidas tenham sido salvas.

    Agência Brasil: Na agricultura, é correto dizer que, em muitos casos, a linguagem técnica utilizada em políticas públicas simplesmente não funciona nas zonas rurais?

    Michael Kremer: Há muitas áreas onde há lacunas similares a essa da saúde, lacunas entre incentivos comerciais existentes e necessidades sociais. Certamente, as mudanças climáticas, o meio ambiente e as necessidades de adaptação dos pequenos produtores estão no topo dessa lista. As mudanças climáticas estão ameaçando a vida de muitos fazendeiros. Eles vão precisar de sementes diferentes para se adaptar, ferramentas diferentes. É preciso criar incentivos para que as empresas possam trabalhar não apenas com os problemas dos fazendeiros donos de grandes terras e plantações altamente produtivas, mas também com os problemas de fazendeiros pobres.

    Agência Brasil: Alguma chance de vermos suas ideias sendo implementadas no Brasil?

    Michael Kremer: Eu lidero uma comissão para mudanças climáticas, segurança alimentar e agricultura. Duas coisas com as quais estamos trabalhando são: melhorar o sistema de monitoramento do tempo e a comunicação digital com os fazendeiros. E o Brasil é referência internacional nessas áreas. Nossa equipe se reuniu em Brasília com os ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Social, do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura. Estamos trabalhando com os Emirados Árabes Unidos, que vão sediar a COP28, e esperamos poder estreitar também as parcerias com o Brasil em razão do G20 e da COP30. O Brasil tem muitas lições para ensinar ao mundo e gostaríamos de facilitar esse processo.

    *A repórter viajou a convite do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

    Edição: Graça Adjuto
    — news —

  • Entenda o esquema de manipulação em jogos de futebol

    Entenda o esquema de manipulação em jogos de futebol

    O noticiário esportivo foi tomado nas últimas semanas por denúncias de esquemas de manipulação de resultados de jogos de futebol para favorecer apostadores. Essas denúncias são resultado de uma operação do Ministério Público de Goiás (MP-GO) chamada de Penalidade Máxima e que envolve jogadores que estiveram em ação em partidas de campeonatos estaduais e das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de 2022.

    Apostas

    Atualmente as casas especializadas oferecem várias modalidades de apostas, além do simples resultado de uma partida. É possível palpitar, dentro do chamado mercado secundário, em diferentes eventos que acontecem no decorrer de um jogo, como número de cartões amarelos ou vermelhos, finalizações, escanteios, cobranças de pênaltis, entre outras estatísticas. As apostas são realizadas com diferentes cotações (as chamadas odds), a partir das quais são definidos os valores dos prêmios pagos.

    Segundo os promotores que atuaram na operação Penalidade Máxima, organizações criminosas subornavam atletas profissionais de futebol para praticarem determinados eventos em partidas oficiais, como cometer pênaltis ou tomar cartões amarelos ou vermelhos, fazendo com que os apostadores envolvidos no esquema acertassem uma aposta feita previamente.

    Denunciados

    O MP-GO apontou a participação de alguns jogadores no esquema fraudulento. Entre eles está o zagueiro Eduardo Bauermann, afastado pelo Santos de forma preventiva. Além do atleta do Peixe, foram denunciados os atletas Gabriel Tota (Ypiranga-RS), Victor Ramos (Chapecoense), Igor Cariús (Sport), Paulo Miranda (Náutico), Fernando Neto (São Bernardo) e Matheus Gomes (que atuou no Sergipe).

    Mais nove pessoas (apostadores e membros da organização criminosa) também foram apontadas na denúncia, que, segundo o MP/GO, “esmiúça 23 fatos criminosos ocorridos durante as partidas, nas quais jogadores se comprometeram a cometer faltas para receber cartões e a cometer pênaltis. A organização criminosa visava apostar nos resultados e eventos induzidos e, desta forma, obter elevados ganhos”.

    Após a denúncia inicial, prints de conversas de apostadores que estão sob investigação pelo MP-GO chegaram a conhecimento público. Nessas trocas de mensagens apareceram nomes de jogadores que não foram denunciados. Alguns foram afastados de forma preventiva pelas atuais equipes, como Vitor Mendes (Fluminense), Pedrinho (Athletico-PR), Bryan García (Athletico-PR), Richard (Cruzeiro), Maurício (Internacional), Nino Paraíba (América-MG), Raphael Rodrigues (Avaí), Alef Manga (Coritiba) e Jesús Trindade (Coritiba).

    Descoberta do esquema

    A investigação do Ministério Público de Goiás surgiu em fevereiro, a partir de uma denúncia feita pelo presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo. Naquela oportunidade, o dirigente revelou que o meia Marcos Vinícius Alves Barreira, mais conhecido como Romarinho (que teve o contrato rescindido em 2022), aceitou R$ 150 mil para cometer um pênalti na primeira etapa do jogo contra o Sport, pela Série B. Posteriormente, em abril, o MP-GO ampliou o escopo das investigações, passando a apurar possíveis eventos irregulares em partidas da Série A.

    Nesta semana, o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que a Polícia Federal (PF) instaurasse inquérito para investigar indícios de manipulação de resultados em competições esportivas, iniciativa que tem apoio da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Mesmo com a descoberta do esquema criminoso, a entidade máxima do futebol nacional afastou qualquer possibilidade de interromper a edição atual do Campeonato Brasileiro e afirmou que trabalha “em conjunto com a Fifa [Federação Internacional de Futebol] e outras esferas internacionais para um modelo padrão de investigação”.

    Regulamentação

    As apostas esportivas foram instituídas no Brasil em 2018, com a publicação da Lei 13.756. Porém, a atividade ainda carece de regulamentação. Na quinta-feira (11), o Ministério da Fazenda informou que editará uma medida provisória para regularizar o mercado no país. O texto foi encaminhado aos ministérios coautores (Planejamento, Gestão, Saúde, Turismo e Esportes) e será levado à Casa Civil, após avaliação e assinatura, antes de ser submetido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

    O texto se debruça especificamente sobre a regulamentação de apostas de quota fixa, conhecidas como mercado de bets. Segundo a Fazenda, a partir desse processo, os ministérios terão a possibilidade de editar portarias com regras para criar mecanismos que evitem e coíbam os casos de manipulação de resultados.

    Edição: Fernando Fraga